Quando a Minha Sogra Tentou Expulsar-me de Casa: Fé, Luta e Sobrevivência
— Sai já daqui, Ana! Esta casa nunca foi tua! — gritou a minha sogra, Dona Lurdes, com uma voz tão cortante quanto o vento que uivava lá fora. O trovão ribombou ao longe, mas o verdadeiro temporal estava ali, na minha sala, debaixo do teto que eu pensava ser meu refúgio.
Senti o chão fugir-me dos pés. O Rui, o meu marido, estava em França há três meses, a trabalhar nas obras para nos dar uma vida melhor. Eu ficara em Vila Nova de Gaia com a nossa filha pequena, a Matilde, e a promessa de que tudo ia correr bem. Mas agora, com Dona Lurdes à minha frente, olhos faiscantes e mãos trémulas de raiva, tudo parecia desmoronar-se.
— Dona Lurdes, por favor… — tentei manter a voz firme, mas ela saiu-me trémula. — O Rui confiou em mim para cuidar da casa e da Matilde. Não pode simplesmente…
— O Rui é meu filho! — interrompeu ela, aproximando-se tanto que senti o cheiro do seu perfume forte misturado ao suor. — E esta casa é dele! Tu só cá estás porque ele deixou. Mas agora chega! Não admito mais esta vergonha!
Vergonha? O que é que eu tinha feito? A minha cabeça rodopiava. Desde que o Rui partira, Dona Lurdes vinha cá quase todos os dias. Ora trazia sopa para a neta, ora criticava a maneira como eu limpava o chão ou como vestia a Matilde. Mas nunca imaginei que chegasse ao ponto de me expulsar.
— Não vou sair — disse eu, surpreendendo-me com a firmeza da minha voz. — O Rui não ia querer isto.
Ela riu-se, um riso seco e cruel.
— O Rui não sabe metade do que se passa aqui! Se soubesse como tu gastas o dinheiro dele… Se soubesse das tuas conversas com aquele vizinho…
Senti o sangue gelar-me nas veias. Era mentira. Eu nunca tinha feito nada de errado. Mas sabia que Dona Lurdes era capaz de tudo para me afastar do filho.
Nessa noite, depois de ela sair batendo com a porta, sentei-me no sofá e chorei baixinho para não acordar a Matilde. Peguei no terço da minha mãe e rezei como há muito não fazia. Pedi forças a Deus para aguentar mais um dia.
Os dias seguintes foram um inferno. Dona Lurdes começou a aparecer cada vez mais cedo e a sair cada vez mais tarde. Trazia vizinhas para “ajudar” e deixava recados passivo-agressivos espalhados pela casa: “A loiça não se lava sozinha”, “O lixo cheira mal”, “A Matilde precisa de uma mãe melhor”.
Comecei a duvidar de mim própria. Será que era mesmo uma má mãe? Será que o Rui acreditaria nela? Liguei-lhe uma noite, mas ele estava exausto e só conseguiu dizer:
— Ana, aguenta mais um pouco. A minha mãe é assim mesmo… Não quero problemas.
Senti-me sozinha como nunca. Até os meus pais estavam longe, no Alentejo, sem meios para me ajudar.
Foi então que algo mudou. Numa manhã cinzenta, ouvi uma discussão acesa no corredor. Era a minha cunhada, Sofia, irmã do Rui.
— Mãe, chega! — gritava ela. — A Ana não te fez mal nenhum! Estás a destruir esta família!
Dona Lurdes chorava e gritava ao mesmo tempo:
— Tu não percebes! Ela vai levar o teu irmão para longe! Vai tirar-nos tudo!
Sofia entrou na sala e abraçou-me sem dizer palavra. Senti-me finalmente vista. Ela ficou comigo nessa noite e ouviu tudo: as acusações, as ameaças veladas, os olhares de desprezo.
— A mãe sempre foi assim — disse ela baixinho. — Controladora… Mas tu não estás sozinha.
Com Sofia do meu lado, ganhei coragem para enfrentar Dona Lurdes. Quando ela voltou no dia seguinte com mais uma vizinha fofoqueira atrás, fui eu quem falou primeiro:
— Dona Lurdes, esta casa é do Rui e minha enquanto ele não está. A Matilde precisa de paz. Se continuar assim, vou ter de chamar a polícia.
Ela ficou vermelha como um tomate maduro e saiu sem dizer palavra.
Mas as coisas não melhoraram logo. Durante semanas, ouvi rumores na rua: que eu era preguiçosa, que traía o Rui, que queria fugir com o dinheiro dele. Até na mercearia sentia os olhares atravessados das vizinhas.
Numa dessas tardes sombrias, sentei-me na igreja vazia do bairro. O silêncio era pesado mas reconfortante. Rezei por mim e pela Dona Lurdes também. Pedi paciência e discernimento para não me tornar amarga.
O tempo foi passando devagarinho. Sofia vinha visitar-me sempre que podia e ajudava-me com a Matilde. Comecei a procurar trabalho para me sentir útil e independente — arranjei umas horas a limpar escritórios à noite.
Quando o Rui finalmente voltou de França, magro e cansado mas com um sorriso nos lábios ao ver-nos à porta de casa, senti um alívio imenso. Mas também medo: será que ele acreditaria em mim ou na mãe?
Sentámo-nos à mesa depois de pôr a Matilde a dormir.
— A mãe disse-me coisas horríveis sobre ti — começou ele, olhos baixos.
O meu coração batia tão forte que pensei que ele ia saltar-me do peito.
— E tu? O que achas? — perguntei-lhe.
Ele olhou-me nos olhos durante muito tempo antes de responder:
— Eu conheço-te melhor do que ninguém… Mas custa-me ver-vos assim em guerra.
Chorei outra vez — mas desta vez não foi só tristeza; foi também alívio por finalmente poder falar abertamente.
Com o tempo e muita conversa (e algumas discussões feias), o Rui percebeu o quanto eu tinha sofrido e começou a pôr limites à mãe dele. Sofia continuou a ser o meu braço direito e até Dona Lurdes acabou por aceitar que não podia controlar tudo nem todos.
Hoje olho para trás e penso: como é possível sobreviver quando tudo parece perdido? Talvez seja fé, talvez seja amor… Ou talvez seja só teimosia de mãe portuguesa.
E vocês? Já sentiram que estavam sozinhos contra o mundo? O que fariam se alguém tentasse tirar-vos tudo aquilo por que lutaram?