Como Tentei Afastar os Primos Indesejados das Nossas Festas de Família

— Outra vez, Inês? Vais mesmo deixar que eles entrem? — sussurrou a minha mãe, com os olhos fixos na porta da sala, onde já se ouviam risos e passos apressados no corredor.

O bolo ainda estava por cortar, a mesa posta com todo o cuidado, e eu sentia o estômago apertado. Era o aniversário do meu filho, o pequeno Tomás, e mais uma vez os primos da minha mãe tinham decidido aparecer sem avisar. Não eram convidados. Nunca eram. Mas apareciam sempre — com as mãos vazias e as bocas cheias de histórias, críticas e exigências.

Lembro-me de quando era pequena e via a minha avó, Maria do Carmo, a abrir a porta com um sorriso forçado. “A família é sagrada”, dizia ela, mesmo quando os primos lhe esvaziavam o frigorífico e deixavam a casa num caos. Cresci a ouvir que não se diz não à família. Mas agora, adulta, mãe de dois filhos e dona de uma casa pequena em Almada, sentia-me sufocada por essa tradição.

— Mãe, não quero confusão hoje — pedi-lhe baixinho, enquanto ajeitava o cabelo e tentava sorrir para o Tomás, que já olhava para mim com ar preocupado.

— Eu sei, filha. Mas sabes como é a tua tia Lurdes… Se não entra hoje, amanhã liga à tua avó a dizer que somos ingratas.

A campainha tocou de novo. O meu marido, Miguel, olhou para mim com aquele olhar de “não me metas nisto”. Ele nunca gostou de confusões familiares, mas também nunca me deixou sozinha.

Abri a porta. Lá estavam eles: a tia Lurdes, o primo Rui (que nunca largava o telemóvel), a prima Sónia (sempre pronta para criticar a decoração) e o tio António (que só vinha pelo vinho). Entraram como se fossem donos da casa.

— Olha quem está aqui! — gritou a tia Lurdes, abraçando-me com força. — Não trouxemos nada porque viemos só dar um beijinho ao Tomás!

O “beijinho” durou até às dez da noite. Comeram metade do bolo, criticaram o sumo (“devias ter comprado natural, Inês!”), reclamaram do espaço (“esta sala é tão pequena!”) e deixaram brinquedos espalhados por todo o lado. Quando finalmente saíram, sentei-me no sofá e chorei baixinho.

Miguel sentou-se ao meu lado.

— Tens de pôr um fim nisto, Inês. Não é justo para ti nem para o Tomás.

Sabia que ele tinha razão. Mas como? Como se diz não à família sem ser vista como ingrata? Passei a noite em claro, a pensar em todas as vezes que me senti invadida, julgada ou simplesmente ignorada nas minhas próprias festas.

Na semana seguinte, decidi falar com a minha mãe.

— Mãe, preciso da tua ajuda. Não aguento mais isto. Quero fazer uma festa só para nós, sem surpresas nem visitas indesejadas.

Ela olhou para mim com tristeza.

— Filha… Eles são família. Se os excluíres, vão falar mal de ti. Vão dizer que és fria.

— Prefiro ser fria do que infeliz na minha própria casa! — respondi, surpreendendo-me com a força da minha voz.

A minha mãe suspirou.

— Faz como quiseres. Mas prepara-te para as consequências.

No aniversário seguinte do Tomás, decidi arriscar. Enviei convites apenas para os mais próximos: pais, irmãos e dois amigos do Tomás. Não publiquei nada nas redes sociais. Pedi à minha mãe para não comentar nada com ninguém.

No dia da festa, tudo corria bem até à hora do lanche. A campainha tocou. O meu coração disparou.

— Quem será? — perguntou Miguel.

Olhei pelo óculo da porta: tia Lurdes e primo Rui. Sem convite. Sem aviso.

Abri a porta só uma fresta.

— Olá tia… Olá Rui…

— Então? Não nos convidaste este ano? — perguntou ela, já com ar ofendido.

— Tia… Este ano quisemos fazer uma coisa pequena, só para os mais próximos…

Ela ficou vermelha de raiva.

— Então agora já não somos família? É isso?

Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos. O Tomás apareceu atrás de mim, curioso.

— Mamã, quem é?

A tia Lurdes olhou para ele e depois para mim.

— Não te preocupes, Tomás. A mamã já não gosta da família dela…

Fechei a porta devagar. O coração batia-me tão forte que pensei que ia desmaiar. Sentei-me no chão da entrada e chorei como há muito não chorava.

Miguel veio ter comigo.

— Fizeste o certo. Eles têm de perceber que há limites.

Mas será que fiz mesmo? Nos dias seguintes começaram as chamadas anónimas, as mensagens passivo-agressivas no grupo da família no WhatsApp: “Há quem se esqueça das raízes”, “A família é para sempre”. A minha mãe ligou-me todos os dias a pedir para fazer as pazes.

— Filha… Não podes viver assim. Vais acabar sozinha.

Mas eu sentia-me mais sozinha quando estava rodeada por pessoas que não respeitavam o meu espaço do que agora, em silêncio na minha casa.

O tempo passou. As festas tornaram-se mais pequenas, mas também mais felizes. O Tomás começou a perguntar menos pelos primos distantes; preferia brincar com os amigos da escola ou com o irmão mais novo. A minha mãe foi aceitando aos poucos — embora ainda suspirasse sempre que via uma foto das festas antigas.

Um dia encontrei a tia Lurdes no supermercado. Ela olhou para mim como se eu fosse uma estranha.

— Olá tia…

Ela não respondeu. Passou por mim sem dizer palavra.

Senti um aperto no peito — culpa misturada com alívio. Será que fiz bem? Será que valeu a pena perder parte da família para ganhar paz?

Às vezes dou por mim a olhar para fotos antigas e pergunto-me: será possível haver família sem sacrifício constante? Ou será que aprendemos desde cedo a aceitar tudo em nome de laços de sangue?

E vocês? Já passaram por algo assim? Até onde iriam para proteger o vosso espaço?