A Ajuda da Minha Sogra Está a Destruir a Minha Paz
— Não faças assim, Mariana! O feijão tem de cozer mais tempo! — ouvi a voz da minha sogra, Dona Lurdes, ecoar pela cozinha, enquanto eu tentava preparar o jantar para a minha família. O cheiro do refogado misturava-se com o aroma intenso do seu perfume barato, e eu sentia o suor escorrer-me pelas costas. Era a terceira vez naquela semana que ela vinha “ajudar” cá em casa.
Olhei para o relógio. Eram quase sete da tarde. O meu marido, Rui, ainda não tinha chegado do trabalho e os miúdos estavam na sala a ver desenhos animados. Eu só queria um momento de paz, mas Dona Lurdes parecia determinada a transformar cada tarefa simples numa lição de vida.
— Mariana, tu não sabes que as crianças não devem comer tanto açúcar? — disse ela, tirando sorrateiramente o pacote de bolachas das mãos do meu filho mais novo. — No meu tempo, as mães eram mais cuidadosas!
Engoli em seco. Já não era a primeira vez que ela criticava a minha forma de educar os meus filhos. Senti o sangue ferver-me nas veias, mas limitei-me a sorrir e a agradecer. Afinal, Rui sempre dizia: “Ela só quer ajudar, amor. Não leves a mal.”
Mas como não levar a mal? Desde que ficámos sem empregada, Dona Lurdes decidiu que era sua missão pessoal salvar-nos do caos doméstico. Aparecia sem avisar, mudava os móveis de sítio, reorganizava os armários e até lavava a roupa — misturando as minhas blusas delicadas com as toalhas da casa de banho.
Uma tarde, cheguei a casa e encontrei-a a vasculhar as gavetas do meu quarto.
— O que está a fazer aqui? — perguntei, tentando manter a voz calma.
— Estava só a ver se tinhas roupa para passar! — respondeu ela, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Senti-me invadida. Aquela casa era o meu refúgio, o único sítio onde podia ser eu própria. Agora, nem ali tinha privacidade.
O Rui tentava sempre apaziguar as coisas.
— Mariana, ela só quer ajudar. Sabes como é… A minha mãe sempre foi assim.
— Mas Rui, ela não percebe que está a ultrapassar todos os limites! Eu preciso de espaço! — desabafei uma noite, depois de mais uma discussão sobre as refeições das crianças.
Ele suspirou, cansado.
— Não quero escolher entre ti e ela…
Essas palavras ficaram-me gravadas na memória. Não queria obrigá-lo a escolher, mas sentia-me cada vez mais sozinha naquela batalha silenciosa.
Os dias foram passando e Dona Lurdes intensificou os seus esforços. Começou a trazer comida feita de casa — pratos pesados e cheios de gordura que eu evitava dar aos miúdos. Quando lhe expliquei que preferia cozinhar refeições mais leves, ela ofendeu-se.
— No meu tempo ninguém era esquisito! Por isso é que agora há tantas doenças…
As discussões tornaram-se frequentes. Uma noite, depois de um jantar particularmente tenso, Rui levantou-se da mesa e saiu para fumar um cigarro na varanda. Fiquei sozinha com Dona Lurdes e as crianças.
Ela olhou-me nos olhos e disse:
— Mariana, tu não sabes cuidar da tua família como deve ser. Eu só quero o melhor para o meu filho e para os meus netos.
Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos. Respirei fundo e respondi:
— Dona Lurdes, agradeço tudo o que faz por nós, mas esta é a minha casa e eu preciso de fazer as coisas à minha maneira.
Ela levantou-se abruptamente e saiu da sala sem dizer mais nada.
Nessa noite, Rui voltou para dentro e encontrou-me sentada no sofá, em silêncio.
— O que se passa? — perguntou ele.
— Não aguento mais… — sussurrei. — Ou ela percebe que tem de respeitar o nosso espaço ou eu vou enlouquecer.
Ele abraçou-me, mas senti que estava dividido. Entre mim e a mãe dele havia uma guerra fria que ameaçava destruir tudo o que construímos juntos.
No dia seguinte, Dona Lurdes não apareceu. Nem no outro dia. Nem na semana seguinte. O silêncio era estranho, quase doloroso. As crianças perguntavam pela avó e Rui andava cabisbaixo.
Uma noite, ele chegou a casa com um ar preocupado.
— A minha mãe está doente… — disse ele baixinho. — Acho que ficou magoada com o que aconteceu.
O peso da culpa caiu-me em cima como uma avalanche. Será que fui dura demais? Será que devia ter aguentado mais um pouco?
Fui visitá-la ao hospital com Rui. Ela estava pálida, mas sorriu quando me viu.
— Mariana… — murmurou ela. — Desculpa se me meti demais na tua vida. Só queria sentir-me útil…
Sentei-me ao lado dela e peguei-lhe na mão.
— Eu sei… Só queria um pouco de espaço para aprender a ser mãe à minha maneira.
Ela assentiu com lágrimas nos olhos.
Depois daquele dia, as coisas mudaram devagarinho. Dona Lurdes passou a avisar antes de vir cá a casa e eu aprendi a pedir ajuda quando realmente precisava. Rui percebeu finalmente que precisava de apoiar-me mais ativamente.
Mas ainda hoje me pergunto: porque é tão difícil encontrar equilíbrio nas relações familiares? Será que alguma vez vamos conseguir respeitar os limites uns dos outros sem magoar quem amamos?