Quem tem direito ao nome do meu filho?

— Não! O nome dele vai ser António, como o avô! — gritou a minha sogra, batendo com a mão na mesa da sala, tão forte que os copos tilintaram. O silêncio que se seguiu foi tão denso que quase me sufocou. Senti o olhar do meu marido, Miguel, pousar em mim, hesitante, como se pedisse desculpa por não intervir. Eu estava grávida de oito meses e, até aquele momento, tinha acreditado que a escolha do nome do nosso filho seria uma decisão nossa, íntima, de mãe e pai. Mas ali, naquela sala cheia de retratos antigos e móveis escuros, percebi que estava enganada.

O nome António era uma tradição na família dos Costa. O bisavô fora António, o avô também, e agora a sogra queria perpetuar o ciclo. Mas eu sempre sonhara com um nome diferente para o meu filho: Tomás. Um nome que me lembrava tardes de verão na casa da minha avó em Évora, onde corria livre pelos campos de trigo. Tomás era liberdade, era esperança. António era peso, era passado.

— Mas mãe… — começou Miguel, mas a sogra cortou-o com um olhar gelado.

— Não há mas! Nesta família sempre foi assim. O primeiro filho leva o nome do avô. Não vais ser tu a quebrar a tradição! — disse ela, apontando-me o dedo como se eu fosse uma intrusa.

Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos, mas engoli em seco. Não ia chorar ali, não ia mostrar fraqueza. Desde que casei com Miguel, sentia-me como uma peça deslocada naquele puzzle familiar. A mãe dele nunca me aceitara verdadeiramente. Eu era filha de professores do interior, sem grandes posses nem apelidos sonantes. Ela fazia questão de me lembrar disso em cada jantar de domingo.

Naquela noite, saí da casa deles com o coração apertado. Miguel caminhava ao meu lado em silêncio. Quando chegámos ao carro, não aguentei mais:

— Porque é que não disseste nada? Porque é que nunca me defendes?

Ele olhou para mim, cansado.

— Sabes como a minha mãe é… Não vale a pena discutir. É só um nome.

Só um nome? Para mim era tudo. Era o primeiro presente que eu daria ao meu filho, o primeiro gesto de amor e autonomia. Mas para Miguel era apenas mais uma batalha perdida antes de começar.

As semanas seguintes foram um tormento. A sogra ligava todos os dias para saber se já tínhamos decidido pelo “nome certo”. O resto da família também começou a pressionar: tias, primos, até vizinhos davam opiniões não solicitadas. Senti-me cada vez mais sozinha.

Na véspera do parto, tive um sonho estranho: via-me num campo aberto, com o meu filho ao colo. Chamava-o por um nome, mas ele não respondia. Olhava para mim com olhos tristes e afastava-se lentamente até desaparecer no horizonte. Acordei a chorar.

No hospital, depois de horas de trabalho de parto doloroso e solitário — Miguel estava lá, mas parecia ausente — finalmente ouvi o choro do meu filho. Quando a enfermeira me perguntou pelo nome para registar, hesitei. Senti todo o peso das expectativas familiares sobre os meus ombros.

— Tomás — sussurrei finalmente, quase sem voz.

A enfermeira sorriu e escreveu no papel: Tomás Costa.

Quando a sogra chegou ao hospital e viu o nome na pulseira do bebé, ficou lívida.

— Como foste capaz? — sibilou ela entre dentes. — Isto é uma afronta à nossa família!

Miguel ficou calado. Eu tremia por dentro, mas mantive-me firme.

— O meu filho tem direito ao seu próprio nome — respondi baixinho.

A partir desse dia, a relação com a família do Miguel tornou-se ainda mais tensa. Deixaram de me convidar para os almoços de domingo. O Miguel começou a passar mais tempo fora de casa, dizendo que precisava de espaço para pensar. Senti-me cada vez mais isolada.

Os meses passaram e fui aprendendo a cuidar do Tomás sozinha. Cada sorriso dele era uma pequena vitória contra o peso das tradições que me queriam esmagar. Mas também havia noites em que chorava baixinho no quarto, sentindo-me culpada por ter causado tanta discórdia.

Um dia, quando Tomás tinha seis meses, Miguel chegou a casa tarde e disse:

— A minha mãe quer ver o Tomás. Mas só se pudermos começar a chamá-lo de António em casa dela.

Olhei para ele incrédula.

— Achas mesmo que vou permitir isso? Ele tem um nome! Não vou ensinar o meu filho a ser duas pessoas diferentes só para agradar à tua mãe!

Miguel suspirou e saiu do quarto sem dizer mais nada.

Naquela noite percebi que estava sozinha nesta luta. Mas também percebi que não podia ceder. O nome do meu filho era mais do que uma palavra: era o símbolo da minha resistência, da minha vontade de ser ouvida e respeitada.

Com o tempo, fui reconstruindo a minha vida à volta do Tomás. Inscrevi-me num grupo de mães na biblioteca municipal e ali encontrei apoio e compreensão. Partilhei a minha história com outras mulheres que também tinham enfrentado pressões familiares e tradições sufocantes.

Certa tarde, enquanto passeávamos no jardim público, encontrei a minha sogra sentada num banco com algumas amigas. Ela olhou para mim e depois para o Tomás com uma expressão dura.

— Ainda insistes nesse nome ridículo? — perguntou ela alto o suficiente para as amigas ouvirem.

Senti o sangue ferver-me nas veias.

— O nome dele é Tomás — respondi firme. — E vai crescer sabendo quem é, não quem os outros querem que ele seja.

As amigas da sogra murmuraram qualquer coisa entre dentes e desviaram o olhar. Pela primeira vez senti que tinha vencido uma pequena batalha.

Hoje olho para trás e vejo quanto cresci desde aquele primeiro grito na sala dos Costa. Perdi muito: perdi parte da família do Miguel, perdi alguma inocência e leveza. Mas ganhei algo maior: ganhei respeito por mim mesma e pela minha capacidade de proteger o meu filho.

Às vezes pergunto-me se fiz bem em romper com as tradições daquela família. Será que Tomás vai sentir falta desse lado da sua história? Ou será que vai agradecer-me por lhe ter dado um nome só dele?

E vocês? Até onde iriam para defender aquilo em que acreditam? O nome de um filho pode mesmo definir quem ele será?