Voltei para casa com a minha filha recém-nascida — e encontrei apenas o vazio

— Onde é que está toda a gente? — perguntei em voz baixa, quase sussurrando para não acordar a pequena Leonor, que dormia no ovo, com a cabeça inclinada para o lado, as bochechas rosadas de quem ainda não conhece o peso do mundo.

A porta fechou-se atrás de mim com um estalido seco. O cheiro a detergente misturava-se com o aroma adocicado do leite em pó que ainda pairava no meu casaco. Olhei à volta: a sala estava igual a quando saí para o hospital há quatro dias. O sofá com as mantas desarrumadas, os brinquedos do gato espalhados pelo chão, a mesa com chávenas por lavar. Nenhuma faixa de boas-vindas, nenhum balão cor-de-rosa, nenhum sinal de que ali chegava uma nova vida.

Senti uma pontada de raiva e tristeza. O Rui tinha prometido que ia preparar tudo. Que ia pedir à mãe dele para vir ajudar, que ia montar o berço, que ia encher a casa de flores. Mas ali estava eu, sozinha, com uma bebé nos braços e uma mala demasiado pesada para conseguir levar até ao quarto sem acordá-la.

— Mãe? — tentei ligar-lhe, mas ela não atendeu. Sabia que estava a trabalhar no café até tarde, mas mesmo assim doeu. Senti-me pequena, como quando era criança e tinha medo do escuro.

O telefone vibrou. Era uma mensagem do Rui: “Desculpa, amor. O chefe pediu-me para ficar até mais tarde. Chego logo. Precisas de alguma coisa?”

Preciso de ti, pensei. Preciso de ti aqui agora. Preciso que vejas como estou cansada, como me dói o corpo todo, como tenho medo de não saber cuidar dela sozinha. Mas escrevi apenas: “Está tudo bem.”

Sentei-me no sofá com a Leonor ao colo. O silêncio era tão pesado que quase conseguia ouvi-lo. Lembrei-me das histórias que ouvia das amigas: todas diziam que o regresso a casa era mágico, que choraram de emoção ao verem o quarto preparado, os peluches alinhados na prateleira, os familiares à espera com sorrisos e abraços. Para mim, só havia vazio.

A Leonor começou a choramingar. Tentei acalmá-la, mas as lágrimas dela misturaram-se com as minhas. Senti-me incapaz. E se não fosse suficiente? E se ela sentisse esta solidão desde o primeiro dia?

O telefone tocou de novo. Era a sogra.

— Olá, Mariana! Já chegaram? — perguntou ela, com aquela voz sempre apressada.

— Já… — tentei soar animada. — Está tudo bem.

— O Rui disse que hoje não podia sair cedo. Eu também estou cheia de trabalho aqui em casa… Mas amanhã passo aí para ver a menina! — disse ela, antes de desligar rapidamente.

Fiquei a olhar para o telefone durante uns segundos. Não havia ninguém. Nem uma amiga, nem uma vizinha. Só eu e a Leonor.

As horas passaram devagar. Dei-lhe de mamar, troquei-lhe a fralda na mesa da sala porque o trocador ainda estava por montar. Tentei adormecê-la no berço desmontado e acabei por deixá-la dormir ao meu lado no sofá.

Quando o Rui chegou já passava das dez da noite. Entrou devagarinho, mas não conseguiu esconder o cansaço nem a irritação.

— Desculpa… Foi um dia complicado — murmurou, pousando as chaves na mesa.

— Não preparaste nada — disse-lhe, sem conseguir conter as lágrimas. — Nem sequer montaste o berço…

Ele olhou para mim como se não percebesse o peso das minhas palavras.

— Mariana… Eu tentei… Mas o trabalho…

— O trabalho? E eu? E ela? — levantei a voz sem querer. — Achas que isto é fácil? Achas que eu não precisava de ti aqui?

Ele ficou calado durante uns segundos e depois sentou-se ao meu lado.

— Eu sei… Desculpa… Eu vou tratar disso amanhã…

Mas amanhã parecia sempre longe demais.

As semanas passaram e fui-me afundando num cansaço sem nome. A Leonor chorava muito à noite e eu sentia-me cada vez mais sozinha. O Rui chegava tarde e mal olhava para nós. A sogra vinha de vez em quando, mas só para dar palpites e criticar: “No meu tempo não era assim”, “Estás a mimá-la demasiado”, “Devias dar-lhe chá de camomila”.

Comecei a evitar olhar-me ao espelho. O cabelo caía-me aos molhos, as olheiras eram fundas como poços sem fundo. Sentia-me invisível.

Um dia, depois de uma noite particularmente difícil, liguei à minha mãe em lágrimas.

— Mãe… Eu não aguento mais… Sinto-me tão sozinha…

Ela ficou em silêncio durante uns segundos antes de responder:

— Mariana… Eu também passei por isso quando tu nasceste. O teu pai trabalhava muito e eu ficava sozinha contigo e com o teu irmão… Mas sabes? Sobrevive-se. E um dia vais olhar para trás e vais perceber que foste mais forte do que pensavas.

Essas palavras ficaram-me na cabeça durante dias. Seria mesmo assim? Ou seria apenas uma desculpa para aceitarmos esta solidão como normal?

Nessa noite, quando o Rui chegou a casa e encontrou-me sentada no chão da cozinha a chorar baixinho enquanto embalava a Leonor nos braços, finalmente percebeu.

— Mariana… Eu não fazia ideia… — disse ele, ajoelhando-se ao meu lado.

— Não fazias ideia porque nunca quiseste ver — respondi entre soluços.

Ele abraçou-me e ficámos ali os três no chão frio da cozinha durante muito tempo.

No dia seguinte ele tirou um dia de férias e montou finalmente o berço da Leonor. Comprou flores e trouxe um bolo da pastelaria onde costumávamos ir antes dela nascer. Pediu desculpa outra vez e prometeu estar mais presente.

As coisas melhoraram um pouco depois disso, mas nunca voltaram a ser como eu tinha imaginado. A solidão continuava lá, escondida nos cantos da casa, nos silêncios entre mamadas e fraldas sujas.

Às vezes pergunto-me: porque é que ninguém nos prepara para este vazio? Porque é que temos de ser tão fortes sozinhas? Será que outras mulheres também sentiram isto e calaram-se por vergonha ou medo?

E vocês? Também sentiram este vazio quando voltaram para casa com os vossos filhos? Porque é que continuamos tão sós nos momentos mais importantes das nossas vidas?