O Dia em que Conheci o Futuro Sogro do Meu Filho: Entre o Medo e o Amor
— Mãe, por favor, comporta-te. — A voz do meu filho, Diogo, tremia entre a ansiedade e a esperança. Eu sentia o suor escorrer pela palma da minha mão enquanto segurava a chávena de café na sala de estar da casa da futura nora, em Almada. O cheiro a bacalhau com natas misturava-se com o aroma forte de aguardente que pairava no ar desde que o pai da Mariana entrou na sala, já com os olhos vermelhos e a fala arrastada.
— Não te preocupes, Diogo. Eu só quero o melhor para ti. — respondi, tentando esconder o nervosismo na minha voz. Mas por dentro, o meu coração batia tão forte que parecia querer saltar-me do peito.
O senhor António, homem alto, de bigode espesso e olhar perdido, sentou-se à minha frente. O silêncio era pesado, cortado apenas pelo tilintar dos copos. Ele olhou-me nos olhos e, sem rodeios, disse:
— Então, é a mãe do rapaz? Espero que saiba ao que vem. Aqui não há lugar para gente fraca.
Senti um arrepio percorrer-me a espinha. Mariana, a noiva do meu filho, baixou os olhos, envergonhada. A mãe dela tentava disfarçar a tensão, servindo mais vinho como se isso pudesse apagar o embaraço.
— António, por favor… — murmurou ela, mas ele ignorou-a.
Naquele momento, percebi que tudo o que eu tinha idealizado para o futuro do meu filho estava em risco. Sempre fui uma mãe protetora. Depois de perder o meu marido num acidente de viação há dez anos, dediquei-me inteiramente ao Diogo. Trabalhei como enfermeira no Hospital de Santa Maria, fiz turnos duplos para garantir que nada lhe faltasse. Vi-o crescer sozinho, vi-o chorar noites inteiras pela ausência do pai. Prometi a mim mesma que nunca deixaria nada de mau acontecer-lhe.
Mas ali estava eu, diante de um homem que representava tudo aquilo de que sempre quis proteger o meu filho: instabilidade, violência latente, vícios escondidos atrás de uma fachada de autoridade.
— Diogo, podemos falar lá fora? — pedi, levantando-me com dificuldade.
Ele seguiu-me até à varanda. O ar fresco da noite não conseguiu acalmar a tempestade dentro de mim.
— Mãe, não faças isto agora… — sussurrou ele.
— Diogo, tu viste como ele está! Não achas que devias pensar melhor antes de te envolveres com esta família?
Ele olhou-me com uma dor profunda nos olhos.
— Mãe, eu amo a Mariana. Ela não é o pai dela. Não podes julgar uma pessoa pela família.
— Mas tu sabes como estas coisas são… E se ele se mete na vossa vida? E se ela for como ele?
Diogo afastou-se um pouco, respirando fundo.
— Eu não sou tu, mãe. Eu quero tentar. Não me peças para desistir só porque tens medo.
Voltei para dentro com o coração apertado. O jantar prosseguiu num clima tenso. O senhor António continuava a beber e a lançar provocações veladas:
— O rapaz parece ser bom moço… mas será que aguenta uma mulher como a minha filha? Aqui em casa não se brinca.
Mariana corou e apertou a mão do Diogo por baixo da mesa. Eu vi nos olhos dela um pedido de desculpa silencioso.
Depois do jantar, enquanto ajudava a arrumar a cozinha com a mãe da Mariana, tentei puxar conversa:
— Ele é sempre assim?
Ela suspirou fundo.
— Tem dias melhores… mas quando bebe… — fez uma pausa — Não é fácil viver assim. Mas a Mariana é diferente. Ela sonha sair daqui há anos.
Senti pena daquela mulher e da filha. Mas também senti medo pelo meu filho.
Nos dias seguintes, Diogo evitou falar sobre aquele jantar. Eu via-o mais calado, mais distante. Uma noite, ouvi-o ao telefone com Mariana:
— Não quero que sofras por causa do teu pai… — dizia ele baixinho — Mas também não quero perder-te.
Eu sabia que estava a ser egoísta. Mas como mãe solteira em Portugal, sei bem como as escolhas erradas podem marcar uma vida inteira. Vi tantas famílias destruídas pelo álcool no hospital…
Uma tarde, Mariana veio cá a casa sozinha. Trouxe um bolo de laranja e um sorriso tímido.
— Dona Teresa… posso falar consigo?
Assenti e sentei-me com ela na sala.
— Sei que não gosta do meu pai… Eu também não gosto dele assim. Mas eu amo o Diogo. E prometo-lhe: nunca vou deixar que nada de mau lhe aconteça por minha causa.
Olhei para aquela rapariga frágil mas determinada e senti uma pontada de vergonha pela minha desconfiança.
— Mariana… eu só quero proteger o meu filho. Já perdi tanto…
Ela pegou na minha mão.
— Eu também só quero ser feliz com ele. Talvez juntas possamos protegê-lo dos nossos medos.
Nesse momento percebi que estava a lutar contra fantasmas do passado e não contra aquela jovem à minha frente.
O tempo passou e os preparativos para o casamento avançaram entre altos e baixos. O senhor António continuava imprevisível: ora aparecia sóbrio e simpático, ora criava cenas embaraçosas nas reuniões familiares.
Uma semana antes do casamento, Diogo entrou em casa transtornado:
— Mãe… hoje o pai da Mariana bateu-lhe. Ela está em casa da mãe dela agora.
Senti o mundo desabar sob os meus pés.
— E agora? Vais mesmo casar?
Ele olhou-me com lágrimas nos olhos.
— Mais do que nunca. Ela precisa de mim… e eu preciso dela.
Fui visitar Mariana nessa noite. Encontrei-a com um olho negro e um sorriso triste.
— Não vou deixar que ele me defina — disse ela — Vou sair desta casa para sempre.
Abracei-a como se fosse minha filha.
No dia do casamento, o senhor António apareceu embriagado à porta da igreja. Gritou insultos, tentou impedir a cerimónia. Os convidados ficaram chocados; alguns sugeriram chamar a polícia. Mas Diogo olhou para mim e para Mariana e disse:
— Hoje é o nosso dia. Ninguém nos vai roubar isto.
E casaram-se assim mesmo: entre lágrimas e sorrisos nervosos, mas com uma força que eu nunca tinha visto no meu filho.
Agora olho para trás e penso em tudo o que vivi desde aquele jantar fatídico. Pergunto-me se fiz bem em tentar proteger tanto o Diogo ou se devia ter confiado mais nele desde o início. Será que as nossas feridas passadas justificam os medos que impomos aos nossos filhos? Ou devemos deixá-los cair para aprenderem a levantar-se sozinhos?
E vocês? Até onde iriam para proteger quem amam? Ou será que amar é mesmo saber deixar ir?