Quando a Fatura do Casamento Chegou: O Preço do Amor
— Não podemos ajudar, filha. Não há dinheiro. — A voz da minha mãe soou trémula do outro lado da linha, como se cada palavra lhe custasse a vida.
Fiquei em silêncio, sentada na beira da cama do meu pequeno quarto em Lisboa, com o telemóvel apertado entre as mãos suadas. O Miguel estava na sala, a folhear catálogos de quintas e a sonhar alto com o nosso grande dia. Eu sentia o coração a bater tão forte que quase abafava o som da televisão ao longe.
— Mas mãe… tu prometeste — sussurrei, tentando não deixar a voz falhar. — Já está tudo marcado, os convites enviados…
Do outro lado, ouvi um suspiro pesado. — Eu sei, Inês. Mas o teu pai perdeu o trabalho, a tua irmã ainda está na faculdade… Não conseguimos mesmo. Desculpa, filha.
Desliguei sem saber o que dizer. Fiquei ali, imóvel, a olhar para o vazio, enquanto as lágrimas me escorriam pelo rosto. O Miguel entrou no quarto e viu-me naquele estado.
— O que se passa? — perguntou, preocupado.
— A minha mãe… Eles não vão poder ajudar com o casamento. — A minha voz saiu num fio, quase inaudível.
Ele sentou-se ao meu lado e abraçou-me. — Vamos dar a volta a isto juntos, Inês. Não precisamos de uma festa enorme para sermos felizes.
Mas eu sabia que não era assim tão simples. Desde pequena que sonhava com um casamento daqueles de revista: vestido branco, igreja cheia, família reunida, festa até de madrugada. E agora tudo parecia desmoronar-se à minha volta.
Nos dias seguintes, as discussões começaram. A minha sogra, Dona Teresa, fez questão de me lembrar que “na família deles sempre se fez tudo em grande” e que “não era agora que iam começar a poupar”. O Miguel tentava acalmar os ânimos, mas eu via nos olhos dele a frustração de quem queria agradar a toda a gente e não conseguia.
— Inês, não podemos gastar dinheiro que não temos — dizia-me ele à noite, quando já estávamos sozinhos. — Eu sei que querias uma festa grande, mas temos de ser realistas.
— E se pedíssemos um empréstimo? — sugeri uma vez, desesperada.
Ele abanou a cabeça. — Não quero começar a nossa vida juntos endividados.
As semanas passaram e cada telefonema da minha mãe era mais tenso do que o anterior. O meu pai evitava falar comigo; sentia-se envergonhado por não poder cumprir aquilo que sempre disse que faria por mim. A minha irmã mais nova chorou ao telefone porque achava que era culpa dela: “Se eu não estivesse na faculdade…”
O Miguel começou a trabalhar mais horas no restaurante onde era chef, tentando juntar algum dinheiro extra. Eu própria aceitei fazer horas extraordinárias no escritório de advogados onde trabalhava como assistente. Mas mesmo assim, quando fizemos as contas, percebemos que não chegava nem para metade do orçamento inicial.
Uma noite, depois de mais uma discussão sobre o catering e as flores, sentei-me sozinha na varanda do nosso apartamento e olhei para as luzes da cidade. Perguntei-me se valia mesmo a pena tudo aquilo. Será que o amor precisava mesmo de tanto aparato? Ou será que estávamos apenas a tentar corresponder às expectativas dos outros?
No meio deste turbilhão, começaram os boatos na família. A minha tia Lurdes ligou-me para perguntar se era verdade que íamos cancelar o casamento. A avó do Miguel comentou com toda a vizinhança que “a Inês não tem onde cair morta” e que “o Miguel merecia melhor”. Cada comentário era uma facada no peito.
Certa tarde, fui visitar os meus pais em Almada. A casa parecia mais pequena do que nunca; as paredes carregadas de silêncios e mágoas antigas. Sentei-me à mesa da cozinha com a minha mãe.
— Desculpa, filha — disse ela, com os olhos vermelhos de tanto chorar. — Nunca pensei que isto fosse acontecer.
— Eu sei, mãe… Mas dói na mesma.
Ela pegou-me nas mãos e apertou-as com força. — O importante é que se amem. O resto são só coisas.
Saí dali com o coração apertado mas também com uma estranha sensação de alívio. Talvez estivesse na altura de repensar tudo.
Na semana seguinte, sentei-me com o Miguel e propus uma coisa diferente:
— E se fizéssemos só um almoço pequeno para a família mais próxima? Sem quintas caras, sem vestidos de princesa… Só nós e quem realmente importa.
Ele sorriu pela primeira vez em semanas e abraçou-me com força.
— Isso é tudo o que eu quero, Inês.
Contámos à família e, como seria de esperar, nem todos reagiram bem. A Dona Teresa ficou ofendida:
— Então e os meus amigos? E os colegas do teu pai? Isto não é um casamento digno!
O Miguel respondeu-lhe com firmeza:
— Mãe, isto é sobre nós. Se quiserem vir celebrar connosco, são bem-vindos. Se não quiserem, paciência.
No dia do casamento choveu torrencialmente. Tivemos de improvisar uma tenda no jardim dos meus pais e enfiar toda a gente lá dentro à pressa. O bolo foi feito pela minha tia Lurdes (que afinal apareceu), as flores vieram do mercado municipal e o vestido foi emprestado por uma amiga da faculdade.
No meio do caos, olhei para o Miguel enquanto trocávamos votos escritos à mão e percebi que nada daquilo importava realmente. O amor estava ali: nas mãos dadas dos meus pais apesar das dificuldades; no sorriso nervoso da minha irmã; no olhar emocionado do Miguel quando me viu entrar pela porta da cozinha; nos abraços apertados dos poucos amigos que ficaram connosco até ao fim.
Quando todos se foram embora e ficámos só nós dois no jardim molhado pela chuva de junho, senti uma paz imensa.
— Achas que fizemos bem? — perguntei-lhe baixinho.
Ele beijou-me na testa e respondeu:
— Nunca tive tantas certezas na vida.
Agora olho para trás e penso: quantas vezes deixamos as expectativas dos outros comandar a nossa felicidade? Será que precisamos mesmo de grandes festas para celebrar o amor ou basta estarmos rodeados das pessoas certas?
E vocês? O que fariam no meu lugar?