O Sacrifício de uma Avó: Gerando o Filho da Minha Filha e as Consequências Inesperadas
— Mãe, não aguento mais… — a voz da Mariana tremia do outro lado da mesa, os olhos vermelhos de tanto chorar. — Já são cinco anos, cinco anos de tentativas, tratamentos, esperanças e desilusões. Eu… eu não consigo ser mãe.
O silêncio caiu pesado entre nós. O relógio da cozinha marcava quase meia-noite, mas nenhuma das duas conseguia dormir. Eu olhava para a minha filha, tão frágil, tão diferente daquela menina que corria pelo quintal da nossa casa em Setúbal, com os joelhos esfolados e o sorriso fácil. Agora, era uma mulher adulta, casada com o Rui há oito anos, mas com o coração despedaçado por um sonho que parecia cada vez mais distante.
— Mariana, filha… — tentei segurar-lhe a mão, mas ela afastou-se, como se o meu toque fosse sal numa ferida aberta. — Eu sei que dói. Mas há outras formas de ser mãe…
— Não percebes! — gritou ela, levantando-se de repente. — Não percebes porque já tens filhos! Já me tiveste a mim! Eu só queria sentir o que tu sentiste… carregar um filho dentro de mim, sentir o primeiro pontapé…
As palavras dela cortaram-me como facas. Senti-me impotente, inútil. O Rui entrou na cozinha nesse momento, com o rosto cansado e as olheiras fundas. Aproximou-se da Mariana e abraçou-a. Eu fiquei ali, sozinha na minha culpa e no meu amor.
Nessa noite não dormi. Fiquei a olhar para o teto do meu quarto, ouvindo os sons da casa adormecida. Lembrei-me do parto da Mariana, há trinta e dois anos. Lembrei-me do medo, da dor, mas também da alegria imensa quando a ouvi chorar pela primeira vez. E pensei: faria tudo por ela. Tudo.
Foi assim que nasceu a ideia. No início, pareceu-me uma loucura. Mas quanto mais pensava, mais sentido fazia. Falei com o meu marido, António, que ficou em choque.
— Bárbara… tens 56 anos! Achas mesmo que consegues? E se alguma coisa correr mal?
— António, eu sou saudável. Os médicos disseram que é possível. E se for a única hipótese da nossa filha ser mãe?
Ele ficou calado durante muito tempo. Depois abraçou-me e chorou baixinho.
Quando contei à Mariana e ao Rui, eles ficaram em silêncio. Vi nos olhos dela uma mistura de esperança e medo.
— Mãe… tens a certeza? — perguntou ela, quase sussurrando.
— Tenho. Por ti faço tudo.
Os meses seguintes foram um turbilhão de exames médicos, consultas com advogados (porque em Portugal a gestação de substituição ainda é um tema polémico e cheio de burocracias), conversas com psicólogos e noites sem dormir. A minha irmã Paula chamou-me de louca.
— Vais arriscar a tua saúde por uma obsessão da Mariana? E se morreres? E se o bebé nascer com problemas?
— Paula, tu não és mãe. Não percebes.
O António apoiou-me sempre, mesmo quando os vizinhos começaram a cochichar à porta do prédio.
— Olha a Bárbara… já viste? Vai ter um filho aos 56! Deve ser maluquice…
A gravidez foi difícil desde o início. Enjoos violentos, dores nas costas, cansaço extremo. Mas cada vez que sentia o bebé mexer-se dentro de mim, pensava: é o meu neto. Estou a dar-lhe vida duas vezes.
A Mariana acompanhava-me a todas as consultas. No início estava radiante, mas à medida que a barriga crescia, notei que ela se afastava. Evitava tocar-me na barriga. Às vezes olhava para mim com uma tristeza profunda.
— Mariana, está tudo bem? — perguntei-lhe um dia.
Ela encolheu os ombros.
— Sinto-me inútil… és tu que estás a viver tudo isto. Eu só assisto de fora.
Tentei explicar-lhe que fazia tudo por ela, mas percebi que havia uma dor ali que eu não conseguia curar.
O parto foi complicado. Tive uma hemorragia e quase morri na sala de operações. Lembro-me de ouvir vozes distantes e pensar: não posso morrer agora. Tenho de conhecer o meu neto.
Quando acordei, vi a Mariana ao meu lado, com o bebé nos braços. Chorava em silêncio.
— Mãe… obrigada — disse ela entre soluços.
O Rui estava ao lado dela, com um sorriso nervoso.
Os primeiros dias foram estranhos. O bebé ficou comigo no hospital porque a Mariana ainda não tinha leite nem coragem para pegá-lo ao colo sozinha. Eu sentia um amor imenso por aquele ser pequenino… mas também uma dor aguda cada vez que pensava que teria de entregá-lo à minha filha.
Quando finalmente fomos para casa deles (porque eu insisti em ajudar nos primeiros tempos), as coisas começaram a azedar. A Mariana estava exausta, irritadiça, chorava por tudo e por nada. O Rui trabalhava até tarde para fugir ao ambiente pesado em casa.
Uma noite ouvi-os discutir no quarto ao lado:
— Não consigo! Não sinto ligação nenhuma ao bebé! Parece que é dela e não meu!
— Mariana, ele é nosso filho…
— Não! É filho dela! Ela é que o carregou nove meses! Eu sou só uma espectadora!
Fiquei em silêncio no corredor escuro, com o coração apertado. Senti-me culpada por ter roubado à minha filha aquilo que ela mais queria: ser mãe de verdade.
Os meses passaram e as coisas pioraram. A Mariana recusava-se a amamentar o bebé; dizia que não conseguia olhar para ele sem sentir inveja de mim. O Rui começou a afastar-se cada vez mais; ouvi rumores de que andava com outra mulher do trabalho.
A minha irmã Paula veio visitar-me um dia e encontrou-me a chorar na cozinha deles.
— Bárbara… tu deste tudo pela tua filha. Mas às vezes o amor também pode magoar.
Comecei a sentir-me mal fisicamente: dores no peito, falta de ar, insónias constantes. O António insistiu para eu voltar para casa; disse que já tinha feito mais do que suficiente.
Antes de ir embora, tentei falar com a Mariana:
— Filha… desculpa se te magoei. Só queria ajudar-te.
Ela olhou para mim com olhos vazios.
— Não sei se algum dia vou conseguir perdoar-te por isto…
Saí dali com o coração despedaçado.
Hoje, passados dois anos, vejo o meu neto apenas em fotografias enviadas pelo Rui (que acabou por se separar da Mariana). A minha filha faz terapia; diz que está a tentar reconstruir-se aos poucos. Eu continuo a amar os dois — filha e neto — mas há uma distância entre nós que talvez nunca se cure.
Às vezes pergunto-me: será que fiz bem? Será que o amor pode ser demasiado? Ou será que há sacrifícios que nunca devíamos fazer?