Entre o Amor e o Silêncio: O Peso de Ser Madrasta em Portugal

— Não és minha mãe! — gritou a Inês, com os olhos cheios de lágrimas e raiva, enquanto batia com a porta do quarto. Fiquei ali, parada no corredor, com o coração apertado e as mãos a tremer. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Como é que cheguei aqui? Como é que uma mulher como eu, que sempre sonhou com uma família unida, se tornou o alvo do ódio de uma adolescente perdida?

Chamo-me Teresa, tenho 43 anos e vivo em Coimbra. Quando conheci o Rui, há oito anos, ele era viúvo há pouco tempo e tinha uma filha de nove anos, a Inês. O Rui era tudo o que eu sempre quis: carinhoso, trabalhador, com um sorriso triste que me fazia querer cuidar dele. A Inês era uma menina calada, sempre agarrada ao pai, desconfiada de tudo e de todos. No início, pensei que era normal. Afinal, tinha perdido a mãe há pouco tempo.

Os primeiros meses foram um desafio. A Inês recusava-se a falar comigo. Quando o Rui não estava em casa, ela trancava-se no quarto ou punha os fones nos ouvidos. Eu tentava aproximar-me — fazia-lhe o lanche favorito, perguntava-lhe pelo dia na escola — mas ela respondia sempre com monossílabos ou nem respondia de todo. O Rui dizia-me para ter paciência. “Ela vai habituar-se”, dizia ele. Mas os meses passaram e nada mudou.

Lembro-me de uma noite em particular. Estava a preparar o jantar quando ouvi vozes na sala. A Inês estava a discutir com o pai.

— Não quero ir ao jantar da Teresa! — gritava ela.
— Inês, ela faz parte da nossa vida agora. Tens de aceitar isso.
— Nunca vai ser a minha mãe!

Fiquei ali, atrás da porta da cozinha, a ouvir cada palavra como se fossem facas a cortar-me por dentro. Senti-me uma intrusa na minha própria casa.

Com o tempo, as coisas só pioraram. A Inês começou a faltar às aulas. Recebia chamadas da escola a dizer que ela não aparecia ou que chegava atrasada. Um dia, encontrei um maço de cigarros escondido na mochila dela. Quando confrontei o Rui, ele encolheu os ombros.

— É só uma fase. Todos os adolescentes passam por isto.

Mas eu sabia que não era só isso. Ela estava a pedir ajuda à sua maneira — mas não era a mim que queria recorrer.

Tentei tudo: levei-a ao psicólogo, inscrevi-a em aulas de dança, tentei conversar com ela sobre a mãe. Mas cada tentativa era recebida com mais hostilidade.

— Não preciso da tua pena! — atirou-me um dia, depois de lhe sugerir irmos juntas ao cemitério visitar a mãe dela.

O Rui começou a afastar-se de mim. As discussões entre nós tornaram-se frequentes.

— Estás sempre em cima dela! Deixa-a respirar!
— E tu? Vais continuar a fingir que está tudo bem?

As noites tornaram-se frias e longas. Muitas vezes adormecia a chorar, sentindo-me sozinha numa casa cheia de gente.

Quando engravidei do nosso filho, o Rui ficou radiante. Achei que talvez isso unisse a família. Mas para a Inês foi como se eu estivesse a substituir a mãe dela de vez. Ela começou a sair de casa sem avisar, chegava tarde e mal falava comigo ou com o pai.

O nosso filho nasceu prematuro e passei semanas no hospital. O Rui ficou encarregado da casa e da Inês. Quando voltei, encontrei uma adolescente ainda mais revoltada e um marido exausto.

Uma noite, ouvi barulho na cozinha às três da manhã. Encontrei a Inês sentada à mesa, olhos vermelhos e um copo de vinho à frente.

— O que estás aqui a fazer? — perguntei baixinho.
Ela olhou para mim com desprezo.
— A tentar esquecer que existes.

Sentei-me à frente dela e tentei não chorar.
— Eu só quero ajudar-te…
— Não quero a tua ajuda! Nunca quis!

Nesse momento percebi: talvez nunca fosse suficiente. Talvez nunca fosse vista como família por ela.

O Rui tentou intervir várias vezes, mas acabava sempre por tomar o partido da filha. Comecei a sentir-me invisível dentro da minha própria casa. O nosso casamento foi-se desgastando até ao ponto em que já só falávamos sobre coisas práticas: contas para pagar, horários do bebé, recados para fazer.

Um dia, depois de mais uma discussão acesa entre mim e a Inês — desta vez porque ela tinha sido apanhada pela polícia numa festa ilegal — o Rui virou-se para mim:

— Se não consegues lidar com ela, talvez devesses ir para casa da tua mãe uns tempos.

Fiquei sem chão. Era eu quem tinha segurado aquela casa durante anos e agora era eu quem devia sair?

Fui para casa da minha mãe durante duas semanas. Chorei todos os dias. Senti-me um fracasso como mulher, como mãe, como esposa. A minha mãe tentava consolar-me:

— Filha, há pessoas que não querem ser salvas. Fizeste tudo o que podias.

Quando voltei para casa, encontrei uma carta da Inês no meu quarto:

“Desculpa se te odeio tanto. Não sei como parar.”

Li aquelas palavras vezes sem conta. Pela primeira vez percebi que talvez ela também estivesse perdida — tanto quanto eu.

Hoje em dia, passados três anos desde esse episódio, as coisas estão melhores mas nunca foram perfeitas. A Inês acabou por terminar o secundário à segunda tentativa e foi viver para Lisboa com umas amigas. O Rui e eu continuamos juntos, mas há feridas que nunca sararam completamente.

Às vezes pergunto-me se valeu a pena todo este esforço. Se algum dia serei vista como mais do que “a mulher do pai” pela Inês. Mas também sei que tentei tudo — e talvez isso seja suficiente para mim.

Será que alguém consegue realmente amar um filho que não é seu? Ou será sempre um amor condenado ao fracasso? Gostava de saber se alguém já passou pelo mesmo…