Tensões Invisíveis: Quando as Visitas de Família se Tornam um Campo de Batalha

— Não é assim que se segura um bebé, Mariana! — A voz da Dona Lurdes cortou o silêncio da sala como uma faca afiada. Eu estava sentada no sofá, com o pequeno Tomás ao colo, tentando acalmá-lo depois de mais uma noite sem dormir. O Rui estava na cozinha, fingindo que lavava a loiça, mas eu sabia que ele só queria evitar o confronto.

Senti o sangue ferver-me nas veias. Já não era a primeira vez que a minha sogra me corrigia, mas naquele dia, com as olheiras fundas e o corpo cansado, doeu mais do que nunca. Olhei para ela, tentando manter a calma.

— Dona Lurdes, estou a fazer o melhor que posso. O Tomás acabou de mamar e só precisa de colo agora.

Ela bufou, cruzando os braços.

— No meu tempo, os bebés dormiam sozinhos no berço. Não andávamos sempre com eles ao colo. Assim nunca vais descansar.

O Tomás começou a chorar mais alto, talvez sentindo a tensão no ar. O Rui apareceu à porta da cozinha, com um pano nas mãos.

— Mãe, deixa a Mariana em paz. Ela sabe o que faz.

Dona Lurdes virou-se para ele, magoada.

— Só quero ajudar! Não posso ver o meu neto assim. E tu devias ouvir mais a tua mãe, Rui.

Ele suspirou e voltou para a cozinha. Fiquei ali, sozinha com ela e com o choro do meu filho, sentindo-me cada vez mais pequena.

Os dias seguintes foram um desfile de pequenas críticas e conselhos não solicitados. Dona Lurdes aparecia quase todos os dias, trazendo sopa ou roupa para o Tomás, mas também trazendo consigo uma nuvem de julgamento. O Rui tentava agradar às duas partes, mas acabava por não agradar a ninguém.

Uma noite, depois de finalmente adormecer o Tomás, sentei-me à mesa da cozinha com o Rui.

— Não aguento mais — disse-lhe em voz baixa. — A tua mãe está sempre em cima de mim. Sinto-me uma criança outra vez.

Ele passou as mãos pelo rosto.

— Mariana, ela só quer ajudar. Sabes como é… Ela perdeu o meu pai cedo, ficou sozinha comigo e com a minha irmã. Sempre foi assim, controladora. Mas não faz por mal.

— Eu sei que não faz por mal — respondi — mas está a sufocar-me. Preciso que tu estejas do meu lado.

Ele ficou em silêncio. O silêncio dele era pior do que qualquer palavra dura da Dona Lurdes.

No domingo seguinte, fomos almoçar a casa dela. A mesa estava posta com todo o cuidado: bacalhau à Brás, arroz de forno e salada de alface do quintal. A minha cunhada, Sofia, também estava lá com os filhos pequenos.

Durante o almoço, Dona Lurdes não perdeu tempo:

— Mariana, já pensaste em dar papinha ao Tomás? Com seis meses já devia comer mais do que leite.

Senti os olhos de toda a família em mim. Engoli em seco.

— O pediatra disse para esperar mais um pouco — respondi.

Sofia sorriu-me com pena. Ela própria já tinha passado por aquilo anos antes.

— A mãe é assim com todos — murmurou-me ao ouvido quando fomos buscar sobremesa à cozinha. — Mas depois passa.

Mas eu não queria esperar que passasse. Queria respirar.

Naquela noite, depois de voltarmos para casa e deitar o Tomás, sentei-me no chão da sala e chorei como há muito não chorava. Senti-me sozinha, incompreendida e culpada por não conseguir ser a nora perfeita nem a mãe perfeita.

Os dias foram passando e as visitas continuaram. Um dia, Dona Lurdes apareceu sem avisar enquanto eu dava banho ao Tomás. Entrou na casa de banho sem bater à porta.

— Estás a usar água demasiado quente! — exclamou.

Perdi a paciência.

— Basta! — gritei-lhe. — Esta é a minha casa e o meu filho! Se não consegue respeitar isso, prefiro que não venha cá!

Ela ficou branca como a cal da parede. Saiu sem dizer palavra. O Rui chegou pouco depois e encontrou-me ainda a tremer de raiva.

— O que aconteceu?

Contei-lhe tudo entre soluços. Ele ficou calado durante muito tempo e depois disse:

— Vou falar com ela.

No dia seguinte, Dona Lurdes ligou-me. A voz dela estava diferente: magoada mas também vulnerável.

— Mariana… desculpa se tenho sido demasiado… presente. Só quero ajudar. Sinto falta do Rui aqui em casa… E agora com o Tomás… Sinto-me sozinha.

Senti um nó na garganta. Pela primeira vez vi nela não só uma sogra difícil mas uma mulher que também sofria com as mudanças da vida.

— Eu entendo — disse-lhe baixinho. — Mas preciso do meu espaço para aprender a ser mãe à minha maneira.

A partir desse dia as coisas começaram lentamente a mudar. Dona Lurdes passou a ligar antes de vir e tentava dar conselhos só quando eu pedia. O Rui começou finalmente a defender-me mais vezes e até sugeriu irmos passar um fim-de-semana só os três para respirarmos longe das pressões familiares.

Ainda hoje há dias difíceis — há sempre comentários ou olhares que me fazem duvidar de mim mesma — mas aprendi que preciso de pôr limites para proteger o meu bem-estar e o da minha família.

Às vezes pergunto-me: quantas mulheres como eu se sentem esmagadas pelas expectativas dos outros? E quantas vezes deixamos de ser nós próprias só para agradar? Talvez seja altura de começarmos todas a falar sobre isto.