Deixar o Meu Ex-Marido Morar Cá em Casa Para Fugir à Pensão? – Uma Escolha Impossível

— Mariana, precisamos de falar. — A voz do Rui ecoou pela sala, carregada de uma tensão que me fez largar o pano da loiça. O relógio marcava quase meia-noite e a nossa filha, Leonor, já dormia há horas. Senti um arrepio na espinha. Sabia que nada de bom vinha depois dessas palavras.

Sentei-me no sofá, as mãos trémulas no colo. O Rui olhou-me nos olhos, hesitante, e depois largou a bomba:

— O Pedro… ele está com dificuldades. Não consegue pagar a renda e… — fez uma pausa, como se procurasse coragem — pensei que talvez pudéssemos deixá-lo ficar cá em casa uns tempos. Assim ele não precisava de pagar pensão de alimentos e podia juntar algum dinheiro.

Fiquei sem ar. O Pedro? O meu ex-marido? O homem com quem partilhei dez anos de vida, mas também dez anos de discussões, traições e mágoas? O pai da minha filha, sim, mas também o responsável por tantas noites em claro e lágrimas escondidas? Olhei para o Rui, à procura de um sinal de que aquilo era uma piada de mau gosto. Mas ele estava sério.

— Estás a sugerir que o meu ex venha viver connosco para não ter de pagar a pensão da Leonor? — A minha voz saiu mais alta do que queria.

O Rui encolheu os ombros, desconfortável:

— Mariana, sabes que ele está mesmo aflito. E tu própria disseste que a pensão nunca chega para tudo. Se ele vier para cá, pelo menos a Leonor tem o pai por perto…

— E nós? E o nosso casamento? Achas mesmo que isto é saudável? — Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos. — Achas justo eu abdicar da minha privacidade, da minha paz, só porque o Pedro não sabe gerir a vida dele?

O Rui calou-se. O silêncio entre nós era pesado como chumbo. Lembrei-me das vezes em que apanhei o Pedro a mentir-me, das noites em que cheguei a casa e ele não estava, das desculpas esfarrapadas. E agora… agora era suposto abrir-lhe a porta da minha casa?

Na manhã seguinte, mal consegui olhar para o Rui. O pequeno-almoço foi um ritual silencioso. A Leonor percebeu logo que algo não estava bem.

— Mãe, porque é que estás triste? — perguntou ela, os olhos grandes e inocentes.

Abracei-a com força.

— Não estou triste, querida. Só cansada.

Mas estava triste. E zangada. E perdida.

O dia arrastou-se entre telefonemas do trabalho e mensagens do Pedro:

“Mariana, por favor, ajuda-me.”

“Não tenho para onde ir.”

“Pensa na Leonor.”

Pensei nela. Pensei em mim. Pensei no Rui. Pensei na minha mãe, que sempre me disse para nunca misturar passado com presente.

À noite, sentei-me à mesa com o Rui.

— Não consigo fazer isto — disse-lhe, a voz embargada. — Não consigo viver com o Pedro outra vez. Não é só por mim… é por nós. Pela Leonor também.

O Rui olhou-me com uma tristeza profunda.

— Mariana, eu só queria ajudar. Sei que não é fácil para ti… mas também não é fácil para mim ver-te assim dividida.

— Então porque é que me pediste isto? — perguntei, quase num sussurro.

Ele ficou em silêncio. Pela primeira vez desde que nos conhecemos, senti uma distância entre nós impossível de atravessar.

Os dias seguintes foram um inferno. O Pedro ligava-me todos os dias. A minha mãe ligou-me também:

— Mariana, tu não podes deixar esse homem voltar a entrar na tua vida! Já te fez sofrer tanto…

— Eu sei, mãe… mas ele é o pai da Leonor.

— E então? Isso não lhe dá direito a nada! Tu tens de pensar em ti e na tua filha!

As palavras dela ecoavam na minha cabeça enquanto via a Leonor brincar no tapete da sala. Ela merecia ter o pai por perto… mas a que custo?

Numa noite chuvosa, o Pedro apareceu à porta sem avisar. Trazia uma mala pequena e um olhar derrotado.

— Mariana… só preciso de uns dias — implorou.

O Rui ficou imóvel ao meu lado. Senti-me encurralada entre dois homens: um do passado e outro do presente. A Leonor correu para o pai e abraçou-o com força.

— Fica cá hoje — disse-lhe, sem pensar nas consequências.

Nessa noite quase não dormi. Ouvi os passos do Pedro no corredor, ouvi o Rui a ressonar ao meu lado mas senti-o distante como nunca antes. De manhã, encontrei o Pedro na cozinha a preparar pequeno-almoço para a Leonor como se nada fosse.

Os dias transformaram-se em semanas. O Pedro instalou-se no quarto de hóspedes e começou a ajudar mais com a Leonor. Mas as discussões começaram logo: sobre quem devia pagar as compras, sobre quem ficava com a Leonor ao fim-de-semana, sobre as contas da casa.

Uma noite, depois de mais uma discussão acesa sobre dinheiro, o Rui explodiu:

— Isto não pode continuar! Eu não sou obrigado a viver assim!

O Pedro respondeu à altura:

— Se não fosse por mim, tu nem sequer conhecias a Mariana! Devias era agradecer!

Eu gritei-lhes para pararem. Senti-me pequena no meio daquela tempestade masculina.

A Leonor chorava no quarto ao lado.

No dia seguinte, fui chamada à escola: a Leonor tinha tido um ataque de ansiedade e chorava sem parar.

A professora olhou-me nos olhos:

— Mariana, ela precisa de estabilidade. Precisa de sentir que está segura em casa.

Voltei para casa decidida: isto tinha de acabar.

Chamei o Pedro e o Rui à sala.

— Isto não pode continuar assim — disse-lhes com firmeza. — Pedro, tens de encontrar outra solução. Eu ajudei-te como pude mas não posso sacrificar a minha filha nem o meu casamento por tua causa.

O Pedro levantou-se furioso:

— Sabes que se eu sair vou ter de pagar pensão outra vez! Não tenho dinheiro!

Olhei-o nos olhos:

— Então arranja um trabalho extra! Faz como eu fiz quando ficámos sozinhos! Não podes continuar a fugir às tuas responsabilidades!

O Rui ficou calado mas vi alívio nos seus olhos.

O Pedro saiu nessa noite. A casa ficou estranhamente silenciosa. A Leonor dormiu agarrada a mim como quando era bebé.

Nos dias seguintes tentei reconstruir alguma normalidade. Mas nada voltou a ser igual entre mim e o Rui. A confiança ficou abalada; as conversas tornaram-se superficiais; os silêncios mais longos.

Às vezes dou por mim a pensar: teria sido diferente se tivesse dito logo que não? Ou se tivesse cedido mais um pouco? Será possível amar alguém quando já não confiamos nas escolhas dessa pessoa?

E vocês? Até onde iriam por amor ou por compaixão? Quantos sacrifícios são aceitáveis antes de perdermos quem somos?