As Palavras Sussurradas Entre Jorge e Vitória: Uma Traição Silenciosa
— Não devias estar aqui, Vitória. — A voz de Jorge era baixa, quase um sussurro, mas o suficiente para me fazer parar no corredor, com o coração a bater descompassado.
A minha mão tremia enquanto segurava a chávena de café. O cheiro forte do café acabado de fazer misturava-se com o perfume doce de Vitória, que parecia impregnar cada canto da casa desde que ela começou a aparecer com mais frequência. A minha sogra, Dona Teresa, nunca escondeu que preferia Vitória para o seu filho. “É uma rapariga de família, Mariana. Sabe comportar-se, sabe o seu lugar”, dizia-me ela, sempre com aquele sorriso forçado que me fazia sentir uma intrusa na própria casa.
No início, tentei ignorar. Jorge e eu tínhamos uma história bonita: conhecemo-nos na faculdade em Coimbra, apaixonámo-nos entre livros e cafés apressados antes das aulas. Ele era o meu porto seguro, e eu acreditava que nada nem ninguém poderia abalar aquilo que construímos juntos. Mas a insistência de Dona Teresa em trazer Vitória para todos os jantares de domingo começou a minar a minha paz.
— Mariana, querida, ajuda-me a pôr a mesa? — chamava Dona Teresa, enquanto Vitória se sentava ao lado de Jorge, rindo das piadas dele como se fossem confidências só deles.
Eu sorria, por fora. Por dentro, sentia-me cada vez mais deslocada. As conversas à mesa tornaram-se tensas; Jorge parecia sempre distraído quando eu falava e atento quando era Vitória a abrir a boca. Comecei a notar pequenos detalhes: um olhar trocado, um toque fugaz na mão dele quando passava o pão.
Numa noite chuvosa de novembro, acordei sobressaltada com vozes baixas vindas da cozinha. Desci as escadas em silêncio e vi-os juntos, Jorge e Vitória, tão próximos que quase se tocavam. Fiquei ali parada, escondida na sombra do corredor.
— Não podemos continuar assim — dizia Jorge, com a voz embargada.
— Eu só quero que sejas feliz — respondeu Vitória, pousando a mão no braço dele.
Senti o chão fugir-me dos pés. Voltei para o quarto sem fazer barulho e chorei até adormecer. No dia seguinte, tentei agir normalmente. Preparei o pequeno-almoço como sempre, mas Jorge evitava o meu olhar. Vitória não apareceu nesse dia, mas Dona Teresa fez questão de mencionar que ela estava “doente” e que talvez precisasse de companhia.
O tempo foi passando e a tensão só aumentava. Comecei a duvidar de mim própria: estaria a imaginar tudo? Seria apenas ciúme? Falei com a minha irmã, Inês, que me disse para confiar em Jorge. “Ele ama-te, Mariana. Não deixes que inseguranças destruam o vosso casamento.” Mas as palavras dela não me confortaram.
Uma tarde, ao chegar mais cedo do trabalho, encontrei Jorge e Dona Teresa na sala. Discutiam em voz baixa.
— Ela não merece isto — dizia Jorge.
— Tu é que não sabes o que é melhor para ti! A Mariana nunca será como a Vitória — respondeu Dona Teresa, fria como gelo.
Entrei na sala sem bater.
— O que se passa aqui?
Jorge olhou para mim como se tivesse sido apanhado em flagrante. Dona Teresa levantou-se e saiu sem dizer palavra.
— Mariana… — começou ele.
— Diz-me a verdade, Jorge. Há alguma coisa entre ti e a Vitória?
Ele hesitou por um segundo eterno antes de negar.
— Não há nada. És tu quem eu amo.
Quis acreditar nele. Mas naquela noite, enquanto ele tomava banho, ouvi o som do telemóvel dele a vibrar. Uma mensagem apareceu no ecrã: “Preciso de falar contigo. Não aguento mais esta situação.” Era da Vitória.
O meu mundo desabou. Confrontei-o assim que saiu da casa de banho.
— Explica-me isto! — gritei, mostrando-lhe o telemóvel.
Jorge ficou pálido.
— Mariana… não é o que parece…
— Então explica-me! Porque é que ela te manda mensagens destas? Porque é que andam às escondidas?
Ele sentou-se na cama e enterrou a cabeça nas mãos.
— Eu nunca te traí fisicamente… mas… houve sentimentos. Eu estava confuso. A pressão da minha mãe… Eu sinto-me sufocado aqui!
As lágrimas corriam-me pelo rosto. Senti raiva, tristeza e uma dor profunda no peito.
— E eu? Alguma vez pensaste em mim? No que isto me faz sentir?
Jorge tentou tocar-me no braço, mas afastei-o.
— Preciso de tempo — disse-lhe antes de sair de casa naquela noite fria.
Fui para casa da Inês. Ela acolheu-me sem perguntas, apenas me abraçou enquanto eu chorava tudo o que tinha guardado durante meses. Nos dias seguintes, Jorge tentou ligar-me várias vezes. Mandou mensagens, escreveu cartas. Disse-me que queria lutar por nós, que ia pôr limites à mãe e afastar-se de Vitória.
Mas eu já não sabia se queria lutar por alguém que não soube lutar por mim quando mais precisei. Dona Teresa continuou a ligar-me também — ora para me culpar pela situação do filho dela, ora para me pedir desculpa pelo “mal-entendido”.
A família dividiu-se: uns do lado de Jorge e Dona Teresa; outros do meu lado e da Inês. Os jantares de domingo acabaram; as festas de Natal tornaram-se frias e cheias de silêncios constrangedores.
Vitória desapareceu da nossa vida tão subitamente quanto entrou. Dizem que foi trabalhar para Lisboa e nunca mais voltou à aldeia. Jorge tentou reconstruir a nossa relação durante meses: procurou terapia de casal, mudou pequenas coisas no dia-a-dia, pediu desculpa vezes sem conta.
Mas algo dentro de mim tinha mudado para sempre. Perdoei-o um dia — não por ele, mas por mim mesma. Decidi seguir em frente sozinha; arrendei um pequeno apartamento no centro da cidade e recomecei do zero.
Hoje olho para trás com tristeza mas também com orgulho pela mulher em que me tornei. Aprendi a confiar em mim mesma e a não aceitar menos do que mereço.
Às vezes pergunto-me: quantas mulheres vivem presas ao medo de perder alguém e esquecem-se de si próprias? E vocês? Já sentiram esse vazio silencioso dentro das quatro paredes do vosso lar?