As Consequências Invisíveis das Expectativas Irrealistas no Amor: A História de Cristina e Jaime

— Não percebes mesmo, pois não, Jaime? — gritei, sentindo a voz embargar-se de raiva e frustração. Ele estava ali, parado à porta da cozinha, com aquele olhar cansado que me irritava ainda mais. — Não é só sobre o jantar ou o facto de teres chegado tarde outra vez. É sobre tudo! Sobre nunca estares presente quando preciso!

Jaime suspirou, largando as chaves em cima da mesa. — Cristina, estou a fazer o melhor que posso. O trabalho está impossível, sabes disso. Mas parece que nada do que faço chega para ti.

Aquelas palavras bateram-me como um murro no estômago. Senti-me injustiçada, incompreendida. Mas, ao mesmo tempo, uma vozinha lá dentro perguntava se não estaria a exigir demais. Ignorei-a. Afinal, sempre me disseram que uma mulher não deve aceitar menos do que merece.

Cresci em Aveiro, numa família onde a minha mãe sempre dizia: “Os homens têm de cuidar das mulheres.” O meu pai era um homem ausente, mas a minha mãe nunca se queixava. Talvez por isso, quando conheci Jaime na faculdade do Porto, prometi a mim mesma que não aceitaria menos do que atenção total. Ele era diferente: carinhoso, atencioso, fazia-me sentir especial. No início, parecia fácil.

Mas os anos passaram. O Jaime arranjou emprego numa consultora em Lisboa e eu fiquei a dar aulas numa escola secundária. Mudámo-nos para um T2 pequeno em Benfica. No início, era tudo novo e excitante: os jantares improvisados, as caminhadas pelo Parque Eduardo VII ao domingo. Mas depois vieram as contas, os horários desencontrados, o cansaço.

— Não quero discutir — disse ele naquela noite, já com a voz baixa. — Só queria jantar contigo em paz.

— Paz? — ri-me, amarga. — Paz é o que tens quando chegas tarde e eu já estou a dormir sozinha há horas.

Ele não respondeu. Pegou no prato e foi para a sala. Fiquei ali, sozinha na cozinha, a olhar para o tacho ainda meio cheio de arroz de pato. Senti uma lágrima escorrer-me pela cara. Não era isto que tinha imaginado.

No dia seguinte, acordei com o som do chuveiro. Jaime já se preparava para sair. Sentei-me na cama e olhei para o lado vazio. Lembrei-me de quando ele me escrevia bilhetes de amor antes de sair de casa. Agora só havia silêncio.

No trabalho, tentei distrair-me com os alunos barulhentos e as correcções intermináveis de testes. Mas a cabeça estava sempre nele: porque não me ligou? Porque não me manda mensagens como antes? Porque não percebe que preciso de mais?

À noite, tentei falar com ele.

— Jaime, precisamos de conversar.

Ele pousou o telemóvel e olhou para mim com ar resignado.

— Cristina, não sei o que queres que faça mais. Estou exausto. Trabalho dez horas por dia para pagarmos esta casa. Chego e só ouço reclamações.

— Não percebes que só quero sentir-me amada? — disse-lhe, quase a chorar.

— E eu? Não mereço também compreensão? — respondeu ele, com uma voz tão magoada que me fez hesitar.

Ficámos em silêncio. O silêncio tornou-se rotina entre nós. Os jantares passaram a ser frente à televisão; os fins-de-semana juntos tornaram-se raros. Eu esperava sempre mais dele: mais atenção, mais palavras bonitas, mais gestos inesperados. E cada vez que ele falhava — porque era humano — sentia-me traída.

A minha mãe dizia-me ao telefone:

— Tens de ser firme, Cristina. Não deixes que ele se habitue a dar-te menos do que mereces.

Mas será que eu sabia o que merecia? Ou estava apenas a repetir padrões antigos?

Um sábado à tarde, depois de uma discussão por causa das compras do supermercado (tão ridículo agora), Jaime saiu de casa sem dizer para onde ia. Fiquei horas à janela à espera do som da chave na porta. Quando finalmente voltou, trazia um olhar diferente: cansado, mas decidido.

— Cristina… — começou ele — Eu amo-te. Mas assim não consigo mais. Sinto-me sempre em falta contigo. Nunca sou suficiente.

Senti o chão fugir-me dos pés.

— Vais desistir de nós? — perguntei-lhe, num fio de voz.

Ele abanou a cabeça.

— Não quero desistir… mas preciso de respirar. Preciso de sentir que sou aceite como sou.

Chorei nessa noite como nunca tinha chorado antes. Pela primeira vez vi-me ao espelho e perguntei: será que as minhas expectativas estavam a matar o nosso amor?

Os dias seguintes foram um tormento. Jaime começou a chegar ainda mais tarde; às vezes nem vinha dormir a casa. Eu ligava-lhe vezes sem conta; ele não atendia sempre. A minha ansiedade crescia; sentia-me rejeitada e sozinha.

Uma noite, depois de uma discussão ao telefone (ele estava no carro, disse que precisava de pensar), sentei-me no chão da sala e abri o álbum das nossas primeiras férias juntos no Algarve. Vi as fotos: sorrisos genuínos, olhares cúmplices… Onde é que nos tínhamos perdido?

Comecei a falar com uma colega da escola, a Marta.

— Cristina, às vezes esperamos tanto dos outros porque temos medo de olhar para dentro — disse ela um dia no café.

Essas palavras ficaram-me na cabeça como um eco doloroso.

O tempo foi passando e as discussões deram lugar à indiferença. Um dia Jaime chegou a casa e disse:

— Precisamos de fazer uma pausa.

O mundo desabou à minha volta. Ele fez as malas e foi para casa do irmão em Cascais.

Durante semanas vivi num limbo: entre a esperança de o ver voltar e o medo de ficar sozinha para sempre. Os meus pais diziam-me para ser forte; os amigos sugeriam distrações; mas nada preenchia o vazio.

Comecei finalmente a ir à terapia. A psicóloga perguntou-me:

— Cristina, porque sente que Jaime lhe deve tanto?

Não soube responder logo. Mas aos poucos fui percebendo: queria que ele compensasse todas as ausências do meu pai; queria sentir-me especial todos os dias; queria provas constantes de amor porque tinha medo de não ser suficiente sozinha.

Quando Jaime voltou para buscar as últimas coisas dele, olhou para mim com tristeza nos olhos.

— Desculpa não ter conseguido ser tudo o que esperavas — disse ele.

Eu abracei-o pela última vez e chorei baixinho.

Hoje vivo sozinha naquele T2 em Benfica. Aprendi a cozinhar só para mim; voltei a passear pelo parque aos domingos — agora sozinha ou com amigas. Ainda dói ver casais felizes na rua; ainda me pergunto se podia ter feito diferente.

Às vezes olho para trás e penso: será que exigi demais? Será que amar é aceitar o outro como é — ou esperar sempre mais? E vocês… já sentiram que as vossas expectativas vos afastaram de quem amam?