Cansada da Preguiça do Meu Marido: A História de Inês e Rui

— Rui, por favor, levanta-te. Já são quase onze horas! — a minha voz ecoou pela casa fria, misturada com o cheiro do café acabado de fazer. Ele resmungou qualquer coisa, virando-se para o outro lado da cama, como se o mundo lá fora não lhe dissesse respeito. Senti uma raiva surda a crescer dentro de mim. Não era só mais um domingo preguiçoso; era mais um dia igual a tantos outros, em que eu carregava o peso de tudo sozinha.

Quando casei com o Rui, há sete anos, nunca imaginei que chegaríamos aqui. Ele era divertido, trabalhador, sempre com um sorriso pronto e uma palavra de incentivo. Lembro-me do dia em que me pediu em casamento no Miradouro de Santa Catarina, com Lisboa iluminada aos nossos pés. Eu trabalhava numa loja de roupa no Chiado e ele era técnico de informática numa pequena empresa. Não tínhamos muito, mas tínhamos sonhos e vontade de os concretizar.

No início, ele nunca me pressionou para trabalhar mais do que queria. Dizia sempre: “Inês, tu fazes o que te faz feliz. Eu trato do resto.” E eu sentia-me segura, amada. Quando comecei a ganhar algum dinheiro extra com costuras para amigas e vizinhas, usava-o para pequenos luxos: um jantar fora, um vestido novo, uma escapadinha ao Douro. O Rui sorria e dizia que eu merecia.

Mas depois veio a crise. A empresa dele fechou portas e ele ficou em casa. No início, procurava trabalho todos os dias, enviava currículos, ia a entrevistas. Eu apoiava-o como podia, mesmo quando as respostas eram sempre negativas. Mas com o tempo… foi-se deixando ficar. Começou a passar as manhãs na cama e as tardes no sofá, agarrado ao telemóvel ou à televisão. “Hoje não vale a pena sair, está a chover”, dizia. Ou então: “Ninguém está a contratar agora.”

Eu tentei compreender. A crise era real e cruel. Mas também era real o cansaço que se foi apoderando de mim. Passei a trabalhar mais horas na loja e a aceitar todos os pedidos de costura que apareciam. O dinheiro mal chegava para as contas e para o supermercado. E ele… nada.

As discussões começaram a ser frequentes. Uma noite, depois de um turno exaustivo e de ter ainda passado duas horas a costurar um vestido para a Dona Rosa do segundo andar, entrei na sala e vi-o a jogar PlayStation.

— Rui, não achas que já chega? — perguntei, tentando controlar as lágrimas.

Ele pousou o comando devagar.

— Achas que não me sinto mal? Achas que gosto disto? — respondeu ele, com os olhos vermelhos.

— Então faz alguma coisa! Procura trabalho, vai ao centro de emprego, fala com os teus amigos… — insisti.

Ele levantou-se num salto:

— Achas que não tentei? Achas que é fácil? Tu não percebes nada!

Ficámos ali, frente a frente, dois estranhos na mesma casa. Senti-me sozinha como nunca.

Os meses passaram e nada mudava. A minha mãe começou a notar o meu ar cansado quando ia lá jantar ao domingo.

— Inês, tu não podes fazer tudo sozinha — dizia ela baixinho na cozinha enquanto lavávamos a loiça.

Eu encolhia os ombros:

— Ele está em baixo… Precisa de tempo.

Mas quanto tempo é preciso para alguém voltar a lutar?

A gota de água foi no aniversário do nosso filho, o Tiago. Fiz tudo sozinha: organizei a festa, comprei o bolo, preparei os convites para os amiguinhos da escola. O Rui apareceu na sala já com os convidados lá dentro, despenteado e ainda meio ensonado. Os meus sogros olharam para mim com pena disfarçada.

Nessa noite, depois de todos irem embora e eu arrumar os restos da festa sozinha, sentei-me à mesa da cozinha e chorei baixinho. O Tiago dormia no quarto dele e o Rui estava outra vez no sofá.

No dia seguinte tomei uma decisão difícil: fui falar com ele.

— Rui, precisamos de ajuda. Assim não dá mais. Eu estou exausta. Não posso ser mãe, mulher e ainda sustentar esta casa sozinha.

Ele olhou para mim como se só então me visse verdadeiramente.

— Queres que eu vá embora? — perguntou num sussurro.

— Quero que lutes por nós — respondi.

Durante dias quase não falámos. Ele saiu algumas vezes sem dizer para onde ia. Uma noite voltou tarde e cheirava a cerveja. Senti medo do futuro.

A minha irmã Marta ligou-me:

— Inês, tu não tens de aguentar tudo sozinha. Vem passar uns dias cá a casa com o Tiago.

Aceitei. Fui para casa dela em Almada com o meu filho e deixei o Rui sozinho pela primeira vez desde que nos casámos. Ele não ligou nem mandou mensagem durante três dias.

Na casa da Marta senti um alívio estranho misturado com culpa. O Tiago brincava com os primos e eu dormia finalmente uma noite inteira sem sobressaltos.

Ao quarto dia recebi uma mensagem do Rui: “Preciso falar contigo.”

Voltei para casa com o coração apertado. Ele estava sentado à mesa da cozinha, barbeado e vestido como há muito não via.

— Fui ao centro de emprego — disse ele sem me olhar nos olhos. — Marquei uma entrevista para amanhã.

Sentei-me à frente dele em silêncio.

— Desculpa — murmurou ele. — Deixei-me ir abaixo… achei que tu conseguias tudo sozinha… mas agora percebo que te perdi aos poucos.

Chorei outra vez, mas desta vez foi diferente. Não era só tristeza; era também esperança misturada com medo.

A entrevista não correu bem e ele não ficou com o trabalho. Mas continuou a tentar. Voltou a sair todos os dias para procurar emprego ou fazer pequenos biscates para vizinhos e amigos.

A nossa vida não voltou ao que era antes. Ainda discutimos muitas vezes sobre dinheiro ou sobre quem faz o quê em casa. Mas agora há diálogo — há luta dos dois lados.

Às vezes pergunto-me se valeu a pena aguentar tanto tempo sozinha ou se devia ter exigido mudanças mais cedo. Será que as mulheres portuguesas ainda carregam demasiado peso nos ombros por medo de desiludir ou destruir uma família?

E vocês? Já sentiram este cansaço silencioso dentro das vossas casas? Até onde devemos ir por amor antes de pensarmos em nós primeiro?