A Amizade Que Me Custou Tudo: Entre a Lealdade e a Traição

— Não me digas que foste tu, Inês. Não me digas que foste tu! — gritei, com a voz embargada, enquanto as lágrimas me queimavam o rosto. O silêncio dela era ensurdecedor. O meu coração batia tão forte que parecia querer saltar do peito. Nunca pensei que um dia teria de encarar a minha melhor amiga desta forma, como se fosse uma estranha.

Conheci a Inês na Faculdade de Letras do Porto. Era o primeiro dia de aulas e eu estava perdida, tanto nos corredores como na vida. Ela apareceu do nada, com aquele sorriso aberto e uma gargalhada contagiante. “Anda, vamos juntas. Não te preocupes, eu também não percebo nada disto!” Desde esse momento, tornámo-nos inseparáveis. Partilhámos tudo: apontamentos, sonhos, desilusões amorosas e até o último euro para um café na baixa.

Os anos passaram e a nossa amizade só se fortaleceu. Quando o meu pai morreu, foi ela quem me segurou nos braços enquanto eu chorava até adormecer. Quando ela perdeu o emprego, abri-lhe as portas da minha casa sem hesitar. “Aqui tens sempre um lugar”, disse-lhe. E era verdade. A Inês tornou-se parte da minha família. Os meus filhos tratavam-na por tia, o meu marido, o Rui, dizia que ela era como uma irmã.

Mas a vida não é feita só de momentos felizes. Depois de vinte anos de casamento, o Rui começou a afastar-se. Chegava tarde, evitava conversas e, quando falava, era só para criticar ou reclamar. Eu tentava manter tudo unido — a casa, os filhos, o trabalho — mas sentia-me cada vez mais sozinha. Foi nessa altura que precisei mais da Inês. Ela ouvia-me durante horas, dizia sempre as palavras certas: “Tu és forte, Marta. Vais conseguir superar isto.”

O que eu não sabia era que, enquanto me abraçava e enxugava as minhas lágrimas, ela estava a roubar-me tudo o que eu tinha construído.

Tudo começou com pequenas coisas: um brinco desaparecido, uns euros a menos na carteira. Achei que era distração minha — sempre fui cabeça no ar. Depois vieram as contas bancárias: movimentos estranhos, levantamentos que eu não reconhecia. Falei com o Rui, mas ele mal me ouvia. “Deves estar enganada”, dizia ele sem levantar os olhos do telemóvel.

A desconfiança cresceu quando a minha mãe me ligou aflita: “Marta, levantaram dinheiro da minha conta! Só tu e a Inês têm acesso ao cartão.” O chão fugiu-me dos pés. Não podia ser verdade. A Inês? A minha irmã de coração? Passei noites sem dormir, revendo cada momento dos últimos anos à procura de sinais que nunca quis ver.

Um dia, decidi confrontá-la. Esperei que os miúdos saíssem para a escola e liguei-lhe:
— Inês, preciso de falar contigo. Agora.
Ela apareceu meia hora depois, com aquele ar despreocupado de sempre.
— O que se passa? Pareces nervosa.
— Foste tu? Foste tu que tiraste dinheiro da conta da minha mãe? E da minha também?
Ela ficou pálida. Baixou os olhos e murmurou:
— Marta… eu posso explicar…
— Explicar o quê? Que me roubaste? Que traíste a confiança da única pessoa que sempre esteve ao teu lado?
Ela começou a chorar:
— Eu estava desesperada! Perdi tudo quando fui despedida… Não sabia como te pedir ajuda outra vez…
— Então roubaste-me? A mim? À minha mãe?
O silêncio dela foi a resposta mais cruel.

A partir desse dia, tudo mudou. O Rui ficou do meu lado — pela primeira vez em anos — mas os meus filhos não entendiam porque é que a “tia Inês” já não vinha cá a casa. A minha mãe chorava de vergonha e raiva. Eu sentia-me vazia, traída por quem menos esperava.

Os meses seguintes foram um inferno. Tive de lidar com bancos, advogados e com o olhar desconfiado dos vizinhos. A Inês desapareceu do mapa; soube por conhecidos que foi viver para Lisboa, tentar recomeçar do zero. Nunca mais falou comigo.

O mais difícil foi explicar aos meus filhos porque é que as pessoas em quem confiamos podem magoar-nos tanto:
— Mãe, a tia Inês era má?
— Não era má… Só fez escolhas erradas.
Mas no fundo eu sabia: às vezes, quem mais amamos é quem mais nos pode destruir.

Hoje olho para trás e pergunto-me onde errei. Fui ingénua? Fui demasiado boa? Ou simplesmente confiei demais em quem não devia? Ainda sinto falta da Inês — ou talvez da pessoa que pensei que ela fosse.

A vida ensinou-me que nem toda a lealdade é correspondida e que até os laços mais fortes podem ser desfeitos num instante. Mas também aprendi a levantar-me sozinha e a proteger quem realmente importa.

E vocês? Já confiaram cegamente em alguém e foram traídos? Como se volta a acreditar depois disso?