A Semana Que Mudou Tudo: Entre o Amor de Mãe e o Peso dos Segredos
— Não faças isso, mãe. Por favor, não me deixes aqui outra vez. — A voz do Tiago, abafada pelo choro, ecoava no corredor frio da casa da minha mãe. O relógio marcava 22h15, e eu sentia o peso de cada segundo a esmagar-me o peito.
A mala já estava no carro, o Pedro esperava impaciente ao volante, e eu tentava convencer-me de que era só uma semana. Uma semana para descansar, para tentar salvar o nosso casamento, para respirar. Mas olhar para o Tiago, com os olhos vermelhos e as mãos pequeninas agarradas à minha camisola, fazia-me duvidar de tudo.
— Tiago, amor, a avó vai cuidar tão bem de ti… — tentei sorrir, mas a minha voz tremeu. A minha mãe apareceu atrás de mim, com aquele ar severo que sempre me fez sentir pequena.
— Deixa-te de fitas, Mariana. O miúdo precisa de aprender a ser forte. — Ela pegou no braço do Tiago com firmeza. — Vai lá para dentro, rapaz.
O Pedro buzinou lá fora. Senti-me dividida entre dois mundos: o da mulher que precisava de fugir e o da mãe que queria ficar.
Durante a viagem até ao Gerês, tentei convencer-me de que estava tudo bem. O Pedro falava sobre trilhos e restaurantes, mas eu só ouvia o eco do choro do Tiago. Lembrei-me de como era crescer naquela casa: as regras rígidas, os castigos silenciosos, a ausência de abraços. Prometi a mim mesma que seria diferente com o meu filho.
No segundo dia da viagem, recebi uma mensagem da minha mãe: “O Tiago está doente. Febre alta. Não sejas histérica, já lhe dei um Ben-u-ron.” Liguei-lhe de imediato.
— Mãe, queres que volte? — perguntei, a voz trémula.
— Nem penses nisso. Isto resolve-se. — E desligou.
O Pedro tentou acalmar-me: — A tua mãe sabe o que faz. Sempre cuidou de ti e da tua irmã.
Mas era precisamente isso que me assustava.
Na quarta-feira à noite, liguei para falar com o Tiago. A minha mãe atendeu:
— Está a dormir. Não o vou acordar por causa das tuas neuras.
— Só quero ouvir-lhe a voz…
— Mariana, já chega! — E desligou.
O Pedro começou a perder a paciência comigo. — Estás sempre assim! Nunca confias em ninguém! — gritou ele no quarto do hotel.
— Não percebes! Não sabes como ela é quando ninguém está a ver! — respondi-lhe, sentindo as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto.
Na manhã seguinte, recebi uma mensagem da minha irmã, Sofia: “O Tiago está estranho. Não fala muito. Vem para casa.” O meu coração gelou.
Inventei uma desculpa ao Pedro e apanhei o primeiro autocarro para Lisboa. Cheguei à casa da minha mãe ao fim da tarde. O Tiago estava sentado no sofá, abraçado ao peluche preferido, olhos fixos na televisão desligada.
— Mãe… — sussurrei, ajoelhando-me à frente dele.
Ele olhou para mim sem sorrir. A minha mãe apareceu na porta da cozinha.
— Vieste estragar tudo outra vez? — disse ela, fria.
— O que se passou aqui? — perguntei à Sofia mais tarde, quando consegui arrastá-la para a rua.
Ela hesitou antes de responder:
— A mãe perdeu a paciência… gritou muito… acho que até lhe bateu…
Senti um nó na garganta. Lembrei-me das noites em que me escondia no armário do quarto para fugir aos gritos e aos castigos dela. Jurei que nunca deixaria o meu filho passar pelo mesmo.
Nessa noite, fiz as malas do Tiago em silêncio. A minha mãe tentou impedir-me:
— Vais fazer dele um fraco! O mundo não é fácil!
— Prefiro um filho feliz do que um filho forte à tua maneira! — gritei-lhe, pela primeira vez na vida.
Saí daquela casa com o Tiago ao colo, sentindo-me ao mesmo tempo derrotada e livre. O Pedro não compreendeu quando lhe contei tudo. Disse que eu exagerava, que todas as famílias tinham problemas.
Mas eu sabia que não podia voltar atrás. Passei noites em claro ao lado do Tiago, ouvindo-o chorar baixinho no escuro. Aos poucos, ele voltou a sorrir. Voltámos a brincar juntos no parque, a fazer bolos na cozinha, a inventar histórias antes de dormir.
A relação com o Pedro nunca mais foi a mesma. Ele afastou-se cada vez mais, incapaz de aceitar as minhas escolhas ou de ver os fantasmas que eu via. Acabámos por nos separar meses depois.
Hoje olho para trás e pergunto-me: teria feito diferente? Teria sido mais fácil fechar os olhos aos sinais? Talvez. Mas sei que salvei o meu filho de uma infância igual à minha.
Às vezes pergunto-me se algum dia vou conseguir perdoar a minha mãe ou se ela alguma vez compreenderá o mal que fez. Mas acima de tudo pergunto-me: quantas mães em Portugal vivem presas entre o medo do passado e o desejo de proteger os filhos? E vocês? Até onde iriam para proteger quem mais amam?