A Minha Neta Está a Desaparecer: Devo Salvá-la de uma Tragédia Familiar?

— Não me olhes assim, mãe! — gritou a minha filha, Ana, enquanto batia com força a porta da cozinha. O som ecoou pela casa, misturando-se com o silêncio pesado que se seguiu. Eu estava sentada à mesa, as mãos trémulas em cima do pano de linho gasto, e olhei para Emma, a minha neta. Ela estava ali, mas parecia tão longe. Os olhos fundos, os ombros caídos, o cabelo apanhado à pressa. Tinha apenas quinze anos, mas já carregava o peso de uma vida inteira.

“Será que estou a falhar como avó?”, pensei. “Será que devia ter feito mais?”

Emma não tocou no pequeno-almoço. A irmã mais nova, Matilde, olhava-a de lado, como se procurasse uma razão para começar outra discussão. Ana voltou à cozinha, olhos vermelhos, voz trémula:

— Emma, despacha-te ou chegas atrasada outra vez! — disse, tentando soar firme.

Emma levantou-se sem dizer palavra. O prato ficou intacto. Vi-lhe as costelas por baixo da camisola larga. O meu coração apertou-se.

Depois que as meninas saíram para a escola, Ana sentou-se à minha frente. Passou as mãos pelo rosto e suspirou:

— Mãe, eu não sei o que fazer com a Emma. Ela não fala comigo. Só se fecha no quarto ou anda perdida pela rua. E a Matilde está sempre a provocá-la…

— Talvez precise de alguém com quem falar — sugeri, escolhendo as palavras com cuidado.

Ana olhou-me com raiva e cansaço:

— Achas que não tentei? Ela não me ouve! E tu… tu também não ajudas muito.

Senti-me atingida. Sempre tentei ser o pilar da família desde que o pai das meninas nos deixou há três anos. Mas talvez tivesse falhado.

Naquela noite, ouvi Emma chorar baixinho no quarto. Fui até à porta e bati suavemente:

— Emma? Posso entrar?

Silêncio. Depois ouvi um fungar e um “sim” quase inaudível.

Sentei-me na beira da cama dela. O quarto estava escuro, apenas iluminado pela luz do telemóvel.

— Queres falar comigo, querida?

Ela encolheu os ombros.

— Não vale a pena, avó. Ninguém percebe.

— Eu quero perceber — insisti, tentando conter as lágrimas.

Emma olhou-me finalmente nos olhos. Vi ali uma dor profunda, um pedido de socorro mudo.

— A mãe só grita comigo… A Matilde odeia-me… Eu não sei o que fiz de mal.

Abracei-a com força. Senti-lhe os ossos frágeis sob os meus braços.

— Não fizeste nada de mal, meu amor. Às vezes as pessoas magoam-se porque estão magoadas por dentro.

Ela chorou no meu ombro durante minutos intermináveis. Quando finalmente adormeceu, fiquei ali sentada, a pensar no que fazer.

No dia seguinte, tentei falar com Ana sobre procurar ajuda profissional para Emma. Ela reagiu mal:

— Achas que sou má mãe? Achas que não consigo cuidar das minhas filhas?

— Não é isso! — respondi, tentando acalmar a situação — Só acho que todos precisamos de ajuda às vezes…

Ana levantou-se abruptamente:

— Não quero psicólogos cá em casa! Isso é para gente fraca!

Fiquei sozinha na sala, sentindo-me impotente.

As semanas passaram e Emma foi ficando cada vez mais distante. Começou a faltar à escola. Um dia chegou a casa com um olho negro. Disse que tinha caído nas escadas, mas eu sabia que era mentira.

Nessa noite ouvi Ana e Matilde discutirem no corredor:

— A culpa é tua! — gritava Matilde — A mãe só chora por tua causa!

Emma trancou-se no quarto e não saiu nem para jantar.

No dia seguinte decidi agir. Esperei que Ana saísse para o trabalho e fui ao quarto de Emma.

— Hoje não vais à escola — disse-lhe suavemente — Vamos sair só as duas.

Ela olhou-me desconfiada, mas acenou com a cabeça.

Levei-a ao parque onde costumávamos ir quando era pequena. Sentámo-nos num banco ao sol fraco de inverno.

— Emma… eu amo-te muito. E estou preocupada contigo. Precisas de ajuda, querida. Não tens de passar por isto sozinha.

Ela começou a chorar outra vez.

— Tenho medo de tudo… Tenho medo de desiludir toda a gente…

Abracei-a e prometi-lhe que ia estar sempre ali para ela.

Nesse mesmo dia marquei uma consulta com uma psicóloga sem dizer nada à Ana. Quando ela descobriu ficou furiosa:

— Como te atreves? Isto é uma traição!

— Prefiro trair-te do que perder a Emma — respondi com firmeza pela primeira vez em anos.

Durante semanas Ana recusou falar comigo. Mas continuei a levar Emma à psicóloga às escondidas. Aos poucos ela começou a sorrir outra vez. Voltou a comer um pouco melhor. Até começou a sair com uma amiga da escola.

Uma tarde encontrei Ana sentada na sala, olhos inchados de tanto chorar.

— Mãe… Desculpa — disse ela baixinho — Eu só tenho medo de falhar como tu nunca falhaste comigo…

Abracei-a também.

— Todos falhamos às vezes, filha. O importante é nunca desistirmos umas das outras.

Hoje Emma está melhor. Ainda há dias maus, mas já não desaparece diante dos meus olhos como antes. Ana aceitou finalmente procurar ajuda para si própria e para Matilde também.

Às vezes pergunto-me: teria tido coragem de agir se não fosse o medo de perder a minha neta? Quantas avós ficam caladas por medo de destruir uma família? Será que fiz bem? E vocês… o que fariam no meu lugar?