Quando o Meu Filho Quis Ir para a Casa de Campo: Entre o Amor e o Medo de Perder
— Mãe, eu e a Sofia queríamos falar contigo sobre uma coisa importante — disse o Miguel, com aquele olhar sério que só usava quando sabia que ia mexer comigo. Estávamos sentados à mesa da cozinha, o cheiro do café ainda pairava no ar, mas o ambiente estava pesado, como se uma tempestade estivesse prestes a rebentar.
— Diz, filho — respondi, tentando manter a voz firme, mas sentindo já o coração a bater mais depressa.
Ele olhou para a Sofia, que lhe apertou a mão por baixo da mesa. — Nós queríamos pedir-te se podíamos ir viver para a casa de campo do avô. Aquela velha casa em Alenquer…
O pedido caiu como uma pedra no meu peito. A casa de campo era o último pedaço do meu pai que ainda restava. Era onde passávamos os verões, onde ele me ensinou a pescar e a apanhar figos maduros. Era mais do que paredes e telhado — era memória, era raiz.
— Miguel… — comecei, mas ele interrompeu-me.
— Mãe, nós precisamos de um sítio nosso. Em Lisboa está tudo caríssimo. Não conseguimos arrendar nada decente. E a casa está lá parada, cheia de pó…
A Sofia juntou-se ao coro: — Prometemos cuidar dela. Podemos até arranjar o jardim, pintar as paredes…
Olhei para eles. Jovens, apaixonados, cheios de sonhos. Mas também tão ingénuos. Sabiam lá eles o que era viver no campo? A solidão das noites frias, o telhado a pingar quando chovia forte, os ratos que apareciam na despensa…
— Não é assim tão simples — disse eu, tentando não soar demasiado dura. — Aquela casa precisa de obras sérias. E vocês têm os vossos trabalhos aqui…
O Miguel suspirou, já impaciente: — Mãe, nós pensámos em tudo. Eu posso trabalhar remotamente e a Sofia arranja qualquer coisa lá perto. Só precisamos que confies em nós.
A palavra confiança ficou a ecoar na minha cabeça. Confiança… Eu confiava no meu filho, claro que sim. Mas também sabia o quanto ele era impulsivo. Lembrei-me de quando quis largar o curso de Engenharia para ser músico. Ou quando comprou aquele carro velho sem me dizer nada e depois ficou sem travões na autoestrada.
— E se vos desse algum dinheiro para ajudarem a arrendar um apartamento aqui? — sugeri, quase sem pensar.
O silêncio foi imediato. O Miguel olhou-me como se eu tivesse acabado de o trair.
— Não percebes mesmo nada… — murmurou ele, levantando-se bruscamente da mesa.
A Sofia ficou sentada, visivelmente desconfortável. — Dona Teresa, nós só queríamos tentar…
— Eu sei, querida. Mas aquela casa… é especial para mim. Não quero vê-la estragada ou vazia se as coisas não correrem bem.
O Miguel saiu da cozinha sem olhar para trás. Fiquei ali sentada com a Sofia, ambas em silêncio, ouvindo apenas o tique-taque do relógio da parede.
Nessa noite não consegui dormir. O meu marido António tentou acalmar-me:
— Deixa-os ir, Teresa. Eles têm de aprender por eles próprios.
Mas eu não conseguia afastar o medo de os ver falhar. De os ver magoados. E se discutissem? E se se separassem? E se destruíssem tudo aquilo que o meu pai construiu com tanto esforço?
No dia seguinte tentei falar com o Miguel, mas ele evitava-me. Passaram-se dias assim. O ambiente em casa tornou-se insuportável. O António começou a ficar farto das discussões:
— Teresa, estás a perder o teu filho por causa de uma casa velha!
Mas não era só uma casa velha. Era o último elo com as minhas origens. Era onde eu própria tinha sido feliz em criança.
Uma tarde, fui até à casa de campo sozinha. O portão rangia como sempre. Entrei e sentei-me no velho banco do alpendre. O cheiro da terra molhada trouxe-me lágrimas aos olhos. Lembrei-me do meu pai a rir-se alto, da minha mãe a fazer compotas na cozinha.
Peguei no telemóvel e liguei ao Miguel.
— Filho… desculpa se fui dura contigo. Só tenho medo que te magoes.
Do outro lado ouvi-o suspirar:
— Eu sei, mãe. Mas preciso que confies em mim.
Voltei para Lisboa com o coração apertado. O António abraçou-me quando entrei em casa:
— Tens de decidir: queres proteger o teu filho ou queres vê-lo crescer?
Naquela noite sonhei com o meu pai. Ele sorria-me e dizia: “Deixa-o voar”.
No dia seguinte sentei-me com o Miguel e a Sofia.
— Se querem mesmo ir para Alenquer… vão. Mas prometam-me uma coisa: cuidem daquela casa como se fosse vossa.
O Miguel sorriu pela primeira vez em dias e abraçou-me com força.
Agora olho para trás e pergunto-me: fiz bem? Será que proteger os filhos é impedi-los de errar? Ou será que amar é deixá-los partir mesmo quando nos dói?
E vocês? Já tiveram de escolher entre proteger quem amam e deixá-los seguir o próprio caminho?