À Sombra da Minha Sogra: O Desmoronar de um Casamento em Nome da Ajuda

— Mariana, não achas que já chega de estar sentada? O bebé precisa de rotina, não de uma mãe cansada — a voz da Dona Lurdes ecoou pela sala, cortando o silêncio da manhã como uma faca afiada. Eu olhei para o relógio: eram sete e meia. Tinha dormido menos de três horas, mas o olhar dela não deixava espaço para compaixão.

Respirei fundo, tentando conter as lágrimas. O Rui ainda dormia no quarto, alheio ao que se passava cá fora. Desde que a mãe dele veio morar connosco, tudo mudou. No início, achei que seria bom ter ajuda. Mas rapidamente percebi que a presença dela era como uma sombra fria sobre a nossa casa.

— Eu faço o que posso, Dona Lurdes — respondi, baixinho, tentando não acordar o bebé. — O Tomás esteve a chorar quase toda a noite.

Ela bufou, cruzando os braços. — No meu tempo, as mães não se queixavam tanto. E os maridos não tinham de acordar com choros porque as mulheres sabiam cuidar dos filhos.

Senti o sangue ferver-me nas veias. Queria gritar, mas calei-me. Não queria discutir. Não queria dar-lhe razão.

O Rui apareceu à porta, despenteado e com olheiras profundas. Olhou para mim e depois para a mãe.

— O que se passa? — perguntou, num tom aborrecido.

— Nada — apressei-me a dizer. — Só estou a preparar o pequeno-almoço.

Dona Lurdes lançou-me um olhar triunfante e foi para a cozinha. O Rui suspirou.

— Mariana, tenta não stressar tanto. A minha mãe só quer ajudar.

Ajuda? Era isso que ele via? Ajuda? Senti-me sozinha, incompreendida. O Rui já não era o mesmo desde que ela chegou. Já não me abraçava à noite. Já não me perguntava como estava. Parecia que só existia espaço para dois: ele e a mãe.

Os dias passaram assim, numa rotina sufocante. Dona Lurdes criticava tudo: como eu dava banho ao Tomás, como cozinhava, até como arrumava as roupas. Uma vez, ouvi-a ao telefone com a irmã:

— A Mariana não tem jeito nenhum para isto. Se eu não estivesse aqui, nem sei o que seria daquele menino.

Chorei no quarto de banho, em silêncio, para ninguém ouvir. Sentia-me uma intrusa na minha própria casa.

Uma noite, depois de adormecer o Tomás, sentei-me na sala com o Rui.

— Precisamos de conversar — disse-lhe, com a voz trémula.

Ele largou o telemóvel e olhou para mim.

— Sobre o quê?

— Sobre nós. Sobre a tua mãe. Eu não aguento mais assim, Rui. Sinto-me… sinto-me invisível.

Ele revirou os olhos.

— Lá estás tu com dramas. A minha mãe só está aqui porque tu disseste que precisavas de ajuda!

— Eu precisava de apoio, Rui! Não de alguém que me faz sentir inútil todos os dias!

Ele levantou-se bruscamente.

— Sabes que mais? Se calhar és mesmo demasiado sensível. A minha mãe tem razão: tens de ser mais forte.

Fiquei ali sentada, sozinha na sala escura, a ouvir os passos dele afastarem-se pelo corredor. Senti um vazio enorme dentro de mim.

No dia seguinte, Dona Lurdes decidiu reorganizar todo o armário do Tomás sem me avisar. Quando fui buscar uma muda de roupa, não encontrei nada no sítio habitual.

— Onde estão os bodys? — perguntei, já à beira das lágrimas.

Ela respondeu com desdém:

— Estavam todos mal arrumados. Agora está tudo como deve ser.

O Tomás começou a chorar e eu senti-me a desmoronar por dentro. Peguei nele ao colo e fui para o quarto. Fechei a porta e sentei-me no chão, abraçada ao meu filho.

