Acolhi a minha prima em casa e ela traiu a minha confiança

— Não me olhes assim, Ana. Eu não tive escolha! — A voz da Mariana ecoava pelo corredor, trémula, quase suplicante. Mas naquele momento, tudo dentro de mim era raiva e incredulidade. Como é que alguém que eu acolhi em minha casa, alguém que eu tratei como irmã, podia ter-me feito isto?

A verdade é que nunca fui uma pessoa desconfiada. Cresci em Vila Nova de Gaia, numa família onde se dizia que “sangue é sangue” e que os laços familiares eram sagrados. Talvez por isso, quando a Mariana me ligou há sete meses, a chorar, a pedir ajuda porque tinha sido despejada do quarto onde vivia no Porto, não hesitei um segundo. O meu marido, Rui, olhou-me de lado quando lhe contei que ela vinha viver connosco. — Tens a certeza? — perguntou-me. — A Mariana sempre foi… complicada. Mas eu não quis ouvir. Achei que ele estava a exagerar.

No início, tudo parecia correr bem. A Mariana era divertida, ajudava nas tarefas da casa e até se ofereceu para ir buscar o meu filho Tomás à escola quando eu estava atrasada no trabalho. Comecei a sentir que talvez aquela fosse a oportunidade dela recomeçar, de se erguer depois de tantas quedas. Mas as pequenas coisas começaram a acontecer: dinheiro que desaparecia da carteira do Rui, um anel da minha mãe que não encontrava, uns auscultadores do Tomás que nunca mais apareceram.

— Achas mesmo que foi ela? — perguntei ao Rui numa noite em que ele estava especialmente calado.
— Ana, não quero acusar ninguém sem provas. Mas desde que ela está cá…

Quis acreditar que era tudo coincidência. Que talvez eu estivesse a esquecer-me das coisas, ou o Tomás tivesse levado os auscultadores para casa de um amigo. Mas no fundo, uma sombra começou a crescer dentro de mim. Comecei a reparar nos olhares fugidios da Mariana, nas respostas evasivas quando lhe perguntava se tinha visto o anel.

Uma tarde, cheguei mais cedo do trabalho. Ouvi vozes na sala e fui espreitar. Vi a Mariana ao telefone, nervosa:
— Sim, já tenho o dinheiro. Amanhã entrego-te tudo. Não me ligues mais para aqui!

O coração bateu-me tão forte que pensei que ia desmaiar. Esperei que ela saísse para ir ao supermercado e fui ao quarto dela. Senti-me horrível por invadir o espaço dela, mas precisava de saber. No fundo da gaveta das meias encontrei o meu anel, os auscultadores do Tomás e duas notas de cinquenta euros.

Quando ela voltou, sentei-me à mesa da cozinha com tudo à minha frente.
— Mariana, explica-me isto.
Ela ficou branca como a cal.
— Ana… eu… desculpa! Eu precisava mesmo do dinheiro! Não queria roubar-te! Só pensei em pedir emprestado e depois devolver…

As lágrimas começaram a correr-lhe pela cara, mas eu já não conseguia sentir pena. Senti-me traída de uma forma que nunca tinha sentido antes.

— Mariana, tu eras família! Eu confiei em ti! Como é que foste capaz?
Ela soluçava:
— Eu estava desesperada! O Pedro ameaçou-me… eu devia-lhe dinheiro do quarto antigo… Se não pagasse ele ia contar tudo à minha mãe…

O Rui entrou na cozinha nesse momento e ficou a olhar para nós as duas. O silêncio era pesado como chumbo.

— Ana, temos de decidir o que fazer — disse ele finalmente.

Passei a noite em claro. Lembrei-me das tardes de infância com a Mariana no quintal dos meus avós, das confidências adolescentes, dos sonhos partilhados. Como é que tudo tinha chegado ali?

No dia seguinte, sentei-me com ela na sala.
— Mariana, vais ter de sair cá de casa. Eu ajudo-te a encontrar outro sítio para ficar, mas aqui não podes ficar mais.
Ela chorou ainda mais alto:
— Por favor, Ana! Não me faças isto! Eu não tenho ninguém!

Mas eu sabia que não podia voltar atrás. O Rui apoiou-me em silêncio; o Tomás percebeu apenas que algo grave tinha acontecido.

Durante semanas senti-me culpada. A minha mãe ligou-me a perguntar porque é que a Mariana tinha ido viver com uma amiga em Matosinhos; inventei uma desculpa qualquer sobre incompatibilidades. Mas dentro de mim só havia tristeza e vergonha — vergonha por ter sido enganada e por ter deixado o Rui e o Tomás expostos àquela situação.

A Mariana nunca mais me ligou. Soube pela minha tia que arranjou trabalho num café e está a tentar recomeçar. Às vezes pergunto-me se devia ter feito mais por ela — se devia ter tentado perceber melhor o desespero dela antes de a expulsar da minha vida.

Mas depois lembro-me do olhar do Tomás quando percebeu que alguém em quem confiava lhe tinha tirado algo importante. E penso: até onde devemos ir por família? Quando é que ajudar se transforma em permitir? Será que alguma vez voltarei a confiar da mesma forma?

E vocês? Já passaram por algo assim? Até onde iriam para proteger quem amam — mesmo quando isso significa magoar-se a si próprios?