A Amarga Lição no Quintal: Como a Doença da Minha Sogra Virou a Minha Vida do Avesso
— Não podes fazer isto comigo, Rui! — gritei-lhe, a voz embargada, enquanto ele descarregava as malas da mãe do carro, mesmo à porta do nosso pequeno refúgio em Sintra.
Ele nem me olhou nos olhos. — A mãe não tem para onde ir, Marta. O médico disse que ela precisa de repouso, e tu sabes como ela adora o campo.
O campo era o meu santuário. A casa de madeira, rodeada de hortênsias e limoeiros, era o lugar onde eu me encontrava depois de semanas sufocantes no escritório e discussões intermináveis com Rui sobre tudo e nada. Ali, eu era eu. Ou pelo menos era.
A sogra entrou, apoiada na bengala, com aquele olhar de quem já ganhou todas as batalhas antes mesmo de começarem. — Olá, Marta. Espero que não seja incómodo — disse, mas o tom era mais de aviso do que de pedido.
Naquela noite, enquanto Rui dormia profundamente ao lado dela no quarto de hóspedes (porque “a mãe precisa de companhia”), eu fiquei na sala, enrolada numa manta, a ouvir o vento bater nas janelas. Senti-me expulsa da minha própria vida.
Os dias seguintes foram um desfile de pequenas humilhações. A sogra criticava o meu arroz (“A sério que pões alho? O Rui nunca gostou disso!”), mexia nas minhas plantas (“Estas rosas estão a precisar de mais sol”), e até reorganizou os móveis da sala (“Assim fica mais acolhedor”). Rui, por sua vez, parecia cada vez mais distante, como se eu fosse um detalhe incómodo na equação da felicidade dele.
Uma tarde, quando cheguei do supermercado, encontrei a sogra sentada na varanda com a vizinha, a Dona Graça. Riam-se alto, e ouvi claramente: — A Marta nunca teve muito jeito para estas coisas domésticas. O Rui sempre foi tão bem tratado em casa…
Senti o sangue ferver-me nas veias. Entrei sem cumprimentar ninguém e fechei-me na casa de banho. Olhei-me ao espelho: olhos vermelhos, cabelo desgrenhado, uma sombra do que fui. Perguntei-me: como é que cheguei aqui?
Nessa noite, tentei falar com Rui.
— Isto não pode continuar assim. Eu preciso do meu espaço. A tua mãe está a invadir tudo.
Ele suspirou, sem largar o telemóvel. — Marta, ela está doente. Não podes ser egoísta agora.
— Egoísta? — As lágrimas saltaram-me dos olhos. — E eu? Quando é que alguém pensa em mim?
Ele levantou-se abruptamente. — Se não consegues lidar com isto, talvez devesses ir para casa da tua mãe uns dias.
Aquela frase foi como uma facada. Eu? Sair da minha própria casa? O meu refúgio?
Na manhã seguinte, acordei com barulho na cozinha. A sogra estava a fazer panquecas para o Rui. Senti-me uma estranha na minha própria vida. Peguei nas chaves do carro e saí sem dizer nada.
Fui até à praia das Maçãs e sentei-me na areia fria. Liguei à minha irmã, Inês.
— Não aguento mais, Inês. Sinto que perdi tudo.
Ela ouviu-me em silêncio e depois disse: — Marta, tu sempre foste forte. Não deixes que te apaguem. Volta para casa e enfrenta-os.
Voltei ao fim do dia, decidida a pôr um ponto final naquela situação. Encontrei Rui e a mãe sentados à mesa, a jantar.
— Preciso de falar convosco — disse, firme.
A sogra olhou-me com desdém. — Agora não vês que estamos a comer?
— Vai ser agora — respondi.
Olhei para Rui nos olhos:
— Esta casa é minha também. E eu não vou abdicar dela nem da minha vida por ninguém. Se a tua mãe precisa de cuidados, podemos contratar alguém ou arranjar uma solução juntos. Mas eu não vou ser anulada nesta história.
Rui ficou calado por uns segundos eternos. Depois levantou-se e saiu para o jardim.
A sogra bufou:
— Sempre foste fraca.
Senti uma força nova dentro de mim:
— Não sou fraca. Só estou cansada de ser invisível.
Naquela noite dormi sozinha no quarto principal pela primeira vez em semanas. Chorei tudo o que tinha para chorar.
No dia seguinte, Rui veio ter comigo:
— Falei com o meu irmão. Ele pode receber a mãe durante uns tempos em Cascais. Eu devia ter-te ouvido antes… Desculpa.
A sogra saiu dois dias depois, sem se despedir de mim.
As semanas seguintes foram estranhas: silêncio entre mim e Rui, mas também uma paz nova dentro de mim. Comecei a cuidar das minhas plantas outra vez, voltei a pintar quadros na varanda e até convidei a Dona Graça para um café — desta vez para falar sobre flores, não sobre mim.
Rui tentou aproximar-se aos poucos. Um dia trouxe-me um ramo de lavanda do mercado e disse:
— Não quero perder-te, Marta. Prometo que nunca mais te deixo sozinha nesta casa.
Olhei-o nos olhos e respondi:
— Não quero ser salva por ninguém. Quero apenas ser respeitada.
Hoje olho para trás e vejo como aquela crise me obrigou a encontrar a minha voz e os meus limites. Pergunto-me: quantas vezes deixamos que os outros decidam por nós em nome da família? E vocês? Já sentiram que perderam o controlo sobre a vossa própria vida?