De Um Dia Para o Outro, Tornei-me Mãe de Seis Crianças – Uma História Que Mudou a Minha Vida Para Sempre
— Mãe, quem são aquelas crianças à porta? — perguntou a Mariana, com os olhos arregalados de curiosidade e receio. Eu ainda estava a tentar controlar o tremor nas mãos quando abri a porta e vi o João e a Matilde, os filhos do senhor António, o nosso vizinho do terceiro andar. Estavam ali, com as mochilas às costas e os olhos vermelhos de tanto chorar.
Naquele momento, senti o peso do mundo nos ombros. O António tinha morrido na noite anterior, sozinho no hospital, depois de uma luta silenciosa contra um cancro que poucos sabiam que existia. A mãe das crianças tinha desaparecido há anos, e agora eles estavam ali, sem ninguém. Olhei para os meus quatro filhos — Mariana, Tiago, Leonor e Pedro — e soube que não podia fechar a porta.
— Entrem, meus queridos — disse, tentando sorrir. — Vamos falar um bocadinho, está bem?
Enquanto lhes preparava um chá quente, ouvi o sussurro dos meus filhos na sala.
— Achas que vão ficar cá? — perguntou o Tiago.
— Não sei… A mãe não vai conseguir cuidar de tanta gente — respondeu a Leonor, sempre prática.
Sentei-me à mesa com todos. O silêncio era pesado. O João olhava para o chão, a Matilde agarrava-se ao casaco como se fosse um escudo.
— Vocês sabem que podem ficar aqui até as coisas se resolverem — disse-lhes. — Não estão sozinhos.
Naquela noite, depois de deitar todos, chorei baixinho na cozinha. O meu marido tinha morrido há três anos num acidente de carro. Desde então, era só eu e os miúdos. Trabalhava como auxiliar numa escola primária e cada cêntimo era contado. Mas como podia virar as costas àqueles dois pequenos?
No dia seguinte, liguei à Segurança Social. A assistente social foi clara:
— Dona Rosa, acolher duas crianças não é simples. Há processos legais, avaliações… E tem quatro filhos menores. Tem a certeza?
Tinha? Não sabia. Mas sabia que não podia deixá-los ir para uma instituição.
A notícia espalhou-se pelo prédio como fogo em mato seco. A dona Emília do rés-do-chão veio logo bater à porta:
— Rosa, você está maluca? Se mal consegue com os seus, agora vai meter mais dois? Olhe que isto não é caridade!
Ignorei os comentários. Mas a minha mãe foi mais dura:
— Rosa Maria, pensa nos teus filhos! Já não basta o que passaste? Vais sacrificar todos por causa de dois estranhos?
— Mãe, eles não são estranhos. São crianças. E se fossem os meus?
Ela abanou a cabeça e saiu sem dizer mais nada.
Os dias seguintes foram um caos. O João fazia xixi na cama todas as noites e chorava baixinho para ninguém ouvir. A Matilde recusava-se a comer e só queria dormir com a luz acesa. Os meus filhos estavam divididos entre a compaixão e o ciúme.
Uma noite, apanhei a Mariana a chorar no quarto.
— O que se passa, filha?
— Já nem falas comigo… Só tens tempo para eles agora.
Sentei-me ao lado dela e abracei-a.
— Desculpa, meu amor. Isto é difícil para todos nós. Mas prometo que vou estar sempre aqui para ti.
No trabalho começaram as perguntas.
— Ouvi dizer que agora tem seis bocas para alimentar… Como vai fazer?
Sorri sem vontade.
— Um dia de cada vez.
A burocracia foi um pesadelo: papéis, entrevistas, visitas da assistente social. Cada vez que tocavam à campainha, sentia o coração disparar. E se achassem que eu não era capaz? E se tirassem as crianças daqui?
Numa dessas visitas, a assistente social perguntou:
— Dona Rosa, porque faz isto? Não tem medo de falhar?
Olhei para ela e respondi:
— Tenho medo todos os dias. Mas tenho mais medo de imaginar estas crianças sozinhas no mundo.
Houve dias em que pensei em desistir. Quando faltava dinheiro para tudo: comida, roupa, livros da escola. Quando as discussões entre as crianças se tornavam insuportáveis e eu sentia que estava a perder o controlo.
Uma tarde, cheguei a casa e encontrei o João sentado no chão do corredor com o Pedro aos gritos:
— Vai-te embora! Não és meu irmão!
O João chorava em silêncio. Sentei-me ao lado dele e abracei-o.
— Aqui em casa somos todos irmãos agora — disse baixinho.
Com o tempo, as coisas começaram a mudar devagarinho. A Matilde sorriu pela primeira vez quando fizemos bolos juntos ao domingo. O João começou a ajudar o Tiago com os trabalhos de casa. Os meus filhos aprenderam a partilhar não só brinquedos mas também atenção e carinho.
A minha mãe acabou por voltar um dia com um saco cheio de fruta e pão caseiro.
— Não consigo concordar com isto tudo… mas tu és feita de outra massa — disse ela, emocionada.
A dona Emília também mudou de atitude quando viu as crianças felizes no pátio.
— Afinal… talvez tenha feito bem — murmurou ela ao passar por mim.
O maior desafio foi no Natal. Não havia dinheiro para presentes caros nem para grandes festas. Mas fizemos um presépio com papelão e cozinhámos juntos uma ceia simples. Quando vi todos à volta da mesa, rindo-se e partilhando histórias, percebi que tinha feito a escolha certa.
Hoje olho para trás e quase não acredito no caminho percorrido. Ainda há dias difíceis: contas por pagar, discussões entre irmãos, saudades do pai ou do senhor António. Mas há também abraços apertados antes de dormir e sorrisos sinceros ao pequeno-almoço.
Às vezes pergunto-me: teria coragem de fazer tudo outra vez? Será que o amor basta para segurar uma família feita de pedaços partidos? E vocês, o que fariam no meu lugar?