Amor Que Dói: Uma História de Família, Traição e Perdão em Lisboa

— Não consigo mais, Marta. Não é justo para nenhum de nós.

As palavras do Pedro ecoaram na cozinha fria, entre o cheiro do café acabado de fazer e o som distante do elétrico a passar na rua. O meu coração parou por um segundo. Olhei para ele, tentando decifrar se era mais uma das nossas discussões banais ou se, desta vez, era mesmo o fim.

— O que é que queres dizer com isso? — perguntei, a voz a tremer, já sabendo a resposta.

Ele desviou o olhar, fitando o chão de azulejo gasto. — Conheci alguém. Não foi planeado. Mas aconteceu.

O silêncio caiu pesado entre nós. O nosso filho, o Tiago, dormia no quarto ao lado, alheio ao mundo que desabava à sua volta. Senti uma raiva surda a crescer dentro de mim, misturada com uma tristeza tão funda que quase me sufocava.

— Vais deixar-nos? Vais mesmo deixar o teu filho?

Pedro passou as mãos pelo cabelo, nervoso. — Eu vou continuar a ser pai do Tiago. Só não posso continuar a ser teu marido.

As lágrimas vieram sem aviso. Não chorei alto; chorei para dentro, como sempre fiz. O Pedro saiu de casa naquela noite, levando apenas uma mala pequena e um casaco. Fiquei ali, sentada à mesa, a olhar para a chávena de café que nunca cheguei a beber.

Os dias seguintes foram um borrão de telefonemas da minha mãe, D. Lurdes, a perguntar se eu precisava de alguma coisa, vizinhas curiosas a espreitar pelo postigo e o Tiago a perguntar pelo pai. Cada vez que ele perguntava, sentia uma faca a cortar-me por dentro.

— O pai foi trabalhar, amor — mentia eu, tentando sorrir.

A verdade é que nunca fui boa a mentir. O Tiago percebeu cedo demais que algo estava errado. Começou a fazer birras na escola, a recusar-se a comer. A educadora chamou-me à parte um dia:

— Marta, o Tiago está muito em baixo. Quer conversar?

Senti-me envergonhada. Lisboa parecia mais cinzenta do que nunca. O trabalho no hospital tornou-se um refúgio e um castigo ao mesmo tempo. As colegas cochichavam nos corredores:

— Ouviste? O marido da Marta foi-se embora com outra…

A minha mãe insistia para eu ir passar uns dias com ela em Setúbal:

— Filha, precisas de descansar. Deixa o Tiago comigo.

Mas eu não queria fugir. Queria enfrentar tudo de frente, mesmo quando não tinha forças para sair da cama.

Uma noite, depois de adormecer o Tiago, sentei-me no sofá e liguei à minha irmã mais nova, a Inês.

— Não sei como vou conseguir — confessei-lhe.

Ela ficou em silêncio durante uns segundos antes de responder:

— Vais conseguir porque não tens outra hipótese. E porque és mais forte do que pensas.

As palavras dela ficaram comigo durante semanas. Comecei a sair mais com o Tiago: íamos ao Jardim da Estrela ver os patos, comprávamos gelados na Ribeira das Naus e ríamos juntos das pessoas apressadas no Chiado. Pequenas rotinas que me davam ânimo para continuar.

Mas as noites eram sempre as piores. Sozinha na cama grande demais para mim, revivia cada discussão com o Pedro, cada momento em que talvez pudesse ter feito diferente. A culpa era um peso constante nos ombros.

Um dia, ao ir buscar o Tiago à escola, vi o Pedro à porta com uma mulher loira ao lado. Ela sorriu-me timidamente; ele evitou olhar-me nos olhos.

— Olá, Marta — disse ele, constrangido.

O Tiago correu para ele e abraçou-o com força. Senti uma pontada de ciúme e tristeza ao ver como ainda era importante para o filho.

— Podemos falar? — perguntou o Pedro.

Fomos até um café ali perto. Ele explicou-me que queria apresentar o Tiago à nova namorada, Sofia. Disse que era importante para ele que eu aceitasse essa parte da vida dele.

— Não é fácil para mim — respondi, tentando manter a dignidade. — Mas se for pelo Tiago…

A Sofia era simpática, mas eu não conseguia evitar sentir-me substituída em todos os sentidos: como mulher, como mãe, como companheira de vida.

Os meses passaram e fui aprendendo a viver com a ausência do Pedro. O Tiago começou a aceitar os fins-de-semana alternados e eu aproveitava esses dias para cuidar de mim: comecei a correr no Parque Eduardo VII, inscrevi-me num curso de fotografia e até voltei a sair com amigas antigas.

A minha mãe continuava preocupada:

— Não achas que devias tentar perdoar o Pedro? Pelo menos por ti?

Eu não sabia responder-lhe. O perdão parecia-me impossível; era como pedir-me para esquecer tudo o que tinha sofrido.

Um dia, o Tiago adoeceu com febre alta. Liguei ao Pedro em pânico:

— Ele está muito mal! Podes vir?

O Pedro chegou em menos de meia hora. Ficámos os dois sentados ao lado do Tiago durante toda a noite, revezando compressas frias e sussurrando palavras de conforto ao nosso filho.

Quando finalmente adormeceu, olhámos um para o outro pela primeira vez em meses sem raiva nem mágoa nos olhos.

— Desculpa — murmurou ele. — Nunca quis magoar-te assim.

Chorei baixinho e ele abraçou-me como nos velhos tempos. Mas já não éramos os mesmos. Havia uma distância entre nós impossível de atravessar.

Com o tempo, aprendi a perdoar — não por ele, mas por mim e pelo Tiago. Percebi que guardar rancor só me fazia mal e impedia-me de ser feliz outra vez.

Hoje olho para trás e vejo tudo com outros olhos: as dores, as noites sem dormir, as pequenas alegrias roubadas ao quotidiano lisboeta. O Pedro casou-se com a Sofia; eu encontrei paz na minha própria companhia e no sorriso do meu filho.

Às vezes pergunto-me: será que alguma vez estamos verdadeiramente preparados para recomeçar? Ou será que aprendemos apenas a viver com as cicatrizes? E vocês — já tiveram de perdoar alguém que vos magoou profundamente?