Trocámos as Fechaduras: Quando a Minha Sogra se Tornou o Meu Maior Medo

— Mariana, não podes continuar assim! — gritou o Rui, já com as mãos a tremer enquanto segurava a chávena de café. O relógio da cozinha marcava quase meia-noite, e eu sentia o coração a bater tão forte que parecia querer saltar-me do peito. — Ela entrou outra vez, Rui. Entrou sem avisar, mexeu nas minhas coisas, abriu o armário do quarto da Leonor! — respondi, quase a chorar, mas sem conseguir soltar uma lágrima sequer.

O silêncio que se seguiu foi pesado. O Rui olhou para mim, cansado, como se carregasse o peso do mundo nos ombros. Eu sabia que ele amava a mãe, mas também sabia que estava farto daquela invasão constante. Desde que nos mudámos para o apartamento novo, a minha sogra, Dona Teresa, arranjou uma cópia das chaves — “para qualquer emergência”, dizia ela. Mas as emergências dela eram sempre as minhas rotinas: roupa lavada fora do sítio, comida trocada no frigorífico, envelopes abertos na minha secretária.

A primeira vez que a apanhei em casa sem avisar foi logo depois do nascimento da Leonor. Eu estava exausta, com olheiras até ao queixo, e entrei na cozinha para encontrar a Dona Teresa a remexer nos meus armários. — Mariana, não sabes organizar isto? Assim nunca vais conseguir dar conta da casa — disse ela, com aquele tom de quem acha que está a ajudar. Engoli em seco e tentei sorrir. Mas por dentro, senti-me invadida.

O Rui tentava sempre apaziguar: — Ela só quer ajudar, Mariana. Não leves a mal. — Mas eu levava. Levava muito a mal. Porque não era só uma questão de organização; era uma questão de respeito, de espaço, de privacidade.

Com o tempo, as coisas pioraram. A Dona Teresa começou a aparecer cada vez mais cedo e a sair cada vez mais tarde. Uma vez, cheguei do trabalho e encontrei-a sentada no sofá com a Leonor ao colo, a ver televisão. — Mariana, devias mesmo pensar em mudar de emprego. Assim tinhas mais tempo para a tua filha — disse ela, como se eu não passasse noites em claro para dar tudo à minha família.

A gota de água foi quando percebi que ela tinha mexido nos nossos documentos bancários. Um dia, ao abrir uma gaveta do escritório, reparei que os papéis estavam fora do sítio. Confrontei o Rui: — Achas normal ela ter acesso às nossas contas? — Ele ficou calado. — Mariana, é minha mãe…

— E eu sou tua mulher! — gritei-lhe, já sem conseguir controlar o desespero.

Nessa noite não dormi. Fiquei sentada na sala, com as luzes apagadas, a ouvir o tic-tac do relógio e a pensar em tudo o que tinha perdido desde que aquela mulher entrou na minha vida: paz, privacidade, até parte da minha identidade.

No dia seguinte, tomei uma decisão. Liguei para um serralheiro e pedi para trocar as fechaduras. O Rui ficou furioso quando soube. — Mariana, isto é um exagero! Vais magoar a minha mãe! — Mas eu já não aguentava mais.

Quando a Dona Teresa percebeu que não conseguia entrar em casa como antes, fez um escândalo. Ligou-me dezenas de vezes, deixou mensagens cheias de acusações: — Como é possível fazeres isto à família? Depois de tudo o que fiz por vocês! — gritava ela ao telefone.

O Rui ficou dividido entre nós duas. Passou dias sem me dirigir a palavra, trancado no quarto ou a sair para trabalhar mais cedo do que o habitual. A Leonor sentiu tudo isto; começou a fazer birras sem motivo e chorava sempre que via os avós.

A minha mãe tentou ajudar: — Mariana, tens de ser firme. A tua casa é o teu refúgio. Mas também tens de perceber que o Rui está no meio disto tudo.

Eu sabia disso. Sabia que estava a magoar o homem que amava, mas também sabia que não podia continuar a viver com medo de abrir a porta e encontrar alguém a remexer na minha vida.

As semanas passaram e as feridas ficaram mais fundas. O Rui começou finalmente a perceber o meu lado quando encontrou a mãe à porta do prédio, aos gritos com os vizinhos porque não conseguia entrar. Nesse dia voltou para casa cabisbaixo e disse apenas: — Desculpa.

Mas nada voltou ao normal. As reuniões de família tornaram-se tensas; os almoços de domingo eram um campo de batalha silencioso onde ninguém ousava falar do assunto. A Dona Teresa olhava para mim como se eu fosse uma estranha.

Uma noite sentei-me ao lado do Rui e perguntei-lhe: — Achas que algum dia ela vai perceber? Ele encolheu os ombros: — Não sei… Talvez nunca.

Hoje olho para trás e vejo tudo o que perdi e tudo o que ganhei neste processo doloroso. Ganhei o direito ao meu espaço, mas perdi parte da família que tentei construir. Valeu a pena? Não sei responder.

Às vezes pergunto-me: quantas mulheres terão coragem de fechar a porta à própria família para protegerem aquilo que é seu? E será que algum dia vamos conseguir perdoar-nos uns aos outros?