Um Coração de Mãe em Silêncio: O Medo que Dividiu a Minha Família

— Teresa, não me escondas nada. O que é que se passa com o Miguel? — A voz do António ecoou pela cozinha, carregada de uma preocupação que já não conseguia disfarçar.

Fiquei ali, de costas para ele, a fingir que lavava a loiça, mas as mãos tremiam-me tanto que quase deixei cair o prato. O Miguel tinha chegado tarde outra vez, olhos vermelhos, cheiro estranho na roupa. Eu sabia. Sabia há meses. Mas como dizer ao António? Como admitir que o nosso filho estava a perder-se e eu não sabia como salvá-lo?

O silêncio entre nós era pesado, quase sufocante. O António aproximou-se e pousou a mão no meu ombro. — Teresa, fala comigo. — A voz dele era baixa, mas firme. Senti as lágrimas a quererem romper, mas engoli-as. Não podia. Se lhe dissesse tudo, se ele soubesse o que eu já sabia há tanto tempo, talvez me culpasse. Talvez me deixasse.

Lembro-me da primeira vez que desconfiei. O Miguel tinha 15 anos e começou a chegar tarde a casa. Dizia sempre que estava com os amigos, que tinha ficado a estudar na casa do João ou da Mariana. Mas as notas começaram a cair, os professores ligavam-me a dizer que ele faltava às aulas. Eu confrontava-o e ele gritava comigo, dizia que eu era uma controladora, que não confiava nele.

— Mãe, deixa-me em paz! — gritou ele uma noite, batendo com a porta do quarto.

O António trabalhava muito, chegava tarde e cansado. Eu não queria preocupá-lo. Pensava: “É só uma fase. Vai passar.” Mas não passou. O Miguel começou a trazer amigos estranhos para casa, gente que eu nunca tinha visto na vida. Uma vez encontrei uma embalagem de comprimidos no bolso do casaco dele. Fiquei gelada. Escondi-a na gaveta da cozinha e nunca lhe disse nada.

Os meses passaram e o Miguel foi-se afastando cada vez mais. Eu tentava falar com ele, tentava abraçá-lo, mas ele fugia de mim como se eu fosse o inimigo. O António começou a notar as mudanças.

— O Miguel anda estranho — disse-me uma noite enquanto jantávamos em silêncio.

— É só a adolescência — menti eu, forçando um sorriso.

Mas dentro de mim crescia um medo terrível. E se ele estivesse metido em coisas piores? E se um dia não voltasse para casa?

Uma noite ouvi barulho na rua e fui à janela. Vi o Miguel encostado ao muro com dois rapazes mais velhos. Estavam a trocar qualquer coisa. Senti o coração a bater tão forte que pensei que ia desmaiar. Quis sair porta fora e gritar com ele, mas fiquei paralisada pelo medo.

No dia seguinte tentei falar com ele.

— Miguel, precisamos de conversar.

Ele olhou para mim com um desprezo gelado.

— Não tenho nada para te dizer.

— Filho, eu amo-te. Só quero ajudar-te.

Ele riu-se na minha cara.

— Ajudar-me? Tu nem sabes quem eu sou!

Fechou-se no quarto e eu fiquei ali, sozinha na sala, abraçada ao casaco dele, a chorar baixinho para ninguém ouvir.

O António começou a desconfiar do meu silêncio.

— Teresa, tu sabes mais do que dizes. Não me escondas nada.

Mas eu continuava a calar-me. Tinha medo de admitir que tinha falhado como mãe. Tinha medo de perder o António, de ele me culpar por tudo isto.

O tempo foi passando e o Miguel afundava-se cada vez mais. Uma noite não voltou para casa. Liguei-lhe dezenas de vezes, mas o telemóvel estava desligado. Fui à polícia, mas disseram-me para esperar até ao dia seguinte.

O António ficou furioso quando soube.

— Como é possível não sabermos onde está o nosso filho? Teresa, tu sabias disto? Sabias que ele andava metido em problemas?

Eu desatei a chorar e contei-lhe tudo: as faltas às aulas, os comprimidos, os amigos estranhos. Ele ficou branco como a cal e saiu de casa sem dizer uma palavra.

Passei a noite sozinha na sala, sentada no sofá com o telemóvel na mão. Cada vez que tocava pensava que era o Miguel ou alguém da polícia. Mas nada.

De manhã o António voltou para casa. Tinha os olhos vermelhos de tanto chorar.

— Porque é que não me disseste nada? — perguntou ele num sussurro.

— Tive medo — respondi eu, quase sem voz. — Medo de te perder.

Ele sentou-se ao meu lado e abraçou-me como já não fazia há meses. Chorámos juntos até não termos mais lágrimas para chorar.

O Miguel apareceu dois dias depois, sujo, magro, com olheiras fundas. Olhou para nós como se fôssemos estranhos.

— Desculpem — disse ele baixinho.

Levamo-lo ao hospital e depois começou um longo caminho de recuperação. Terapias, consultas, discussões intermináveis em casa sobre o futuro dele e o nosso como família.

O António perdoou-me por ter escondido tudo dele, mas nunca mais fomos os mesmos. O silêncio ficou entre nós como uma sombra difícil de dissipar.

Hoje olho para trás e pergunto-me: teria sido diferente se eu tivesse falado mais cedo? Quantas famílias vivem presas pelo medo e pelos segredos? Será possível reconstruir o amor depois de tanta dor?