O Dia em que a Minha Sogra Decidiu Casar-se Outra Vez

— Não acredito que vais mesmo fazer isto, mãe! — gritou a Ana, a minha cunhada, com os olhos marejados de lágrimas. O silêncio que se seguiu foi tão pesado que até o relógio de parede pareceu parar. Eu estava sentada no sofá, as mãos frias e suadas, sem saber se devia olhar para o chão ou encarar a minha sogra, a Dona Teresa, que permanecia de pé, firme como uma rocha, mas com um leve tremor nos lábios.

O anúncio tinha sido feito há menos de dez minutos. Dona Teresa, viúva há quase seis anos, decidiu que ia casar-se novamente. O noivo? O senhor Álvaro, vizinho do terceiro andar, viúvo também, sempre tão discreto e educado. Mas ninguém esperava por isto. Muito menos eu.

O meu marido, o Miguel, estava ao meu lado, calado, com o maxilar cerrado. Conheço-o bem demais para não perceber o turbilhão de emoções que lhe passava pelo rosto: surpresa, raiva, talvez até um pouco de inveja. A família dele sempre foi muito unida, mas também muito marcada por silêncios e segredos. E agora tudo parecia vir ao de cima.

— Mãe, tu não podes fazer isto! — insistiu a Ana. — O pai morreu há tão pouco tempo…

— Seis anos não é pouco tempo, filha — respondeu Dona Teresa, com uma voz mais trémula do que queria admitir. — E eu tenho direito a ser feliz.

Eu queria dizer alguma coisa. Queria apoiar a minha sogra, porque no fundo compreendia-a. Mas sentia-me presa entre dois mundos: o da minha própria família e o da família que escolhi ao casar com o Miguel. E sabia que qualquer palavra minha podia ser interpretada como traição.

O jantar daquela noite foi um desastre. Ninguém tocou na comida. O pequeno Pedro, o nosso filho de oito anos, olhava de um para o outro sem perceber bem o que se passava. A Ana saiu da mesa a meio da refeição e bateu com a porta do quarto. O Miguel ficou a olhar para o prato vazio durante minutos intermináveis.

Quando finalmente ficámos sozinhos na cozinha, tentei puxar conversa:

— Achas mesmo assim tão mau? Ela está sozinha há tanto tempo…

O Miguel levantou-se abruptamente.

— Não percebes! Não é só ela… É tudo! É como se ela estivesse a apagar o pai da nossa vida!

Fiquei calada. Como podia explicar-lhe que ninguém apaga ninguém? Que o amor pode ser refeito sem esquecer o passado? Mas as palavras não saíam.

Nos dias seguintes, a casa tornou-se um campo de batalha silencioso. A Ana recusava-se a falar com a mãe. O Miguel evitava telefonar-lhe. Eu era a única que tentava manter alguma normalidade para o Pedro — levá-lo à escola, ajudá-lo nos trabalhos de casa, fingir que estava tudo bem.

Mas não estava.

Uma noite, ouvi Dona Teresa chorar baixinho no quarto dela. Fui ter com ela sem bater à porta. Estava sentada na cama, com uma fotografia do falecido marido nas mãos.

— Desculpe… — murmurei.

Ela olhou para mim com olhos vermelhos.

— Não tens de pedir desculpa, minha filha. Eu é que devia pedir desculpa por vos magoar…

Sentei-me ao lado dela e ficámos ali em silêncio durante algum tempo.

— Sabe — disse eu finalmente — quando perdi o meu pai também achei que a minha mãe nunca mais ia sorrir. Mas ela sorriu. E eu aprendi que isso não era uma traição à memória dele.

Ela apertou-me a mão com força.

— Eu só quero ser feliz outra vez…

No dia seguinte, tentei falar com o Miguel.

— Ela sente-se sozinha — expliquei-lhe. — Não é uma questão de substituir ninguém…

Ele abanou a cabeça.

— Tu não percebes… O pai era tudo para nós. E agora parece que ela quer apagar isso…

— Não é verdade! — insisti. — Ela vai sempre amar o teu pai à maneira dela. Mas também tem direito a recomeçar.

Ele ficou calado durante muito tempo.

— E se fosse contigo? Se fosses tu no lugar dela?

Não soube responder-lhe.

Os dias foram passando e as discussões tornaram-se mais frequentes. A Ana ameaçou cortar relações com a mãe se ela avançasse com o casamento. O Miguel começou a chegar mais tarde do trabalho para evitar conversas incómodas. Eu sentia-me cada vez mais sozinha naquela casa cheia de gente.

Uma tarde, enquanto arrumava os brinquedos do Pedro, ouvi-o perguntar:

— Mãe, porque é que a avó está triste?

Ajoelhei-me ao lado dele e tentei explicar:

— Porque às vezes as pessoas não percebem quando alguém quer ser feliz outra vez…

Ele ficou pensativo e depois disse:

— Eu gosto do senhor Álvaro. Ele conta piadas engraçadas.

Sorri-lhe e abracei-o com força.

No domingo seguinte, Dona Teresa convidou toda a família para um almoço em casa dela. O ambiente estava tenso; ninguém sabia bem como agir. O senhor Álvaro apareceu com um bolo caseiro e um sorriso tímido.

Durante a refeição, foi o Pedro quem quebrou o gelo:

— Avó, quando é que posso ir brincar à casa do senhor Álvaro?

Todos riram nervosamente. Dona Teresa olhou para mim agradecida.

Depois do almoço, fui ter com a Ana à varanda.

— Não achas que já chega? — perguntei-lhe baixinho. — Ela está viva… Merece ser feliz.

A Ana olhou para mim com raiva e tristeza misturadas.

— Tu não percebes! Ela era tudo para o pai…

— E agora é tudo para ela própria — respondi suavemente.

Aos poucos, as coisas começaram a mudar. O Miguel aceitou falar com o senhor Álvaro; a Ana começou a aparecer mais vezes em casa da mãe; até eu senti um alívio ao ver que podíamos voltar a rir juntos à mesa.

No dia do casamento, Dona Teresa estava radiante. Vestida de azul claro, parecia ter rejuvenescido dez anos. O senhor Álvaro não conseguia parar de sorrir. O Pedro levou as alianças e fez todos rirem ao tropeçar no tapete da igreja.

No final da cerimónia, abracei o Miguel e sussurrei-lhe ao ouvido:

— Vês? Ninguém foi esquecido…

Ele sorriu-me finalmente e apertou-me contra si.

Agora, quando olho para trás, percebo como foi difícil aceitar que as pessoas mudam e seguem em frente — mesmo quando isso nos dói. Mas será que alguma vez estamos preparados para ver quem amamos recomeçar? Ou será esse o verdadeiro teste do amor?