A Amiga Debaixo do Meu Teto: Quando a Traição Vem de Quem Menos Esperamos
— Não faças isso, Marta. Por favor, não faças isso comigo. — A minha voz saiu trémula, quase um sussurro, enquanto as lágrimas me queimavam os olhos. O silêncio dela foi mais cruel do que qualquer palavra.
Nunca pensei que um dia me encontraria nesta situação. Se alguém me dissesse, há um ano atrás, que a minha melhor amiga, aquela a quem confiei os meus segredos mais profundos, seria capaz de me trair desta forma, eu teria rido. Mas agora, sentada no chão frio da cozinha, com o cheiro do café queimado a pairar no ar e o eco das palavras dela ainda a martelar-me a cabeça, percebo como fui ingénua.
Conheci a Marta no liceu em Braga. Ela era aquela rapariga extrovertida, sempre com uma piada pronta, capaz de animar qualquer sala. Eu era mais reservada, mas ela puxou-me para o seu mundo e, em pouco tempo, éramos inseparáveis. Partilhámos tardes de estudo, confidências sobre rapazes e sonhos para o futuro. Quando casei com o Luís, ela foi a minha madrinha de casamento. Nunca duvidei da sua lealdade.
A vida adulta afastou-nos um pouco — ela foi para Lisboa estudar Direito, eu fiquei em Braga e comecei a trabalhar numa loja de roupa. Mas nunca perdemos o contacto. Telefonemas longos ao domingo à noite, mensagens trocadas durante o dia. Quando ela me ligou, há seis meses, a chorar porque o namorado a tinha deixado e não tinha para onde ir, não hesitei:
— Vem para cá, Marta. Ficas connosco o tempo que precisares.
O Luís não se opôs. Sempre gostou dela — ou assim pensei. No início foi estranho ter outra pessoa em casa, mas rapidamente voltámos à velha cumplicidade. Ríamos juntas na cozinha enquanto preparávamos o jantar, partilhávamos copos de vinho no sofá depois de o Luís ir dormir. Ela ajudava-me com as tarefas domésticas e até começou a procurar trabalho em Braga.
Mas aos poucos comecei a notar pequenas coisas. O Luís parecia mais distante comigo e mais animado quando falava com ela. Apanhava-os a trocar olhares cúmplices durante o jantar ou a rirem-se de piadas que eu não entendia. Uma noite, ouvi-os na sala a conversar baixinho e quando entrei fizeram-se de desentendidos.
Tentei convencer-me de que era paranoia minha. Afinal, confiava neles — eram as duas pessoas mais importantes da minha vida. Mas a dúvida instalou-se como uma erva daninha.
Certa tarde, cheguei mais cedo do trabalho porque me sentia maldisposta. Entrei em casa sem fazer barulho e ouvi risos vindos do quarto de hóspedes. O meu coração disparou. Abri a porta devagarinho e vi-os sentados na cama, demasiado próximos, as mãos quase a tocarem-se. Quando me viram, ficaram pálidos.
— O que se passa aqui? — perguntei, tentando manter a voz firme.
O Luís levantou-se num salto:
— Não é nada do que estás a pensar.
A Marta baixou os olhos:
— Desculpa…
Saí dali antes que começassem as justificações esfarrapadas. Passei a noite em claro, com o peito apertado pela angústia. No dia seguinte confrontei-os. O Luís jurou que não tinha acontecido nada, que era só amizade. A Marta chorou e pediu desculpa por ter criado confusão.
Quis acreditar neles. Quis mesmo. Mas os dias seguintes foram um tormento: silêncios constrangedores à mesa, olhares fugidios, mensagens trocadas às escondidas no telemóvel dele. Senti-me uma estranha na minha própria casa.
Uma semana depois, tudo desabou. Cheguei a casa e encontrei-os aos beijos na sala. O mundo parou naquele instante. Senti as pernas fraquejarem e caí de joelhos.
— Como puderam fazer-me isto? — gritei entre soluços.
O Luís tentou aproximar-se:
— Deixa-me explicar…
Afastei-o com um gesto brusco:
— Não há explicação possível!
A Marta chorava em silêncio, mas não tentou justificar-se. Saí de casa sem rumo, vagueei pelas ruas de Braga até ao nascer do sol. Quando voltei, eles já não estavam lá.
Os dias seguintes foram um borrão de dor e raiva. A minha mãe veio ficar comigo durante uns tempos — nunca gostei muito da sua maneira direta de ver as coisas, mas naquele momento precisei dela como nunca.
— Sempre achei essa Marta muito metida — disse ela enquanto me fazia chá de limão na cozinha.
— Mãe, por favor…
— Só quero que percebas que às vezes confiamos nas pessoas erradas.
Os amigos comuns dividiram-se: alguns ficaram do meu lado, outros continuaram amigos da Marta e do Luís — sim, eles assumiram o namoro pouco tempo depois.
No trabalho tornei-me uma sombra de mim mesma. As colegas cochichavam quando eu passava; toda a gente parecia saber da minha história. Evitava sair à rua para não os encontrar juntos.
Um dia recebi uma mensagem da Marta:
“Desculpa por tudo. Sei que nunca vais perdoar-me, mas espero que um dia consigas ser feliz.”
Apaguei-a sem responder.
Os meses passaram devagarinho. Fui reconstruindo os pedaços da minha vida: mudei de casa, cortei o cabelo curto como sempre quis mas nunca tive coragem enquanto estava com o Luís. Voltei a sair com amigas antigas e inscrevi-me num curso de cerâmica.
Ainda dói pensar neles — especialmente na Marta. A traição do Luís foi dolorosa, mas nada se compara à facada nas costas vinda de quem eu considerava uma irmã.
Às vezes pergunto-me: será possível voltar a confiar em alguém depois disto? Ou será que certas feridas nunca saram completamente? Gostava de saber se alguém já passou por algo assim…