“Porque sou sempre eu a ceder?” – A minha vida como nora na casa da minha sogra

— Não deixes cair migalhas no chão, Mariana! — A voz da minha sogra ecoou pela cozinha, cortando o silêncio da manhã como uma faca afiada. Eu estava a preparar torradas para o pequeno-almoço, os olhos ainda pesados de sono, quando ela entrou, já vestida e maquilhada como se fosse sair para um evento importante. — Aqui em casa, gosto das coisas limpas.

Apertei os lábios, engolindo a resposta que me queimava na garganta. Era sempre assim. Desde que me casei com o Rui e viemos viver para a casa dos pais dele, nunca houve um dia em que me sentisse verdadeiramente em casa. A casa era dela. As regras eram dela. E eu… eu era apenas mais uma peça no seu tabuleiro.

O Rui entrou na cozinha nesse momento, distraído com o telemóvel. — Bom dia, mãe. Bom dia, amor — disse, sem levantar os olhos do ecrã.

A sogra lançou-lhe um sorriso terno, tão diferente do olhar frio que me reservava. — Bom dia, filho. Dormiste bem?

— Dormi, sim. Mariana, fizeste café?

— Ainda não tive tempo — respondi, tentando não soar irritada.

— Então fazes? — pediu ele, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Senti-me invisível. Mais uma vez, era eu a responsável por tudo. O café, as torradas, a loiça… E ninguém parecia notar o meu esforço. Ou pior: notavam e achavam que era apenas o meu dever.

Depois do pequeno-almoço, enquanto lavava a loiça, ouvi a minha sogra a falar com uma vizinha ao telefone na sala.

— A Mariana? Sim, é boa rapariga, mas sabes como é… As de hoje já não são como nós éramos. Precisa de aprender muita coisa ainda.

As palavras dela cravaram-se em mim como agulhas. Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos, mas forcei-me a continuar a esfregar os pratos. Não podia mostrar fraqueza. Não ali.

À noite, depois de mais um jantar em que fui eu a cozinhar e a limpar tudo sozinha — porque a sogra dizia que estava cansada e o Rui tinha trabalho para acabar — sentei-me na cama e olhei para o teto. O Rui entrou no quarto e sentou-se ao meu lado.

— Estás chateada? — perguntou ele, finalmente reparando em mim.

— Sinto-me sozinha aqui, Rui. Sinto que nunca faço nada bem feito aos olhos da tua mãe. E tu… tu nunca me defendes.

Ele suspirou. — Mariana, sabes como ela é. Já tem uma certa idade… Não vale a pena stressares com isso.

— Não vale a pena? Rui, todos os dias sou tratada como empregada nesta casa! Não aguento mais!

Ele levantou-se abruptamente. — Olha, se não estás feliz aqui, talvez devesses ir passar uns dias à tua mãe.

As palavras dele magoaram-me mais do que qualquer coisa que a sogra pudesse dizer. Senti-me rejeitada na minha própria casa.

No dia seguinte, acordei decidida a falar com a minha sogra. Encontrei-a na sala, sentada no sofá com o seu bordado.

— Dona Teresa, posso falar consigo?

Ela olhou-me por cima dos óculos. — Diz lá.

— Eu gostava de pedir-lhe para dividir algumas tarefas da casa. Sinto que estou a ficar sobrecarregada…

Ela interrompeu-me com um gesto impaciente. — Mariana, quando eu tinha a tua idade já tinha três filhos e trabalhava fora! Nunca precisei que ninguém me aliviasse o peso das minhas responsabilidades. Se queres ser boa esposa para o meu filho, tens de aprender a gerir estas coisas.

Senti o chão fugir-me dos pés. Era inútil tentar argumentar.

Os dias passaram e o ambiente ficou cada vez mais pesado. Comecei a evitar estar em casa; arranjava desculpas para sair com amigas ou visitar a minha mãe. Quando voltava, sentia sempre aquele olhar de desconfiança da sogra e o silêncio desconfortável do Rui.

Uma noite, depois de uma discussão acesa porque me atrasei no jantar — tinha ficado presa no trânsito depois do trabalho — fechei-me na casa de banho e chorei baixinho para ninguém ouvir. Olhei-me ao espelho: os olhos vermelhos, as olheiras profundas… Quem era aquela mulher? Onde estava a Mariana alegre e sonhadora que acreditava no amor?

No domingo seguinte, durante o almoço de família, tudo explodiu. A sogra criticou-me à frente de todos porque o arroz estava “empapado” e o Rui limitou-se a encolher os ombros.

— Se não sabes cozinhar arroz, Mariana, pede à tua mãe para te ensinar — disse ela com um sorriso venenoso.

Levantei-me da mesa sem dizer uma palavra e fui para o quarto arrumar as minhas coisas. A minha cunhada Inês veio atrás de mim.

— Mariana… não ligues à mãe. Ela sempre foi assim…

— Mas eu não aguento mais! — gritei entre soluços. — Eu amo o Rui, mas não posso continuar a viver assim!

Inês abraçou-me e sussurrou: — Talvez esteja na altura de pensares em ti primeiro.

Naquela noite dormi pouco. O Rui tentou falar comigo mas eu já não tinha forças para discutir. De manhã fiz as malas e fui para casa da minha mãe.

A minha mãe recebeu-me de braços abertos e lágrimas nos olhos.

— Filha… já devias ter vindo há mais tempo.

Durante semanas tentei recuperar-me. O Rui ligava todos os dias mas eu não atendia. Precisava de tempo para pensar no que queria para mim.

Um mês depois ele apareceu à porta da minha mãe.

— Mariana… desculpa. Eu devia ter-te defendido. Devia ter-te protegido da minha mãe…

Olhei-o nos olhos e vi arrependimento sincero. Mas também vi medo: medo de crescer, medo de cortar o cordão umbilical com aquela mulher dominadora.

— Rui… eu amo-te. Mas não posso voltar para aquela casa enquanto nada mudar.

Ele prometeu procurar um apartamento só nosso. Prometeu pôr limites à mãe dele. Prometeu ser meu parceiro e não apenas filho dela.

Hoje escrevo esta história do nosso pequeno T2 alugado em Almada. Ainda estamos a aprender a ser família sem interferências externas. A sogra liga todos os dias mas agora é ele quem atende e põe limites quando necessário.

Às vezes pergunto-me: quantas mulheres portuguesas vivem presas neste ciclo de agradar toda a gente menos a si próprias? Até quando vamos ceder antes de nos perdermos completamente?