Cinco Anos Depois: O Meu Mundo Depois da Traição
— Vais mesmo fingir que nada aconteceu, Miguel? — perguntei, com a voz embargada, enquanto segurava a chávena de café com tanta força que temi parti-la.
Ele olhou-me, cansado, os olhos fundos de quem já não dorme há dias. O silêncio entre nós era tão denso que quase podia tocá-lo. O relógio da cozinha marcava 2h17 da manhã. Os nossos filhos dormiam, alheios ao abismo que se abria entre os pais.
Cinco anos passaram desde aquela noite em que encontrei as mensagens no telemóvel dele. Cinco anos desde que o chão me fugiu dos pés e o mundo deixou de fazer sentido. Miguel — o homem com quem partilhei sonhos, contas, filhos e domingos de chuva — tinha outra mulher. Não era só uma aventura; era uma história paralela, feita de jantares secretos e promessas sussurradas ao telefone.
Durante meses, vivi em piloto automático. Ia trabalhar no hospital, sorria para os colegas, ajudava pacientes, mas por dentro sentia-me vazia. Em casa, cada gesto dele era analisado ao microscópio. O cheiro do perfume diferente, as desculpas para chegar tarde, o sorriso forçado quando me abraçava. Tudo era suspeito.
A minha mãe dizia-me para ser forte. “Os homens são assim, filha. Fecha os olhos e segue em frente.” Mas eu não conseguia. Não era só orgulho ferido; era a sensação de ter sido enganada por quem mais amava. O meu pai, sempre calado, limitava-se a dar-me palmadinhas nas costas quando me via chorar na varanda.
Miguel tentou pedir desculpa. Comprou flores, escreveu cartas, prometeu mundos e fundos. Mas as palavras dele soavam ocas. Eu queria gritar, partir tudo, fugir dali. Mas havia os nossos filhos — a Inês e o Tomás — tão pequenos, tão inocentes. Não mereciam ver os pais a destruir-se.
Durante muito tempo, dormimos em quartos separados. Às vezes ouvia-o chorar baixinho no corredor. Noutras noites era eu que soluçava até adormecer. A casa tornou-se um campo de batalha silencioso. As discussões eram sussurradas para não acordar as crianças. “Porque é que fizeste isto? O que é que ela tinha que eu não tenho?” Ele nunca soube responder.
Os meus amigos afastaram-se. Uns porque não sabiam o que dizer, outros porque achavam que eu devia perdoar e seguir em frente. A minha irmã, Rita, foi a única que ficou ao meu lado. “Não tens de decidir nada já. Dá tempo ao tempo”, dizia-me ela enquanto me fazia chá e me obrigava a comer alguma coisa.
O tempo passou, mas a ferida não sarou. Fomos à terapia de casal — três sessões cheias de silêncios constrangedores e lágrimas contidas. O terapeuta perguntou-me se eu ainda amava o Miguel. Eu não soube responder.
No trabalho, comecei a perder o foco. Um dia quase dei a medicação errada a um paciente. O chefe chamou-me ao gabinete: “Precisas de férias, Leonor.” Tirei uma semana e fui para casa da Rita em Aveiro. Lá chorei tudo o que tinha para chorar. Caminhei à beira-ria, escrevi cartas que nunca enviei e tentei perceber quem era eu sem o Miguel.
Quando voltei, ele estava diferente. Mais calmo, mais presente com as crianças. Começou a cozinhar aos domingos, ajudava nos trabalhos de casa da Inês e levava o Tomás ao futebol. Por momentos, quase acreditei que podíamos ser felizes outra vez.
Mas bastava um cheiro estranho na roupa dele ou uma mensagem recebida à noite para o pânico voltar. A confiança é como um vaso partido: mesmo colado, nunca volta a ser igual.
Um dia, durante o jantar, a Inês perguntou:
— Mãe, porque é que tu e o pai já não se riem juntos?
Fiquei sem palavras. Olhei para Miguel e vi nos olhos dele o mesmo medo: estávamos a perder-nos e a arrastar os nossos filhos connosco.
Nessa noite, depois de deitarmos as crianças, sentei-me no sofá ao lado dele.
— Não sei se consigo perdoar-te — confessei.
Ele pegou na minha mão com delicadeza.
— Eu também não sei se mereço o teu perdão. Mas quero tentar ser melhor.
Chorámos juntos pela primeira vez em anos. Pela dor, pela culpa e pelo amor que ainda resistia — ou talvez fosse só saudade do que já fomos.
A vida seguiu devagarinho. Fomos aprendendo a viver com as cicatrizes. Às vezes dou por mim a sorrir quando ele faz piadas parvas ou quando vejo os miúdos felizes ao nosso lado. Outras vezes sinto raiva — dele, de mim própria por não ter visto os sinais antes.
A família nunca mais foi igual. Os meus pais evitam falar do assunto; a minha mãe finge que está tudo bem quando nos visita ao domingo. A Rita pergunta-me se estou feliz e eu respondo sempre “vou andando”.
Hoje olho para trás e vejo uma mulher diferente daquela que fui há cinco anos. Mais dura, talvez mais fria — mas também mais dona de mim mesma. Aprendi a pôr limites, a dizer não quando preciso de espaço.
Miguel continua aqui. Não sei se algum dia voltarei a confiar nele como antes. Mas sei que sobrevivi à maior dor da minha vida e continuo de pé.
Às vezes pergunto-me: será possível reconstruir um amor depois da traição? Ou estamos apenas a fingir até os miúdos crescerem? E vocês — alguma vez conseguiram perdoar uma ferida destas?