Carta à Amante do Meu Marido — Cinco Anos Depois: És Apenas Uma Sombra Distante

— Não me olhes assim, António. Não finjas que não sabes do que estou a falar. — A minha voz tremia, mas não era de medo. Era de raiva, de desespero, de alguém que já não aguentava mais.

Ele baixou os olhos para o chão da nossa cozinha, aquele chão frio de azulejo onde tantas vezes dançámos juntos, onde os risos dos nossos filhos ecoavam ao pequeno-almoço. Agora, só se ouvia o tique-taque do relógio e o som abafado da minha respiração.

— Maria, por favor… — sussurrou ele, como se o volume pudesse apagar o que tinha feito.

A carta estava ali, aberta sobre a mesa. Não era a primeira vez que encontrava mensagens suspeitas, mas aquela era diferente. Era uma carta escrita à mão, com palavras doces e promessas de um futuro que não me incluía. “António, nunca pensei amar alguém assim…”, lia-se logo na primeira linha. O nome dela estava assinado no fim: Sofia. Sofia, a colega do escritório, a mulher que eu cumprimentava nos jantares de Natal da empresa.

A traição não foi um raio num céu limpo. Foram meses de desconfiança, de noites em claro, de silêncios pesados à mesa. Mas ali, naquele momento, tudo se tornou real. Senti o chão fugir-me dos pés.

— Como pudeste? — perguntei, sem esperar resposta. — Como é que olhaste para mim todos estes meses? Como é que abraçaste os teus filhos sabendo que tinhas outra?

Ele chorou. Pela primeira vez em vinte anos de casamento, vi António chorar como uma criança perdida. Mas não me comovi. Não naquele momento. O meu coração estava em cacos.

Os dias seguintes foram um borrão de lágrimas e discussões abafadas para não acordar os miúdos. A minha mãe apareceu em casa sem avisar, como se pressentisse o desastre.

— Maria, tens de ser forte — disse-me ela, apertando-me as mãos com aquela força de quem já passou por tudo na vida. — Os teus filhos precisam de ti inteira.

Mas eu não estava inteira. Sentia-me vazia, traída não só pelo homem que amava, mas também pela mulher que eu considerava uma amiga distante. Sofia tornou-se um fantasma na minha cabeça: via-a em todo o lado, sentia o cheiro do perfume dela nas camisas dele, ouvia o riso dela misturado com o dele nas memórias que me assombravam.

A decisão de ficar ou partir foi um tormento. Os meus filhos — Inês e Tomás — eram pequenos demais para entenderem tudo, mas sentiam a tensão no ar.

— Mãe, porque é que o pai dorme no sofá? — perguntou Inês uma noite.

Abracei-a com força e menti-lhe: — O pai está cansado do trabalho, querida.

Mas as crianças percebem mais do que dizemos. Tomás começou a fazer perguntas estranhas na escola; Inês chorava por tudo e por nada. Eu própria deixei de me reconhecer ao espelho: olheiras fundas, cabelo desgrenhado, um olhar vazio.

Foi nesse abismo que decidi escrever-te esta carta, Sofia. Nunca tive coragem de ta enviar — talvez porque nunca quis dar-te esse poder sobre mim. Mas escrevi-a para mim mesma, para libertar a raiva e a dor.

“Sofia,

Nunca pensei que fosses capaz de destruir uma família só porque te sentiste sozinha ou especial ao lado do meu marido. Sei que ele também errou — e muito — mas tu sabias quem eu era. Sabias quem eram os meus filhos. E mesmo assim escolheste ser a sombra na nossa casa.

Durante meses odiei-te com todas as minhas forças. Quis gritar contigo na rua, quis ligar-te a meio da noite só para te insultar. Mas depois percebi: tu não mereces nada disso. Porque tu és apenas uma memória má na minha vida. És apenas a mulher que tentou roubar aquilo que nunca foi teu.

Hoje olho para trás e vejo tudo com outros olhos. O António ficou comigo — não porque eu lutei por ele, mas porque ele percebeu tarde demais o valor da família que tinha destruído. Não foi fácil perdoar-lhe; ainda hoje há dias em que acordo e sinto vontade de fugir para sempre.

Mas aprendi a perdoar-me primeiro: por ter confiado demais, por ter ignorado sinais óbvios, por ter deixado de cuidar de mim enquanto tentava segurar um casamento desfeito.

Tu perdeste mais do que eu: perdeste o respeito dos colegas, perdeste a oportunidade de construir algo verdadeiro (porque nada construído sobre mentiras dura muito tempo). Eu ganhei algo maior: ganhei a mim mesma de volta.

Hoje sou mais forte do que nunca. Os meus filhos cresceram a ver-me levantar-me das cinzas; sabem que a mãe deles não é perfeita, mas é corajosa. O António tenta todos os dias reconquistar a minha confiança — e talvez um dia consiga totalmente. Talvez não.

Mas tu? Tu és só uma sombra distante no meu passado.”

Cinco anos passaram desde aquela noite gelada na cozinha. A vida mudou muito: voltei a estudar, arranjei um emprego novo numa escola primária aqui em Setúbal, fiz amigas novas (e verdadeiras). O António continua ao meu lado — mais humilde, mais presente, mais humano.

Às vezes ainda sonho contigo, Sofia. Sonho que entras pela porta da frente e ris-te da minha cara; acordo suada e zangada comigo mesma por ainda te dar espaço nos meus pensamentos. Mas depois olho para os meus filhos a brincar no jardim e lembro-me: sobrevivi ao pior.

Sei que há muitas mulheres como eu por aí — mulheres traídas, magoadas, obrigadas a reconstruir-se do nada. Escrevo esta história para elas também: para dizer que é possível voltar a sorrir depois da tempestade.

E tu? Já conseguiste encontrar paz? Ou continuas à procura de algo que nunca vais encontrar nos braços dos outros?

Será que alguma vez aprendemos mesmo a confiar outra vez? Ou será que as cicatrizes ficam para sempre escondidas atrás dos sorrisos?