O Peso do Amor de Mãe à Beira do Tejo: Serei Eu Alguma Vez Suficiente?

— Outra vez massa com atum, Sofia? Não achas que as crianças mereciam melhor? — A voz da minha mãe ecoou pela cozinha, cortando o silêncio pesado do final de tarde. Eu estava de costas, a mexer a panela, sentindo o cheiro familiar do jantar barato que se tornara rotina. Oiço os passos dela atrás de mim, impacientes, como se cada segundo que passasse sem resposta fosse mais uma prova da minha incompetência.

— Mãe, é o que há. O dinheiro não estica. — Tento manter a voz firme, mas sinto-a a tremer. Oiço o riso abafado do Tiago na sala, a Inês a discutir com o irmão mais novo por causa do comando da televisão. O caos habitual. O meu caos.

A minha mãe suspira alto, como se carregasse o peso do mundo nos ombros. — No meu tempo, com muito menos, fazia-se muito mais. Tu não sabes organizar nada, Sofia. Sempre foste assim.

Sinto uma raiva surda a crescer dentro de mim. Queria gritar-lhe que não é fácil criar quatro filhos sozinha, com um ordenado mínimo e um ex-marido que só aparece para criticar ou para pedir dinheiro emprestado. Mas não digo nada. Engulo as palavras e concentro-me em não deixar a massa colar ao fundo da panela.

Quando os miúdos finalmente se sentam à mesa, a minha mãe continua a sua ladainha, agora sobre as notas da Inês e o comportamento do Tiago na escola. — Se lhes desses mais atenção, não andavam assim perdidos — diz ela, espetando o garfo na comida como se fosse um castigo.

A Inês olha para mim de soslaio, os olhos cheios de vergonha e raiva. O Tiago baixa a cabeça. Sinto-me esmagada entre gerações: a minha mãe atrás de mim, sempre pronta a apontar falhas; os meus filhos à frente, à espera de uma mãe que talvez não consiga ser.

Depois do jantar, enquanto lavo a loiça com as mãos gretadas do frio e dos detergentes baratos, penso em como cheguei aqui. Lembro-me de quando era pequena e via o Tejo da janela do nosso apartamento em Chelas. A minha mãe era uma força da natureza — trabalhava horas sem fim numa fábrica e ainda tinha tempo para fazer sopa caseira todos os dias. Eu cresci a tentar ser como ela, mas agora percebo que nunca fui suficiente aos seus olhos.

O telefone toca. É o Pedro, o meu ex-marido. — Sofia, preciso que fiques com eles no fim de semana. Tenho de trabalhar — diz ele, sem sequer perguntar como estou.

— Claro, Pedro. Não te preocupes — respondo automaticamente. Já nem me dou ao trabalho de discutir.

A minha mãe ouve a conversa e abana a cabeça em desaprovação. — Sempre foste demasiado mole com ele. Por isso é que estás assim.

Subo ao quarto para arrumar a roupa dos miúdos e encontro a Inês sentada na cama, olhos vermelhos.

— Mãe, porque é que a avó está sempre a dizer mal de ti? — pergunta ela baixinho.

Sento-me ao lado dela e abraço-a. — Porque às vezes as pessoas acham que sabem tudo sobre os outros, mas esquecem-se de olhar para si próprias — digo-lhe, tentando sorrir.

Ela encosta-se ao meu ombro e ficamos ali em silêncio. Sinto o peso do mundo nas costas, mas também uma estranha paz naquele momento.

Na manhã seguinte, acordo antes do sol nascer para preparar os lanches escolares. Oiço a minha mãe resmungar no corredor sobre as contas da luz e da água. Penso em como cada dia é uma batalha: contra as contas por pagar, contra as expectativas dos outros, contra o medo de falhar.

No autocarro para o trabalho, olho pela janela e vejo o Tejo ao longe. Pergunto-me se algum dia vou conseguir sair deste ciclo — se algum dia vou ser suficiente para os meus filhos, para a minha mãe… para mim própria.

No trabalho, sou mais uma entre dezenas de mulheres cansadas numa loja de supermercado. A chefe chama-me à parte porque me atrasei cinco minutos. — Sofia, tens de te organizar melhor — diz ela com aquele tom paternalista que me faz sentir uma criança outra vez.

Ao final do dia, volto para casa exausta. Os miúdos fazem os trabalhos de casa na mesa da cozinha enquanto a minha mãe vê novelas na sala. Sento-me no sofá e fecho os olhos por um instante. Sinto lágrimas a quererem sair, mas engulo-as outra vez.

À noite, depois de todos dormirem, sento-me à janela do meu quarto e olho para as luzes da cidade. Oiço o Tejo lá longe, como um sussurro antigo da infância. Pergunto-me se alguma vez vou conseguir quebrar este ciclo de críticas e insatisfação.

Será que alguma vez fui suficiente? Será que alguma vez serei? E vocês… também sentem este peso invisível das expectativas dos outros?