A Teia de Mentiras da Minha Filha

— Leonor, onde estiveste ontem à noite? — perguntei, tentando manter a voz firme, mas sentindo o coração a bater descompassado no peito.

Ela nem sequer me olhou nos olhos. Mexia no telemóvel, sentada à mesa da cozinha, como se a minha pergunta fosse apenas mais um ruído de fundo. — Fui estudar com a Mariana, já te disse — respondeu, seca.

Sabia que era mentira. Mariana tinha ligado-me à tarde a perguntar se Leonor estava comigo. O nó na garganta apertou-se ainda mais. Desde que Leonor fizera quinze anos, parecia que cada palavra entre nós era uma batalha. Antes, partilhávamos segredos e risos; agora, partilhávamos silêncios e portas fechadas.

O meu marido, António, tentava não se meter. Dizia que era uma fase, que todas as raparigas passavam por isto. Mas eu sentia que havia algo mais. As notas de Leonor tinham piorado drasticamente, os professores ligavam-me a dizer que ela faltava às aulas e, em casa, os olhos dela estavam sempre vermelhos — de choro ou de noites mal dormidas?

Uma noite, ouvi-a falar ao telemóvel no corredor. A voz dela estava tensa:

— Não podes contar a ninguém! Se a minha mãe descobre, estou feita!

O sangue gelou-me nas veias. Esperei até ela entrar no quarto e fui atrás dela. Bati à porta com força.

— O que se passa contigo, Leonor? — perguntei, já sem conseguir esconder o desespero.

Ela virou-se para mim com os olhos cheios de raiva e medo. — Não é nada! Porque é que não me deixas em paz?

— Porque sou tua mãe! — gritei. — E porque te amo! Não vês que estou preocupada?

Ela atirou o telemóvel para cima da cama e tapou os ouvidos. — Odeio-te! Odeio esta casa!

Saí do quarto a tremer. António apareceu no corredor e olhou para mim com aquele ar cansado de quem já não sabe o que fazer.

— Deixa-a acalmar-se — disse ele. — Amanhã falamos com calma.

Mas amanhã nunca era o dia certo. Cada tentativa de conversa acabava em gritos ou em silêncio absoluto. Comecei a sentir-me uma estranha na minha própria casa. Os jantares eram passados em silêncio, apenas o som dos talheres a bater nos pratos.

Certa tarde, recebi uma chamada da escola. Leonor tinha sido apanhada a fumar nos balneários com outros colegas. Quando chegou a casa, tentei falar com ela.

— Isto não pode continuar assim, Leonor! — disse-lhe, quase a suplicar. — Estás a destruir a tua vida!

Ela riu-se na minha cara. — A minha vida é minha! Tu nunca percebeste nada!

Nesse dia, António perdeu a paciência.

— Basta! — gritou ele. — Aqui em casa há regras! Se não as cumpres, vais sofrer as consequências!

Leonor saiu porta fora e só voltou de madrugada. Passei horas sentada no sofá, sem conseguir dormir, imaginando tudo o que podia ter acontecido à minha filha.

Os dias passaram e as mentiras tornaram-se rotina. Um dia, ao arrumar o quarto dela, encontrei um envelope escondido entre os livros. Dentro estavam fotografias dela com um rapaz mais velho, Hugo, conhecido por andar metido em problemas. O coração caiu-me aos pés.

Quando lhe mostrei as fotos, Leonor explodiu:

— Não tens direito de mexer nas minhas coisas! Odeio-te!

— Estou a tentar proteger-te! Esse rapaz não é boa companhia!

Ela atirou-me as fotos à cara e saiu porta fora outra vez.

Nessa noite, António e eu discutimos como nunca antes.

— Sempre foste demasiado dura com ela! — acusou-me ele.

— E tu sempre fechaste os olhos! — respondi-lhe, chorando.

A nossa relação começou também ela a desmoronar-se. Dormíamos em quartos separados e mal falávamos um com o outro.

Uma tarde chuvosa, Leonor não voltou da escola. Liguei-lhe dezenas de vezes; nada. Liguei à Mariana; também não sabia dela. Fui à esquadra apresentar queixa de desaparecimento.

Foram as horas mais longas da minha vida. Só queria ouvir a voz dela outra vez, dizer-lhe que tudo podia ser diferente.

Às três da manhã tocaram à campainha. Era Leonor, encharcada e com os olhos inchados de tanto chorar.

— Mãe… — murmurou ela antes de desabar nos meus braços.

Chorámos juntas no chão do corredor durante minutos intermináveis. Quando finalmente conseguimos falar, ela contou-me tudo: Hugo tinha-a pressionado para fugir de casa com ele; ela sentia-se perdida, sem saber em quem confiar; tinha medo de me magoar mais ainda.

— Sinto-me tão sozinha… — confessou ela entre soluços.

Nesse momento percebi que as mentiras eram apenas o reflexo do medo e da dor dela — e da minha também. Abracei-a com força e prometi-lhe que íamos procurar ajuda juntas.

Começámos terapia familiar. Não foi fácil; houve recaídas, discussões e portas batidas. Mas aos poucos fomos reconstruindo a confiança perdida.

Hoje olho para trás e vejo como as mentiras da Leonor foram um grito por ajuda que eu demorei demasiado tempo a ouvir. Pergunto-me muitas vezes: quantas mães vivem presas numa teia de segredos sem saber como sair? Será que alguma vez conseguimos realmente conhecer os nossos filhos?