Amor em Chamas: Como Sobrevivi ao Julgamento por Casar com um Homem Muito Mais Velho
— Não podes estar a falar a sério, Mariana! — gritou a minha mãe, com as mãos trémulas a apertar o avental. O cheiro do café queimado enchia a cozinha, mas ninguém parecia notar. O meu pai, sentado à mesa, olhava para o chão, incapaz de me encarar. Eu sentia o coração a bater tão forte que pensei que todos pudessem ouvir.
— Estou, mãe. Amo o António. — A minha voz saiu mais baixa do que queria, mas não hesitei. — Vou casar com ele.
O silêncio caiu como uma pedra. O António tinha 56 anos, eu tinha 27. Era quase da idade do meu pai. Cresci numa aldeia perto de Santarém, onde toda a gente conhece toda a gente e os boatos correm mais depressa do que o vento. Sabia que ia ser difícil, mas nunca imaginei que fosse assim.
A minha irmã, Inês, foi a primeira a romper o silêncio:
— Mariana, ele podia ser teu pai! O que é que as pessoas vão dizer?
— Não me interessa o que dizem — respondi, mas era mentira. Interessava-me sim. Doía-me pensar nos olhares, nos sorrisos falsos das vizinhas, nas conversas sussurradas à porta da igreja.
O António entrou na minha vida quando eu menos esperava. Trabalhava como enfermeira no hospital de Santarém e ele era um dos médicos mais antigos do serviço. Sempre discreto, sempre gentil. Começámos por conversar nos turnos da noite, partilhando cafés e histórias de pacientes difíceis. Um dia, levou-me a ver o nascer do sol junto ao Tejo. Foi aí que percebi: estava apaixonada.
Mas ninguém quis saber disso. Para todos, eu era uma interesseira e ele um velho tolo. A minha mãe chorava todas as noites. O meu pai deixou de falar comigo durante semanas. A Inês evitava-me na rua.
No trabalho, as coisas não eram melhores. A Carla, uma colega de enfermagem, não perdeu tempo:
— Então, Mariana? Já escolheste o vestido branco ou vais de preto para combinar com o luto do António?
Ri-me por fora, mas por dentro sentia-me a desmoronar.
O António tentava proteger-me:
— Não ligues ao que dizem. Só nós sabemos o que sentimos.
Mas era difícil não ligar. Uma noite, depois de mais uma discussão em casa dos meus pais, fugi para casa dele. Chovia torrencialmente e lembro-me de chegar encharcada, com os olhos inchados de tanto chorar.
— Não aguento mais — disse-lhe, desabando nos braços dele.
Ele acariciou-me o cabelo e murmurou:
— Mariana, se quiseres ir embora, eu compreendo.
— Não quero ir embora — respondi entre soluços. — Quero ficar contigo. Só contigo.
Casámo-nos numa manhã fria de novembro. A minha mãe não apareceu. O meu pai ficou à porta da igreja, de braços cruzados, sem nunca entrar. Só a Inês me deu um abraço rápido antes de desaparecer entre os convidados.
A festa foi pequena, mas cheia de amor verdadeiro: alguns amigos do hospital, duas tias afastadas e o António a olhar para mim como se eu fosse a única pessoa no mundo.
Os meses seguintes foram duros. Os boatos não paravam. Diziam que eu estava à espera da herança dele, que era impossível amar alguém tão mais velho. Até no supermercado sentia os olhares pesados das vizinhas.
Um dia, encontrei a minha mãe no mercado. Ela virou-me as costas. Fui atrás dela:
— Mãe, por favor…
Ela parou e olhou-me nos olhos pela primeira vez em meses:
— Mariana, tu eras a minha menina… Eu só queria proteger-te.
— Eu sei… Mas eu amo-o mesmo.
Ela chorou e abraçou-me ali mesmo, entre as bancas das laranjas e das batatas.
Com o tempo, as coisas foram melhorando. A Inês engravidou e convidou-nos para o batizado da minha sobrinha. O António foi recebido com alguma frieza, mas já não havia insultos nem portas fechadas.
No hospital, aprendi a ignorar os comentários maldosos. Descobri forças em mim que nunca pensei ter. O António apoiava-me sempre:
— O amor não tem idade, Mariana. Só quem nunca amou é que não entende.
Houve dias em que duvidei de tudo: do nosso casamento, do futuro, até de mim própria. Mas cada vez que acordava ao lado dele e via aquele sorriso cansado mas sincero, sabia que tinha feito a escolha certa.
Agora escrevo esta história sentada na varanda da nossa casa nova em Tomar. O António lê o jornal ao meu lado e sorri quando me vê escrever.
Às vezes pergunto-me: quantas pessoas vivem presas ao medo do julgamento dos outros? Quantas desistem do amor verdadeiro só porque alguém lhes disse que não era “normal”?
E vocês? Já tiveram de lutar contra tudo e todos por aquilo em que acreditam?