As Férias de Sonho Que se Tornaram um Pesadelo Por Causa da Minha Sogra

— Não acredito, António! Disseste-me que este ano íamos sozinhos! — gritei, tentando manter a voz baixa para não acordar a Leonor, que dormia no quarto ao lado.

António olhou-me com aquele ar cansado de quem já não tem forças para discutir. — Eu não sabia, Sofia. A minha mãe ligou ontem à noite, disse que precisava de sair de casa, que estava farta de estar sozinha. Não consegui dizer-lhe que não.

Senti o sangue ferver-me nas veias. As férias em Vila Nova de Milfontes eram o nosso ritual sagrado: eu, ele e a nossa filha Leonor. Depois de um ano inteiro a trabalhar no hospital, só queria ouvir o mar e esquecer o mundo. Mas agora, com a Dona Teresa a instalar-se na casa de praia como se fosse dela, tudo estava arruinado.

Na manhã seguinte, acordei com o cheiro intenso de café queimado e o som de panelas a bater. Entrei na cozinha e lá estava ela, de robe cor-de-rosa e cabelo preso num carrapito desalinhado, a mexer no meu tacho favorito.

— Bom dia, Sofia! Dormiste bem? — perguntou, sem sequer olhar para mim.

— Dormi, obrigada — respondi, tentando sorrir. — Precisas de ajuda?

— Não, não. Já estou habituada a fazer tudo sozinha — disse ela, com aquele tom passivo-agressivo que só as sogras portuguesas sabem usar.

António entrou na cozinha, ainda meio ensonado. — Mãe, fizeste café?

— Fiz, mas está forte. Como tu gostas — respondeu ela, servindo-lhe uma chávena e ignorando-me por completo.

A Leonor apareceu pouco depois, esfregando os olhos. — Mãe, vamos à praia hoje?

Sorri-lhe e fiz-lhe uma festa no cabelo. — Claro que sim, filha. Vamos todos.

Mas Dona Teresa já tinha outros planos. — Hoje não convém irem à praia tão cedo. O sol está muito forte e a Leonor pode apanhar uma insolação. Mais vale ficarmos por casa e depois vamos dar um passeio ao mercado.

Olhei para António à procura de apoio, mas ele encolheu os ombros. — A mãe tem razão…

E assim começou o nosso pesadelo de férias: cada decisão era uma batalha perdida para mim. A casa encheu-se de regras novas: não se pode comer gelados antes do almoço, nada de telemóveis à mesa, Leonor não pode ver televisão depois das oito. Até o meu tempo com António foi roubado; à noite ele ficava horas a conversar com a mãe na varanda enquanto eu tentava adormecer sozinha.

Uma noite, já farta de me sentir invisível na minha própria casa de férias, decidi confrontar António.

— Isto não pode continuar assim! Sinto-me uma estranha aqui dentro! — disse-lhe em voz baixa para não acordar ninguém.

Ele suspirou. — Sofia, é só por uns dias. A minha mãe está triste desde que o meu pai morreu…

— E eu? Não contas comigo? Não vês que estou a sufocar?

Ele ficou em silêncio. O silêncio dele doeu-me mais do que qualquer palavra.

No dia seguinte, tentei sair sozinha com a Leonor para irmos à praia. Dona Teresa apareceu à porta com um chapéu enorme e uma cesta cheia de sandes.

— Vou convosco! Não quero que vos falte nada.

A praia tornou-se um campo de batalha: ela criticava tudo o que eu fazia — desde o protetor solar à forma como eu brincava com a Leonor na água.

À noite, ouvi-a ao telefone com uma amiga:

— A Sofia não sabe cuidar da menina… Se não fosse eu…

Senti as lágrimas a escorrer-me pela cara. Fui para o carro e chorei até não ter mais forças.

No dia seguinte, decidi ir ao mercado sozinha para respirar um pouco. Quando voltei, encontrei António e Dona Teresa sentados à mesa da cozinha em silêncio pesado. Leonor estava fechada no quarto.

— O que se passa? — perguntei.

António olhou para mim com olhos vermelhos.

— A mãe contou-me uma coisa…

Dona Teresa levantou-se devagar e olhou-me nos olhos como nunca antes.

— Sofia… Eu sei que nunca gostaste muito de mim. Mas há coisas que precisas de saber sobre esta família antes de continuares a afastar-nos uns dos outros.

Senti um frio na espinha. — O que quer dizer?

Ela respirou fundo. — O António não é filho biológico do meu marido. Ele é filho do meu primeiro namorado, o Manuel. Sempre escondi isso porque achei que era melhor assim… Mas agora vejo que os segredos só nos afastam.

António ficou em choque. Eu também. De repente percebi que aquela mulher carregava dores muito maiores do que as minhas pequenas irritações destas férias.

— Porque é que nunca disseste nada? — perguntou António, com voz trémula.

— Porque tinha medo de perder-te… E agora vejo que te estou a perder de outra forma — respondeu ela, chorando pela primeira vez desde que a conheço.

Ficámos todos em silêncio durante muito tempo. Naquela noite ninguém dormiu bem.

No dia seguinte, sentei-me com Dona Teresa na varanda enquanto o sol nascia devagarinho sobre o mar calmo.

— Desculpe se fui dura consigo — disse-lhe finalmente. — Só queria umas férias tranquilas…

Ela sorriu tristemente. — Eu também só queria sentir-me parte da vossa família antes de ser tarde demais.

Nesse momento percebi: todos carregamos feridas invisíveis e às vezes magoamos os outros sem querer porque temos medo de ficar sozinhos.

As férias acabaram por ser tudo menos perfeitas. Mas talvez tenham sido necessárias para nos obrigar a falar do que nunca foi dito.

Agora pergunto-me: quantas famílias vivem presas em silêncios e mágoas antigas? Será possível recomeçar depois de tanta dor escondida? O que fariam vocês no meu lugar?