A Casa Que Deveria Ser Nosso Lar: Traição Entre Irmãos

— Não podes fazer isto, Ana! — gritei, sentindo a voz embargar-se de raiva e desespero. O eco das minhas palavras perdeu-se na sala ainda meio vazia, onde as caixas de mudança se amontoavam como testemunhas mudas do nosso sonho recém-construído. Ana olhou-me com aquele olhar frio que eu nunca lhe conhecera antes, os braços cruzados, o corpo rígido. O Rui, ao meu lado, apertava-me a mão com força, mas eu sentia que o chão me fugia dos pés.

Nunca pensei que a minha irmã pudesse ser capaz de tal coisa. Crescemos juntas em Vila Nova de Gaia, partilhando segredos e sonhos, rindo das mesmas piadas à mesa da nossa mãe. Sempre fomos diferentes — eu mais reservada, ela mais destemida — mas nunca imaginei que a inveja pudesse corroer-lhe o coração desta forma.

Tudo começou quando eu e o Rui conseguimos finalmente comprar a nossa casa. Foram anos de trabalho duro: ele nas obras, eu como enfermeira no hospital de Santo António. Guardámos cada cêntimo, abdicámos de férias, de jantares fora, de tudo o que não fosse essencial. Quando assinámos a escritura, chorei de alegria. Era o nosso lar, o sítio onde queríamos criar os nossos filhos.

A Ana parecia feliz por nós. Veio ajudar nas mudanças com o marido, o Paulo. Trouxeram vinho do Douro e brindámos à nova vida. Mas nos dias seguintes começaram os comentários: “Esta casa é grande demais para vocês”, “Não acham que se meteram em despesas que não podem pagar?”, “O Rui devia ter arranjado um trabalho melhor”. Eu tentava ignorar, achando que era só preocupação de irmã.

Mas depois começaram as visitas inesperadas. O Paulo aparecia para “ver se estava tudo bem”, mas passava horas a medir as divisões, a perguntar quanto pagámos por isto ou aquilo. Uma noite ouvi-os a discutir no quintal — Ana queria saber porque é que nunca tínhamos convidado os nossos pais para dormirem ali. Senti um nó no estômago.

As coisas pioraram quando o nosso pai adoeceu. A Ana começou a insinuar que devíamos vender a casa para ajudar nas despesas médicas. “Vocês têm mais possibilidades”, dizia ela. O Rui ficou furioso: “A tua irmã acha que somos banco?” Eu tentei mediar, mas cada conversa acabava em gritos ou lágrimas.

Um dia, ao chegar do hospital, encontrei uma carta registada na caixa do correio. Era do advogado do Paulo: contestavam a compra da casa, alegando que parte do dinheiro usado era uma herança da nossa avó — uma herança que, segundo eles, devia ser dividida entre mim e a Ana. Fiquei gelada. Nunca ninguém falara disso antes; sempre soube que a avó deixara algum dinheiro à minha mãe, mas nunca pensei que isso pudesse ser usado contra mim.

— Isto é uma loucura! — disse ao Rui, mostrando-lhe a carta. Ele passou as mãos pelo cabelo, exausto. — Eles querem arrastar-nos para tribunal…

Os meses seguintes foram um pesadelo. A minha mãe chorava ao telefone: “Filhas minhas, não se matem por causa de dinheiro!” O meu pai piorava de dia para dia. No hospital, mal conseguia concentrar-me nos turnos; em casa, o Rui e eu discutíamos por tudo e por nada.

A Ana deixou de me falar. No Natal, recusou-se a vir cá a casa. A família dividiu-se em dois campos: uns achavam que eu devia ceder e vender a casa; outros diziam que a Ana estava a ser injusta. Eu sentia-me sozinha como nunca.

Uma noite, depois de mais uma discussão com o Rui — ele queria desistir de tudo e ir viver para um apartamento alugado — sentei-me no chão da sala e chorei até não ter mais lágrimas. Lembrei-me dos tempos em que eu e a Ana brincávamos no quintal dos nossos pais, das promessas de nunca nos separarmos.

No tribunal, vi-a sentada ao lado do Paulo, fria como gelo. O juiz perguntou-me se queria tentar um acordo. Olhei para ela — procurei nos olhos dela algum sinal da minha irmã, mas só vi ressentimento.

— Não — respondi com voz trémula. — Esta casa é tudo o que tenho.

O processo arrastou-se durante meses. O Rui perdeu peso; eu comecei a ter ataques de ansiedade. Os amigos afastaram-se — ninguém queria tomar partido. A minha mãe adoeceu também; dizia-me ao telefone: “Não deixes que isto vos destrua.”

Quando finalmente saiu a sentença — a favor do Rui e minha — senti um alívio misturado com tristeza profunda. Ganhámos a casa… mas perdi a minha irmã.

No dia em que recebi a notícia, sentei-me sozinha na varanda e olhei para as luzes da cidade ao longe. O Rui veio sentar-se ao meu lado em silêncio. Ficámos ali muito tempo sem dizer nada.

Ainda hoje me pergunto: valeu a pena lutar tanto? O que é uma casa sem família? Será possível reconstruir os laços depois de tanta dor?

E vocês? Já sentiram que tiveram de escolher entre aquilo que conquistaram e quem mais amam?