Assina Tudo Para Mim! Porquê Acreditaste Nela? Ela Só Te Quer Enganar!

— Assina tudo para mim! Porquê acreditaste nela? Ela só te quer enganar! — gritou o Ricardo, com a voz a tremer de raiva, enquanto batia com a mão na mesa da cozinha. O som ecoou pela casa, misturando-se com o vento gelado que se infiltrava pelas frinchas das janelas antigas.

Eu estava de costas, a mexer o chá na caneca, tentando controlar as lágrimas que ameaçavam cair. A minha filha, Leonor, dormia no quarto ao lado, alheia à tempestade que se abatia sobre nós. Desde que o Pedro me deixou, tudo parecia desmoronar-se. Ainda me lembro do telefonema naquela tarde chuvosa de outubro:

— Ana, não volto para casa. Apaixonei-me por outra pessoa. Desculpa.

Foi só isso. Uma frase curta, fria, que me roubou vinte anos de vida em segundos. Fiquei ali, sentada no sofá, a olhar para o vazio, enquanto a chuva batia nos vidros e a Leonor brincava no tapete sem perceber nada.

Os dias seguintes foram um borrão de lágrimas escondidas e sorrisos forçados para a minha filha. A minha mãe ligava todos os dias:

— Tens de ser forte, filha. Por ti e pela Leonor.

Mas como é que se é forte quando tudo à nossa volta se parte? O Pedro levou quase tudo: o carro, metade das poupanças e até alguns móveis da sala. Disse que era justo, que precisava de recomeçar. Eu fiquei com a casa — velha, húmida e cheia de memórias — e com a Leonor.

Foi nessa altura que o Ricardo apareceu mais vezes. O meu irmão sempre foi impulsivo, mas agora parecia ainda mais nervoso, como se carregasse o peso do mundo nos ombros.

— Ana, tens de vender a casa. Não consegues pagar isto sozinha! — insistia ele, dia sim dia não.

Mas eu não queria vender. Aquela casa era tudo o que me restava da vida que construí com o Pedro. Era ali que a Leonor tinha dado os primeiros passos, era ali que o meu pai tinha plantado as roseiras no jardim antes de morrer.

O problema é que as contas não paravam de chegar. A eletricidade estava atrasada dois meses, o gás ameaçava ser cortado e o supermercado era cada vez mais caro. Comecei a trabalhar num café ao pé da escola da Leonor, mas o ordenado mal dava para as despesas básicas.

Foi então que a tia Lurdes apareceu com uma proposta estranha:

— Ana, se precisares de ajuda, posso emprestar-te algum dinheiro. Mas tens de me pôr como co-proprietária da casa. É só uma formalidade — disse ela, com aquele sorriso forçado que sempre me deixou desconfortável.

O Ricardo ficou furioso quando soube:

— Não assines nada! A tia Lurdes só quer ficar com a casa quando tu não conseguires pagar! Ela já fez isso ao primo João!

Eu não sabia em quem confiar. A família estava dividida: uns diziam para aceitar a ajuda da tia Lurdes, outros diziam para fugir dela como o diabo da cruz. E eu só queria proteger a Leonor.

Nessa noite de inverno, depois de mais uma discussão acesa com o Ricardo, sentei-me sozinha na cozinha. O silêncio era pesado. Peguei na chávena de chá e olhei para as mãos trémulas.

Lembrei-me do Pedro e da forma como ele me olhava nos últimos meses: distante, ausente. Sempre ao telemóvel, sempre com desculpas para chegar tarde. Eu sabia que havia outra mulher — sentia-o no cheiro do perfume diferente nas camisas dele, nas mensagens apagadas à pressa.

Quando finalmente admitiu tudo ao telefone, senti-me aliviada e destruída ao mesmo tempo. Aliviada porque já não tinha de fingir que estava tudo bem; destruída porque percebi que nunca mais seria a mesma pessoa.

Agora era só eu e a Leonor contra o mundo. E um mundo cheio de contas por pagar e familiares prontos a aproveitar-se da minha fragilidade.

O Ricardo voltou à carga:

— Ana, se não venderes a casa agora vais acabar por perdê-la ao banco! E depois? Vais viver onde? Achas que a tia Lurdes vai deixar-te ficar aqui quando for dela?

— Não sei… — respondi baixinho, sentindo-me uma criança perdida.

Ele suspirou e passou as mãos pelo cabelo:

— Eu só quero ajudar-te, mana… Mas tens de confiar em mim.

Mas como confiar em alguém quando toda a gente parece ter segundas intenções?

A tensão foi crescendo nos dias seguintes. A tia Lurdes ligava todos os dias:

— Já pensaste na minha proposta? Olha que é só para te ajudar…

O Ricardo aparecia sem avisar e vasculhava papéis antigos à procura de dívidas escondidas. A minha mãe chorava ao telefone:

— Vocês vão acabar todos zangados por causa de uma casa!

E eu sentia-me cada vez mais sozinha.

Uma noite, depois de adormecer a Leonor com uma história inventada à pressa sobre princesas corajosas e dragões assustadores (talvez uma metáfora para mim própria), sentei-me no chão da sala e chorei em silêncio até não ter mais lágrimas.

No dia seguinte fui ao banco pedir ajuda. O gerente olhou para mim com pena:

— Dona Ana, compreendo a sua situação… Mas sem garantias ou um fiador é impossível aprovar um crédito.

Saí dali humilhada e derrotada. No caminho para casa cruzei-me com o Pedro e a nova namorada dele — uma mulher loira e elegante que parecia saída de uma revista. Ele olhou para mim com um misto de culpa e indiferença.

— Olá Ana… Está tudo bem?

Tive vontade de gritar-lhe tudo o que sentia: raiva, tristeza, medo. Mas limitei-me a acenar com a cabeça e continuei a andar.

Em casa encontrei o Ricardo à minha espera:

— Decidiste alguma coisa?

Sentei-me à mesa e olhei-o nos olhos:

— Não vou assinar nada à tia Lurdes. Nem vender a casa… Ainda não. Vou tentar arranjar outro trabalho ou arrendar um quarto.

Ele abanou a cabeça:

— És teimosa como o pai…

Talvez fosse verdade. Mas era tudo o que me restava: teimosia e amor pela Leonor.

Os meses passaram devagar. Arranjei um segundo emprego a limpar escritórios à noite. Dormia pouco, mas pelo menos conseguia pagar as contas essenciais. A relação com o Ricardo foi melhorando aos poucos — ele percebeu que eu precisava de espaço para decidir sozinha.

A tia Lurdes deixou de ligar quando percebeu que não ia conseguir o que queria. A minha mãe continuou a ligar todos os dias, preocupada mas orgulhosa.

A Leonor crescia feliz, alheia às dificuldades — pelo menos assim esperava eu.

Hoje olho para trás e pergunto-me: teria sido mais fácil se tivesse cedido? Se tivesse confiado em alguém? Ou será que só sobrevivemos quando aprendemos a lutar sozinhos?

E vocês? Já sentiram que toda a gente à vossa volta só quer aproveitar-se da vossa fraqueza? O que fariam no meu lugar?