A Solidão de Dona Isabella: Filhos Não São a Cura para a Solidão

— Dona Isabella, a senhora não sente falta dos seus filhos? — perguntou-me aquela jovem voluntária, com olhos cheios de compaixão e uma ingenuidade que só a juventude permite.

Sorri, mas por dentro senti um nó apertar-me o peito. Olhei para as mãos enrugadas, pousadas sobre o colo, e respirei fundo antes de responder. “Sinto falta, sim. Mas não da forma que imaginas.”

A sala do centro comunitário estava quase vazia naquela tarde de outono. O cheiro de café misturava-se ao perfume das flores murchas no vaso ao canto. O relógio marcava quatro horas, e o silêncio era cortado apenas pelo som distante de crianças brincando no parque ao lado. Era um daqueles dias em que a solidão pesa mais do que o habitual.

Lembro-me de quando era jovem, cheia de sonhos e certezas. Cresci em Coimbra, filha única de pais severos e trabalhadores. Sempre ouvi dizer que ter filhos era a maior bênção da vida, que eles seriam a minha companhia na velhice, o meu orgulho, a minha razão de existir. Casei-me cedo com o António, um homem bom, mas ausente — sempre mais preocupado com o trabalho na fábrica do que com os pequenos detalhes da vida familiar.

Tivemos dois filhos: o Miguel e a Catarina. Dei-lhes tudo o que pude — amor, educação, comida quente na mesa e histórias antes de dormir. Lembro-me das noites em claro quando estavam doentes, das festas de aniversário improvisadas no quintal, das discussões sobre namoros e más notas na escola. Vivi para eles, como tantas mães portuguesas da minha geração.

Mas a vida tem um jeito cruel de nos ensinar lições que não queremos aprender.

Miguel foi o primeiro a partir. Não morreu — partiu para Londres, atrás de uma carreira melhor. No início ligava todas as semanas, contava as novidades, perguntava pelo pai e pela irmã. Depois as chamadas tornaram-se mensais, depois raras. Hoje, se falo com ele duas vezes por ano, é muito. Diz sempre que está ocupado, que a vida lá é uma correria. Mandou-me um postal no Natal passado com uma fotografia dele em frente ao Big Ben. Senti orgulho, mas também uma dor aguda: aquele homem sorridente já não era o meu menino.

Catarina ficou por cá, mas parece que nunca está presente. Casou-se com um homem ciumento e controlador. Afastei-me para não causar problemas — ela própria pediu-me para não aparecer sem avisar. “Mãe, preciso do meu espaço”, disse-me uma vez ao telefone, a voz tensa. Desde então, vejo-a apenas em datas especiais: Natal, Páscoa, aniversários. Quando vem cá a casa, está sempre apressada, mexendo no telemóvel, respondendo mensagens do marido.

António morreu há cinco anos. O cancro levou-o rápido demais. Fiquei sozinha naquela casa grande demais para mim. No início tentei preencher o vazio com voluntariado, aulas de pintura, caminhadas pelo parque. Mas há silêncios que nem as atividades mais nobres conseguem calar.

Às vezes pergunto-me onde errei. Dei tudo de mim aos meus filhos — será que os sufoquei? Será que devia ter pensado mais em mim? Ou será simplesmente assim a vida?

Lembro-me de uma discussão feia com Miguel antes dele partir para Inglaterra:

— Mãe, eu preciso viver a minha vida! Não posso ficar aqui só porque tu queres companhia!
— Não é companhia que eu quero, Miguel! Quero saber que ainda faço parte da tua vida!
— Fazes parte! Mas eu não posso ser responsável pela tua felicidade!

Naquele dia chorei como nunca tinha chorado antes. Senti-me egoísta por querer os meus filhos por perto, mas também injustiçada por ter sido deixada para trás.

No centro comunitário conheci outras mulheres como eu — algumas sem filhos, outras com famílias numerosas espalhadas pelo mundo. Todas partilhamos a mesma solidão disfarçada de independência. Rimos das nossas dores e choramos as nossas alegrias passadas.

A jovem voluntária olhava para mim com olhos marejados.
— Eu sempre pensei que ter filhos era garantia de companhia na velhice…
Sorri tristemente.
— Filha, filhos não são garantia de nada. São pessoas com vidas próprias, sonhos próprios. A gente cria-os para o mundo — mas ninguém nos ensina a lidar com o vazio quando eles partem.

Ela segurou-me a mão.
— E como faz para lidar com essa solidão?

Pensei por um momento antes de responder:
— Aprendi a fazer as pazes com ela. A solidão faz parte da vida — às vezes dói menos quando aceitamos isso. Procuro alegria nas pequenas coisas: um café quente pela manhã, uma conversa com uma vizinha, um livro bem escrito… E tento não guardar mágoa dos meus filhos. Eles não me devem nada além do amor que sentirem vontade de dar.

Naquela noite voltei para casa sentindo-me mais leve e mais pesada ao mesmo tempo. Leve porque partilhei minha dor; pesada porque sei que muitas mulheres vivem o mesmo drama em silêncio.

O telefone tocou tarde — era Catarina.
— Mãe… desculpa não ter ligado antes…
— Está tudo bem, filha.
— Senti saudades hoje…
— Eu também.

Conversámos pouco tempo, mas foi suficiente para aquecer meu coração cansado.

Agora escrevo estas palavras sentada à janela do meu quarto, vendo as luzes da cidade ao longe. Pergunto-me: quantas mães portuguesas vivem esta solidão escondida atrás de sorrisos? Quantos filhos acreditam que basta existirem para preencher o vazio dos pais?

Será que algum dia vamos aprender a falar sobre isso sem culpa ou vergonha?

E você? Já pensou no peso das expectativas familiares? O amor dos filhos é suficiente para curar todas as solidões?