Quando a Verdade Dói: Um Pai em Luta pelo Filho

— Pai, não me sinto bem… — ouvi a voz do Diogo, trémula, enquanto me ligavam da escola. O telefone quase caiu-me das mãos. O coração disparou, as pernas fraquejaram. — O seu filho desmaiou, senhor António. Já chamámos o INEM, mas está consciente agora. Pode vir? — disse a professora Andreia, a voz dela tão aflita quanto a minha alma naquele instante.

Corri pelas ruas de Almada como se o mundo estivesse a arder. Cada passo ecoava na minha cabeça: O que aconteceu? Será grave? Porquê ao meu filho? Quando cheguei à escola, vi-o deitado numa marquesa improvisada na sala dos professores. Pálido, olhos semicerrados, a mão da professora pousada no ombro dele.

— Pai… — murmurou ele, tentando sorrir. Mas aquele sorriso não era dele. Era um pedido de socorro.

O INEM chegou finalmente. Mediram-lhe a tensão, fizeram perguntas rápidas. — Já aconteceu antes? — Não, nunca! — respondi, sentindo-me culpado por não saber mais sobre o meu próprio filho.

No hospital Garcia de Orta, as horas arrastaram-se como séculos. O Diogo dormia, e eu olhava para ele, lembrando-me de quando era bebé e adormecia no meu colo. Agora estava ali, frágil, e eu incapaz de o proteger.

A médica apareceu ao fim de três horas. — O seu filho está estável, mas precisamos de fazer mais exames. Tem tido episódios de ansiedade? — perguntou ela, olhando-me nos olhos como se já soubesse a resposta.

— Ele anda mais calado ultimamente… mas pensei que era só por causa dos testes…

— O sistema está a pressionar demasiado as crianças — disse ela num tom quase confessional. — Não é só o Diogo.

Saí do hospital com ele ao meu lado, mas sentia-me mais sozinho do que nunca. Em casa, tentei falar com ele.

— Diogo, o que se passa? Podes confiar em mim.

Ele hesitou. Olhou para o chão. — Não quero desiludir-te, pai…

— Desiludir-me? Filho, só quero que estejas bem!

— Tenho medo de reprovar… Os professores dizem que se não tiver boas notas não entro na faculdade… E tu trabalhas tanto… Não quero ser um peso.

Senti um nó na garganta. O meu filho de 14 anos carregava o peso do mundo nos ombros porque o sistema lho impunha. E eu? Eu era cúmplice desse sistema sem querer.

Na semana seguinte, tentei falar com a diretora da escola. — Os miúdos estão sob pressão demais! O Diogo desmaiou! — disse-lhe, quase a gritar.

Ela suspirou. — Senhor António, compreendo… Mas temos metas a cumprir. O Ministério exige resultados.

— E quem exige que as crianças sejam felizes?

Ela encolheu os ombros. — Não está nas metas curriculares.

Saí dali revoltado. Em casa, a minha mulher, Sofia, tentava acalmar-me.

— António, não podemos mudar o mundo…

— Mas podemos mudar o mundo do nosso filho!

Comecei a procurar ajuda: psicólogos escolares (lista de espera de seis meses), consultas privadas (impossível pagar com o meu ordenado de motorista dos TST), grupos de pais no Facebook (muitos desabafos, poucas soluções). Senti-me esmagado pela impotência.

O Diogo começou a ter insónias. Chorava à noite sem fazer barulho para não nos acordar. Um dia encontrei-o sentado na cama às três da manhã.

— Não consigo dormir…

Sentei-me ao lado dele e abracei-o como quando era pequeno.

— Filho, não tens de ser perfeito. Só tens de ser tu.

Ele chorou no meu ombro até adormecer.

No trabalho comecei a chegar atrasado. O chefe chamou-me ao gabinete.

— António, anda tudo bem em casa?

Expliquei-lhe tudo. Ele olhou para mim com pena e disse: — Também tenho uma filha assim… Isto está tudo maluco.

Os dias passaram entre consultas no centro de saúde (onde só havia vagas para dali a dois meses), reuniões na escola (onde me diziam sempre o mesmo: “O Diogo é inteligente, só precisa de se esforçar mais”), discussões com a Sofia (“Não podemos continuar assim!”), e noites em claro.

Um sábado à tarde, o Diogo desapareceu durante duas horas. Procurei-o por todo o bairro até o encontrar sentado no parque, sozinho.

— Estava só a pensar… Se calhar era melhor se eu não estivesse aqui…

O chão fugiu-me dos pés. Sentei-me ao lado dele e chorei também.

— Nunca digas isso! Tu és tudo para mim!

Na segunda-feira seguinte fui à escola e exigi uma reunião com todos os professores. Falei-lhes do que estava a acontecer ao Diogo e pedi-lhes humanidade antes das notas.

Alguns ouviram-me com indiferença; outros baixaram os olhos. Uma professora aproximou-se no fim:

— O meu filho também sofre de ansiedade… Mas aqui não nos deixam abrandar.

Percebi então que não era só o Diogo. Era uma geração inteira esmagada por expectativas impossíveis.

Procurei apoio na Junta de Freguesia; sugeriram-me um psicólogo comunitário. Finalmente alguém ouviu o Diogo sem julgar nem pressionar.

Pouco a pouco ele começou a sorrir outra vez. As notas não melhoraram muito, mas já conseguia dormir e brincar com os amigos.

Hoje olho para trás e pergunto-me: quantos pais vivem este drama em silêncio? Quantos filhos carregam fardos invisíveis? Será que algum dia vamos aprender que ser feliz é mais importante do que ser perfeito?

E vocês? Já sentiram este peso na vossa família? Como lidam com as pressões do dia-a-dia?