Corações em Ruínas: A História de uma Traição em Lisboa
— Mariana, não podes continuar a fingir que está tudo bem! — gritou a minha sogra, Dona Teresa, enquanto eu tentava conter as lágrimas na cozinha apertada do nosso apartamento em Benfica. O cheiro do café queimado misturava-se ao da tensão no ar. O relógio marcava sete da manhã, mas o dia já parecia perdido.
Olhei para ela, tentando encontrar algum traço de compaixão no seu rosto enrugado. Mas só vi frieza. — Não estou a fingir nada, Dona Teresa. Só quero paz nesta casa — respondi, com a voz trémula.
Foi nesse momento que o João entrou na cozinha, ainda com o cabelo despenteado e o telemóvel na mão. — O que se passa agora? — perguntou, sem sequer olhar para mim.
A minha filha, Leonor, de apenas oito anos, espreitava da porta do quarto, com os olhos grandes e assustados. Senti o coração apertar. Como é que chegámos aqui? Como é que o homem que prometeu amar-me me olha agora como se eu fosse um fardo?
Tudo começou há meses, mas eu só percebi tarde demais. João chegava cada vez mais tarde a casa, sempre com desculpas esfarrapadas: reuniões intermináveis, trânsito na Segunda Circular, colegas que precisavam de boleia. Eu queria acreditar. Queria mesmo. Mas as mensagens no telemóvel dele — que apanhei por acaso — não mentiam.
“Amanhã à noite? Mal posso esperar para te ver outra vez.” O nome era apenas “Rita”. Uma colega do escritório, dizia ele. Só trabalho, Mariana. Não sejas paranoica.
Mas eu sabia. O instinto de mulher não falha. E quando confrontei o João, ele negou tudo. Gritou comigo. Disse que eu estava louca, que precisava de ajuda. Dona Teresa ficou do lado dele, claro. Sempre ficou.
— Mariana, tu é que estás a destruir esta família com as tuas desconfianças! — atirou ela, naquela manhã fatídica.
Senti-me sozinha como nunca antes. A minha mãe morreu quando eu tinha dezassete anos e o meu pai nunca foi presente. A família do João era tudo o que eu tinha — ou pensava eu.
Os dias seguintes foram um inferno silencioso. João mal me falava e Dona Teresa fazia questão de me humilhar sempre que podia. “Se fosses uma mulher decente, o meu filho não precisava de procurar fora”, sussurrava ela quando passava por mim no corredor.
Eu queria gritar, queria fugir, mas olhava para a Leonor e sabia que tinha de aguentar. Por ela. Só por ela.
Uma noite, depois de pôr a Leonor a dormir, sentei-me na varanda com um cigarro — hábito antigo que tinha prometido largar — e chorei até não ter mais lágrimas. Oiço os risos do João ao telefone na sala e sinto-me invisível.
No dia seguinte, tomei uma decisão: ia confrontar a Rita. Fui ao escritório do João à hora de almoço e esperei junto à entrada. Quando a vi sair, aproximei-me.
— Rita? Podemos falar um minuto?
Ela olhou para mim surpresa, mas acenou com a cabeça. Fomos até um café ali perto.
— Eu sei sobre vocês — disse-lhe, sem rodeios.
Ela ficou pálida. — Mariana… eu… desculpa. Eu não queria magoar ninguém.
— Então porque o fizeste? — perguntei, sentindo a voz embargar.
Ela baixou os olhos. — O João disse-me que vocês já não estavam juntos há meses… Que só viviam juntos por causa da filha.
Senti uma raiva surda crescer dentro de mim. Como é possível alguém mentir assim? Como é possível destruir uma família e ainda dormir tranquilo?
Voltei para casa determinada a pôr fim àquela farsa. Esperei que Leonor estivesse na cama e chamei o João à sala.
— Acabou. Quero o divórcio.
Ele olhou para mim como se eu tivesse enlouquecido. — Estás a falar a sério?
— Estou farta de mentiras. Farta de ser humilhada nesta casa. Quero sair daqui com a Leonor.
Dona Teresa entrou na sala nesse momento, como se tivesse ouvido tudo atrás da porta.
— Não vais levar a minha neta! — gritou ela, aproximando-se de mim com os olhos cheios de fúria.
— Não me vais impedir — respondi, sentindo uma força nova dentro de mim.
O João tentou acalmar a mãe, mas ela estava descontrolada. — Tu destruíste esta família! Tu!
Naquela noite dormi no quarto da Leonor, abraçada a ela como se fosse o meu único porto seguro.
Os dias seguintes foram um turbilhão de advogados, discussões e lágrimas escondidas no banho. João tentou convencer-me a ficar “pelo bem da Leonor”, mas eu sabia que já não havia volta atrás.
A minha maior dor era ver a minha filha confusa e triste. Ela perguntava todos os dias quando é que íamos voltar a ser uma família feliz.
— Mãe, porque é que o pai já não janta connosco?
— Porque às vezes os adultos também se magoam uns aos outros, filha — respondia eu, tentando sorrir.
A Dona Teresa fez de tudo para me dificultar a vida: espalhou boatos entre os vizinhos, ligou para os meus colegas de trabalho a dizer que eu era instável e até tentou convencer o João a pedir a guarda total da Leonor.
Mas eu lutei com todas as forças que tinha. Procurei apoio junto das minhas amigas — aquelas poucas que me restavam — e comecei terapia para conseguir lidar com tudo aquilo.
O processo de divórcio foi longo e doloroso. Cada sessão no tribunal era uma ferida aberta. O João dizia que eu era desequilibrada, incapaz de cuidar da nossa filha sozinha. A Dona Teresa testemunhou contra mim, dizendo que eu era fria e distante.
No final, consegui ficar com a guarda da Leonor, mas perdi quase tudo o resto: amigos em comum, parte dos meus bens e até o respeito de algumas pessoas da família dele.
Mas ganhei algo mais importante: ganhei-me a mim mesma.
Hoje vivo num pequeno apartamento em Almada com a Leonor. Não é fácil recomeçar do zero aos 38 anos, mas todos os dias olho para a minha filha e sei que fiz o certo.
Às vezes ainda acordo a meio da noite com pesadelos do passado: gritos na cozinha, portas a bater, olhares frios e julgadores. Mas depois sinto os braços da Leonor à volta do meu pescoço e lembro-me de que sobrevivi.
A traição dói mais quando vem de quem amamos e confiamos cegamente. Mas será que algum dia conseguimos perdoar verdadeiramente? Ou será que certas feridas ficam para sempre abertas?
E vocês? Já sentiram o peso de uma traição assim? Como encontraram forças para recomeçar?