Cansada da Preguiça do Meu Marido: A História de Inês e Rui

— Rui, vais mesmo ficar aí no sofá outra vez? — perguntei, tentando não deixar a minha voz tremer de frustração. O cheiro do jantar já se espalhava pela casa, mas ele nem se mexia. Os olhos dele estavam colados ao televisor, como se eu fosse invisível.

Ele suspirou, sem sequer olhar para mim. — Inês, tive um dia complicado. Só quero descansar um bocado.

Aquela frase era sempre a mesma. No início do nosso casamento, Rui era diferente. Trabalhava com afinco na oficina do pai dele, chegava a casa cansado mas sorridente, e fazia questão de me ajudar em tudo. Eu, recém-formada em enfermagem, ainda estava a tentar encontrar o meu lugar no mundo. Ele nunca me pressionou para trabalhar logo; dizia que queria que eu me sentisse realizada primeiro.

Durante algum tempo, a nossa vida era quase perfeita. Eu comecei a trabalhar num lar de idosos, e o Rui continuava a ser o pilar da casa. O dinheiro que eu ganhava era pouco, mas ele insistia para eu gastar em mim mesma: “Compra aquele casaco que gostaste, Inês. Mereces.” Eu sentia-me amada, protegida.

Mas tudo mudou quando o pai dele adoeceu e teve de fechar a oficina. Rui ficou sem trabalho e, ao início, até parecia motivado para procurar algo novo. Mas os meses passaram e ele foi-se acomodando ao subsídio de desemprego. Eu via-o cada vez mais afundado no sofá, rodeado de cervejas e migalhas de pão.

Comecei a sentir o peso da casa nos meus ombros. Trabalhava por turnos, fazia as compras, tratava da roupa e ainda cozinhava. O Rui? Limitava-se a existir. A minha mãe começou a notar o meu cansaço: “Filha, não podes fazer tudo sozinha. O Rui tem de ajudar.”

Numa noite fria de novembro, depois de um turno duplo no hospital, cheguei a casa e encontrei a cozinha num caos. Loiça suja empilhada, lixo por despejar e Rui a jogar PlayStation.

— Rui! Isto não pode continuar assim! — gritei, já sem conseguir conter as lágrimas.

Ele pausou o jogo e olhou-me como se eu fosse uma criança birrenta.

— Estás sempre a reclamar… Nunca estás satisfeita! — respondeu ele, levantando-se finalmente do sofá.

— Não é reclamar! É pedir ajuda! Eu não sou tua empregada! — rebati, sentindo o coração apertado.

A partir desse dia, as discussões tornaram-se rotina. Rui prometia mudar, mas nada acontecia. A minha sogra defendia-o: “O Rui está em baixo desde que perdeu a oficina. Tens de ter paciência.” Mas até quando? Eu via os meus sonhos a desmoronarem-se.

Certa tarde, depois de mais uma discussão acesa, sentei-me no banco do jardim em frente à nossa casa. A vizinha, Dona Teresa, aproximou-se devagarinho.

— Estás com ar cansado, menina Inês…

— Sinto-me sozinha, Dona Teresa. Sinto que casei com um estranho.

Ela pousou uma mão enrugada sobre a minha.

— O amor é bonito, mas precisa de ser regado dos dois lados. Se só tu regas, a planta morre.

As palavras dela ficaram-me na cabeça durante dias. Comecei a pensar se valeria a pena continuar a lutar sozinha. Os meus amigos diziam para eu pensar em mim: “Inês, tu mereces mais!”

Um domingo à tarde, decidi confrontar o Rui pela última vez.

— Rui, precisamos de falar seriamente. Assim não dá mais. Eu amo-te, mas não posso carregar esta casa sozinha.

Ele olhou-me nos olhos pela primeira vez em meses.

— Achas que eu não sinto vergonha? Achas que não me dói ver-te assim? Mas não consigo sair deste buraco…

Senti pena dele, mas também raiva. Porque é que ele não pedia ajuda? Porque é que eu tinha de ser sempre eu a puxar por nós?

Naquela noite dormimos costas voltadas. No dia seguinte fui trabalhar com olheiras profundas e um nó na garganta. No hospital, uma colega percebeu o meu estado e puxou-me para um canto.

— Inês, tu tens de cuidar de ti também. Não te percas por alguém que não quer ser encontrado.

Essas palavras foram como um murro no estômago. Pela primeira vez pensei seriamente em separar-me do Rui. Mas como explicar isso à família? Aos amigos? E se ele mudasse?

Os dias passaram e nada mudou. Um sábado à noite cheguei a casa e encontrei-o bêbado no sofá. O cheiro a álcool misturava-se com o cheiro da minha desilusão.

— Chega! — gritei. — Ou procuras ajuda ou eu vou embora!

Ele chorou como nunca o tinha visto chorar antes. Pediu desculpa entre soluços e prometeu procurar trabalho e terapia.

Foram meses difíceis. Ele começou a ir ao psicólogo do centro de saúde e arranjou um part-time numa loja de ferragens. Não foi fácil reconstruir a confiança nem apagar as mágoas.

Hoje olho para trás e vejo uma mulher diferente no espelho: mais forte, mais consciente do seu valor. O Rui ainda tem dias maus, mas agora luta por nós também.

Às vezes pergunto-me: quantas mulheres vivem presas ao peso do comodismo dos outros? Quantas vezes sacrificamos os nossos sonhos pelo medo da solidão? E vocês? Já sentiram que estavam sozinhos numa relação?