Apaixonei-me Depois dos Sessenta. E o Meu Filho Chamou-me de “Velha Ingénua”
— Mãe, tu não estás a falar a sério. — A voz do meu filho, o Pedro, ecoava pela cozinha, carregada de incredulidade e um certo desprezo que me magoava mais do que qualquer outra coisa.
Eu estava sentada à mesa, as mãos entrelaçadas sobre o tampo de madeira já gasto pelos anos. O cheiro do café acabado de fazer misturava-se com o perfume das flores que tinha comprado naquela manhã, numa tentativa tola de dar cor à casa. Olhei para ele, tentando encontrar no rosto do meu filho aquele menino que eu criei sozinha, depois de o pai nos ter deixado. Mas ali estava um homem feito, com quarenta anos, olhar duro e impaciente.
— Estou a falar a sério, Pedro. Conheci o António no trabalho. Ele é… — hesitei, sentindo o rubor subir-me às faces. — Ele faz-me sentir viva outra vez.
Ele bufou, levantando-se abruptamente da cadeira. — Viva? Mãe, tens sessenta e dois anos! Não achas que já chega dessas fantasias? — Atirou as palavras como se fossem pedras.
Senti uma dor aguda no peito. Não era só pelo tom dele, mas porque, no fundo, eu própria já me tinha feito aquelas perguntas. Não planeei apaixonar-me. Muito menos nesta idade, depois de uma vida inteira a ser “a Dona Teresa dos Recursos Humanos”, sempre discreta, sempre eficiente, sempre invisível. Nunca fui mulher de grandes emoções. A minha vida era feita de rotinas: acordar cedo, preparar o pequeno-almoço, apanhar o autocarro para o escritório em Benfica, regressar a casa ao fim do dia para ver as novelas e tricotar meias para os netos.
O António apareceu numa manhã chuvosa de novembro. Era consultor externo, chamado para resolver um problema informático que ninguém conseguia descortinar. Tinha um sorriso fácil e olhos castanhos cheios de histórias. Começámos a conversar nos intervalos do café. Primeiro sobre trivialidades: o tempo, o trânsito na Segunda Circular, as notícias do dia. Depois vieram as confidências: ele contou-me sobre o divórcio difícil e a filha que vivia em Braga; eu falei-lhe da solidão que se instalara em mim desde que o Pedro casara e se mudara para Cascais.
Nunca pensei que alguém olhasse para mim daquela forma. Uma tarde, ao sair do escritório, ele esperou por mim à porta e convidou-me para jantar num restaurante pequeno perto do Jardim Zoológico. Hesitei — o que diriam os colegas? O que pensaria o Pedro? Mas aceitei. E foi nessa noite que percebi que ainda havia espaço para surpresas na minha vida.
— Mãe, tu não percebes! — O Pedro interrompeu os meus pensamentos. — Esse homem só pode querer alguma coisa de ti. Dinheiro? Casa? Não vês como és ingénua?
As palavras dele feriram-me profundamente. Eu sabia que não era fácil para ele aceitar que a mãe pudesse ter uma vida própria, desejos próprios. Mas nunca imaginei que me chamasse “velha ingénua”.
— Não sou ingénua, Pedro — respondi com firmeza, tentando controlar as lágrimas. — Só quero ser feliz. Não tens esse direito?
Ele olhou para mim como se eu fosse uma estranha. — Não sei… Só acho estranho. Nunca te vi assim.
Ficámos em silêncio durante longos minutos. O relógio da parede marcava sete horas e meia; lá fora começava a escurecer cedo, como acontece em janeiro. Lembrei-me das vezes em que adormeci sozinha no sofá, com a televisão ligada só para ouvir vozes humanas na casa vazia.
O António trouxe-me de volta à vida. Começámos a sair aos fins-de-semana: passeios pelo Chiado, tardes no cinema São Jorge, almoços demorados à beira-rio em Belém. Ele fazia-me rir como há muito ninguém fazia. Sentia-me bonita outra vez — comprei um vestido novo pela primeira vez em anos e pintei o cabelo de castanho escuro.
Mas nem tudo era fácil. No trabalho começaram os cochichos: “Já viste a Dona Teresa? Anda toda vaidosa…” Ouvi comentários maldosos na copa: “Com essa idade devia era estar a cuidar dos netos…” Até a minha irmã mais nova, a Lurdes, me ligou um dia só para dizer:
— Teresa, olha lá se esse homem não te anda a enganar… Sabes como é esta gente…
Senti-me sozinha no meio da multidão. Só o António parecia ver quem eu realmente era.
Uma noite, depois de um jantar em minha casa (fiz bacalhau à Brás porque sabia que ele adorava), ele segurou-me as mãos e disse:
— Teresa, quero estar contigo a sério. Não quero esconder mais nada nem viver às escondidas.
O coração bateu-me descompassado. Era tudo tão novo e assustador…
— Mas e se o Pedro nunca aceitar? — perguntei-lhe baixinho.
Ele sorriu com ternura e respondeu:
— O tempo resolve tudo. O importante é não desistirmos de nós.
No dia seguinte contei tudo ao Pedro. Foi aí que ele me chamou “velha ingénua” pela primeira vez.
Os dias seguintes foram um inferno emocional: mensagens frias do Pedro, silêncios constrangedores ao telefone com a minha nora Sofia (que sempre foi educada mas distante), olhares reprovadores dos vizinhos quando viam o António sair do meu prédio ao domingo de manhã.
Comecei a duvidar de mim própria: estaria mesmo a ser ingénua? Estaria a pôr em risco a relação com o meu filho por uma paixão tardia?
Certa tarde recebi uma chamada da minha neta Matilde:
— Avó, ouvi dizer que tens um namorado! — disse ela com aquela alegria inocente dos seus dez anos.
Sorri pela primeira vez em dias.
— Tenho sim, querida. E sabes que mais? Ele faz-me muito feliz.
— Então ainda bem! — respondeu ela sem hesitar.
Foi preciso uma criança para me lembrar do essencial: todos temos direito à felicidade.
O tempo foi passando e as coisas começaram lentamente a acalmar-se. O Pedro continuava desconfiado mas já não era agressivo; a Sofia convidou-me para almoçar num domingo e perguntou discretamente pelo António; até as colegas do escritório começaram a habituar-se à ideia de verem a Dona Teresa sorrir mais vezes.
Hoje olho para trás e penso em tudo o que enfrentei: os preconceitos dos outros, os meus próprios medos, as palavras duras do meu filho… E pergunto-me: quantas mulheres como eu terão desistido de viver por medo do julgamento alheio? Quantas terão abafado os seus sonhos só porque alguém lhes disse que já era tarde demais?
Talvez nunca tenha todas as respostas. Mas sei isto: nunca é tarde para recomeçar. Nunca é tarde para amar.
E vocês? Acham mesmo que existe idade certa para ser feliz? Ou será que somos nós próprios quem põe limites à nossa felicidade?