A Sombra do Passado Dele: Enfrentando a Ex do Meu Marido e as Minhas Próprias Inseguranças

— Não percebes, Rui! Não é só sobre ela, é sobre mim! — gritei, a voz embargada, enquanto as lágrimas ameaçavam cair. Ele estava sentado no sofá, com as mãos entrelaçadas, o olhar perdido na carpete da sala. A televisão estava ligada, mas ninguém prestava atenção. O silêncio entre nós era tão pesado que quase sufocava.

Desde que descobri que a Sofia, a ex-namorada do Rui, tinha voltado para Lisboa, algo dentro de mim mudou. Não era só o medo de perder o Rui; era como se cada gesto dele, cada palavra, fosse uma comparação silenciosa entre mim e ela. Sofia era tudo aquilo que eu nunca consegui ser: elegante sem esforço, bem-sucedida na carreira de advogada, sempre rodeada de amigos. Eu era Mariana, professora primária, com olheiras de noites mal dormidas e mãos calejadas de tanto corrigir trabalhos.

A primeira vez que ouvi o nome dela foi num jantar de família. A mãe do Rui falava dela como se fosse uma filha perdida. “A Sofia sempre adorou bacalhau à Brás”, disse, servindo-me uma porção generosa. Senti o olhar do Rui sobre mim, mas fingi não perceber. Sorri, mastiguei em silêncio e engoli o orgulho junto com a comida.

Os dias seguintes foram um tormento. O Rui tentava agir normalmente, mas eu via-o mais distante. Uma noite, enquanto ele tomava banho, não resisti e peguei no telemóvel dele. O coração batia tão forte que temi que ele ouvisse do outro lado da porta. Vi uma mensagem recente: “Parabéns pelo novo escritório! Mereces tudo de bom. — Sofia”.

Não havia nada de comprometedor, mas aquilo bastou para me consumir por dentro. Passei a comparar-me com ela em tudo: no trabalho, no corpo, até na forma como falava. Comecei a evitar os jantares de família, a recusar convites para sair com os amigos dele. Sentia-me pequena, invisível.

Uma tarde chuvosa, depois de mais uma discussão sem sentido, fui ter com a minha mãe. Ela olhou para mim com aquele olhar sábio de quem já viu muita coisa.

— Filha, tu não és menos do que ninguém. O Rui escolheu-te a ti. Mas se não acreditares nisso, ninguém vai conseguir convencer-te.

Chorei no colo dela como uma criança. Senti vergonha por estar tão perdida aos trinta e dois anos. Mas as palavras dela ficaram comigo.

Na semana seguinte, o Rui chegou a casa mais cedo e sugeriu irmos jantar fora. Aceitei, apesar da ansiedade que me corroía por dentro. No restaurante, ele segurou-me as mãos por cima da mesa.

— Mariana, eu amo-te. Não sei o que se passa contigo ultimamente, mas sinto-te distante. Se é por causa da Sofia…

— É sempre por causa dela! — interrompi-o, a voz tremendo. — Não consigo competir com alguém assim! Ela é perfeita…

Ele suspirou e baixou os olhos.

— A Sofia fez parte do meu passado. Mas é isso mesmo: passado. Eu escolhi-te a ti porque és tu quem eu amo agora. Mas não posso lutar contra os teus fantasmas.

As palavras dele magoaram-me mais do que eu queria admitir. Passei a noite em claro, a pensar em tudo o que tinha perdido por causa das minhas inseguranças: noites de conversa, risos partilhados, até a intimidade entre nós estava diferente.

No dia seguinte, decidi enfrentar os meus medos. Liguei à Sofia e pedi-lhe para nos encontrarmos. Ela aceitou sem hesitar.

Encontrámo-nos num café perto do escritório dela. Quando entrou, senti-me ainda mais insignificante: cabelo impecável, sorriso confiante.

— Mariana? Que surpresa! — disse ela, sentando-se à minha frente.

— Obrigada por teres vindo — respondi, tentando controlar o tremor nas mãos.

Houve um silêncio desconfortável antes de eu conseguir falar.

— Eu sei que isto pode parecer estranho… mas precisava de te conhecer. Sinto-me sempre comparada contigo e…

Ela sorriu com uma tristeza inesperada.

— Mariana, eu e o Rui acabámos porque não éramos felizes juntos. Ele merece alguém como tu — disse ela suavemente. — E acredita: ninguém é tão perfeito como parece no Instagram.

Saí daquele café com um peso a menos nos ombros. Pela primeira vez em meses, senti que podia respirar.

Quando cheguei a casa, o Rui estava à minha espera na sala.

— Onde estiveste? — perguntou ele.

— Fui falar com a Sofia — respondi honestamente.

Ele ficou em silêncio durante uns segundos antes de se aproximar e me abraçar.

— Não quero perder-te por causa de fantasmas antigos — sussurrou ele ao meu ouvido.

Abracei-o com força e chorei tudo o que tinha guardado dentro de mim.

Os meses seguintes não foram fáceis. Tive de aprender a confiar nele outra vez — e em mim própria. Comecei a sair mais com as minhas amigas, voltei a rir sem medo de ser julgada. O Rui percebeu que também tinha de fazer um esforço para me mostrar que estava ali para mim.

A relação com a família dele melhorou devagarinho. Um dia, durante um almoço de domingo, a mãe do Rui olhou para mim e disse:

— Sabes, Mariana… gosto muito de ti. És boa para o meu filho.

Sorri-lhe com sinceridade pela primeira vez em muito tempo.

Hoje olho-me ao espelho e vejo outra mulher: não perfeita nem imune ao medo, mas mais forte por ter enfrentado os meus próprios demónios.

Pergunto-me: quantas vezes deixamos que os fantasmas do passado dos outros destruam o nosso presente? E será que alguma vez conseguimos libertar-nos deles completamente?