A Casa dos Meus Sonhos e o Plano da Minha Irmã

— Não podes fazer isto, Mariana! — gritei, sentindo a garganta apertada, enquanto a minha irmã me fitava com aquele olhar frio que eu nunca lhe conhecera.

Ela pousou a chávena de café na mesa da cozinha, como se nada fosse. — Não estou a fazer nada, Inês. Só estou a tentar ajudar-te. Tu sabes que não tens condições para manter esta casa.

O eco das palavras dela ressoou-me nos ouvidos como um trovão. Ajuda? Depois de tudo o que passámos juntas, depois de todas as confidências partilhadas na infância, era assim que ela me retribuía? O meu marido, Rui, estava sentado ao meu lado, as mãos crispadas sobre os joelhos. Eu sabia que ele queria intervir, mas também sabia que não queria piorar ainda mais a situação.

Tudo começou há seis meses, quando finalmente assinámos o contrato da nossa casa em Oeiras. Era um T3 luminoso, com uma varanda virada para o mar e espaço suficiente para os filhos que sonhávamos ter. Trabalhámos anos para juntar aquele dinheiro. Rui fez horas extra no hospital e eu aceitei todos os turnos possíveis na farmácia. Quando entrámos pela primeira vez na casa vazia, lembro-me de ter chorado de felicidade.

A Mariana sempre foi a minha irmã mais velha, a mais responsável, a que todos diziam ser o orgulho da família. Casou cedo com o Pedro, um advogado ambicioso que nunca me inspirou confiança. Sempre achei que ele olhava para mim e para o Rui como se fôssemos inferiores por não termos uma carreira tão “brilhante” quanto a dele.

No início, Mariana parecia genuinamente feliz por nós. Trouxe-nos um bolo no dia da mudança e ajudou-me a escolher as cortinas da sala. Mas rapidamente começaram os comentários: “Tens a certeza que conseguem pagar isto?” ou “O Pedro diz que o mercado imobiliário está perigoso…”. Eu tentava ignorar, mas sentia uma sombra crescer entre nós.

As coisas pioraram quando o Rui perdeu parte do salário devido aos cortes no hospital. Tivemos de apertar o cinto, mas nunca deixámos de pagar nada. Foi nessa altura que Mariana começou a aparecer mais vezes em casa, sempre com Pedro ao lado. Um dia, apanhei-os a sussurrar na varanda. Quando me aproximei, calaram-se imediatamente.

— Inês — disse Pedro, com aquele tom paternalista — já pensaste em vender a casa? Com o mercado como está, podias fazer um bom negócio e aliviar-te do stress.

— Não comprei esta casa para vender — respondi, tentando manter a calma.

Ele sorriu de lado. — Só estou a tentar ajudar.

Na semana seguinte, recebi uma carta do banco: alguém tinha tentado aceder à nossa conta conjunta. Fiquei em pânico. Liguei ao Rui e fomos juntos ao banco esclarecer tudo. Descobrimos que alguém tinha tentado obter informações usando dados pessoais meus — dados que só alguém muito próximo poderia saber.

Confrontei Mariana naquela noite. Ela negou tudo, ofendida até à alma. Mas algo no olhar dela denunciava-a. O Pedro ficou calado, mas percebi-lhe um sorriso disfarçado.

Os dias seguintes foram um inferno. A minha mãe ligava-me constantemente, dizendo que Mariana andava muito nervosa e que eu devia “ser mais compreensiva”. O meu pai evitava falar do assunto, mas percebia-se que estava desconfortável sempre que eu aparecia lá em casa.

Uma tarde, cheguei a casa e encontrei Mariana sentada no sofá da sala com uma pasta cheia de papéis.

— O que fazes aqui? — perguntei, já sem paciência.

— Vim só ver se precisavas de ajuda com as contas — respondeu ela, folheando os papéis como se fossem dela.

Arranquei-lhe a pasta das mãos. — Isto é da minha vida! Sai daqui!

Ela levantou-se devagar e olhou-me nos olhos. — Vais arrepender-te de me tratares assim.

Nessa noite não consegui dormir. O Rui tentava acalmar-me, mas eu sentia-me traída até ao osso. Como podia a minha própria irmã fazer-me isto?

As semanas passaram e as pressões aumentaram. O Pedro começou a espalhar rumores na família: dizia que estávamos endividados até ao pescoço e que provavelmente íamos perder a casa para o banco. A minha mãe chorava ao telefone, pedindo-me para “não criar conflitos” e para “pensar na família”.

Um dia, recebi uma carta registada: era uma notificação judicial. Pedro tinha avançado com um processo alegando que eu devia dinheiro à Mariana — uma dívida inventada! — e pedia penhora sobre a casa como garantia.

Senti o chão fugir-me dos pés. Liguei à Mariana aos gritos:

— Como foste capaz? Isto é mentira! Nunca te devo nada!

Ela respondeu fria:

— É só um processo legal, Inês. Se não tens nada a esconder, não tens nada a temer.

O Rui ficou devastado. Começámos a discutir todos os dias; ele queria vender tudo e recomeçar noutro lado, eu recusava-me a ceder à chantagem deles.

A minha mãe apareceu em nossa casa numa manhã chuvosa:

— Filha, por favor… Fala com a tua irmã. Ela está magoada contigo…

— Magoada?! Ela quer tirar-nos tudo! — gritei, já sem forças para conter as lágrimas.

A minha mãe chorou comigo naquela manhã. Disse-me que nunca imaginou ver as filhas assim. Eu também não.

O processo arrastou-se durante meses. Tivemos de contratar um advogado e gastar dinheiro que não tínhamos para provar que tudo era mentira. No tribunal, Mariana evitava olhar para mim; Pedro sorria como se já tivesse ganho.

No final, conseguimos provar que nunca existiu dívida nenhuma. O juiz arquivou o caso e ainda os obrigou a pagar as custas do processo.

Mas nada voltou a ser igual. A família ficou dividida: uns do lado da Mariana, outros do meu. A minha mãe adoeceu de tristeza; o meu pai deixou de falar com Pedro.

Hoje olho para esta casa — ainda nossa — e sinto um misto de orgulho e dor. Ganhei uma batalha mas perdi uma irmã. Pergunto-me muitas vezes: valeu a pena lutar tanto por estas paredes? Ou teria sido melhor abrir mão de tudo para salvar a família?

E vocês? Até onde iriam para proteger aquilo que é vosso? Será que há perdão possível depois de uma traição destas?