— Desculpa, meu amor — sussurrei-lhe ao ouvido. — A mãe está a tentar…

Nesse momento ouvi um bater na porta.

— Mariana? — Era o Rui. — Podemos falar?

Abri a porta devagarinho. Ele entrou e sentou-se na cama ao meu lado.

— Olha… Desculpa por ontem — murmurou. — Eu sei que isto não está fácil para ti. Mas também não está fácil para mim.

Olhei para ele, procurando nos olhos dele aquele homem por quem me apaixonei.

— Então porque é que não estamos juntos nisto? Porque é que sinto que estou sozinha?

Ele passou as mãos pelo cabelo.

— Não sei… Sinto-me preso entre ti e a minha mãe. Não quero magoar nenhuma das duas.

— Mas estás a magoar-me todos os dias — respondi, com lágrimas nos olhos.

Ele ficou em silêncio. O Tomás adormeceu nos meus braços e eu senti uma paz momentânea.

As semanas passaram e nada mudou. Dona Lurdes continuava a mandar em tudo e Rui continuava distante. Comecei a pensar em sair de casa por uns dias, ir para casa dos meus pais em Setúbal. Mas tinha medo da reação do Rui e do impacto no Tomás.

Uma tarde, enquanto dava de mamar ao Tomás na sala, ouvi Dona Lurdes ao telefone:

— Ela não sabe ser mãe nem mulher! O Rui merece melhor…

Senti um nó na garganta tão forte que quase me engasguei. Quando ela desligou, enfrentei-a pela primeira vez.

— Dona Lurdes, chega! Esta é a minha casa! O Tomás é meu filho! Quero respeito!

Ela ficou vermelha de raiva.

— Não me fales assim! Se não fosse eu…

— Se não fosse a senhora eu talvez ainda tivesse um casamento! — gritei-lhe, sem conseguir controlar as lágrimas.

O Rui entrou nesse momento e ficou paralisado ao ver-nos assim.

— O que se passa aqui?

Dona Lurdes começou logo:

— A tua mulher perdeu o respeito! Está histérica!

Olhei para ele à espera de apoio. Mas ele ficou calado.

Naquela noite fiz as malas em silêncio. Peguei no Tomás e fui para casa dos meus pais sem dizer nada a ninguém. Liguei ao Rui já depois de chegar:

— Preciso de espaço — disse-lhe apenas.

Os meus pais receberam-me com carinho e compreensão. Pela primeira vez em meses consegui dormir uma noite inteira sem medo do julgamento constante da Dona Lurdes.

O Rui ligou-me todos os dias durante uma semana. No início estava zangado; depois começou a pedir desculpa; finalmente chorou ao telefone:

— Não sei viver sem ti nem sem o Tomás… Mas também não sei como lidar com tudo isto…

Eu também não sabia. Mas percebi que precisava de me reencontrar antes de decidir qualquer coisa sobre o nosso futuro.

Passaram-se três semanas até voltar a casa para conversar com o Rui cara a cara. Sentámo-nos à mesa da cozinha — onde tantas vezes me senti pequena diante da sogra — e falámos durante horas sobre tudo: sobre mágoas antigas, sobre expectativas irrealistas, sobre medos e sonhos adiados pela rotina e pelo cansaço.

No fim dessa conversa ficou claro: ou mudávamos juntos ou cada um seguiria o seu caminho sozinho.

Dona Lurdes acabou por voltar para casa dela depois de muita resistência e algumas lágrimas dramáticas à mistura. O Rui prometeu esforçar-se mais por nós; eu prometi lutar por mim própria antes de tentar salvar qualquer relação.

Hoje olho para trás e pergunto-me: quantas mulheres passam pelo mesmo sem nunca terem coragem de sair da sombra? Quantos casamentos se perdem porque ninguém tem força para dizer basta?

E vocês? Já sentiram que perderam quem eram por causa das expectativas dos outros? Até onde iriam para recuperar a vossa voz?