Entre a Minha Mãe e a Minha Mulher: Quando o Meu Marido Escolheu Ficar com a Mãe
— Não percebes, Mariana? Ela precisa de mim! — gritou o Ricardo, com os olhos vermelhos de cansaço e frustração.
Fiquei ali, parada no corredor do nosso pequeno apartamento em Almada, com as mãos trémulas e o coração aos pulos. O cheiro do jantar queimado invadia a casa, mas nem me dei ao trabalho de desligar o fogão. Só conseguia olhar para ele, para aquele homem que prometeu ser meu companheiro, mas que agora parecia tão distante como um estranho.
— E eu? Eu não preciso de ti? — perguntei, a voz embargada, quase um sussurro.
Ricardo desviou o olhar. O silêncio entre nós era pesado, quase sufocante. Lá fora, ouvia-se o barulho dos carros na rua e o riso das crianças a brincar no pátio. Aqui dentro, só havia mágoa.
Tudo começou há dois anos, quando a mãe do Ricardo, Dona Lurdes, ficou viúva. Ele era filho único e sempre teve uma ligação muito forte com ela. No início, compreendi. A dor da perda era enorme e ela precisava de apoio. Mas os meses passaram e ele passava cada vez mais tempo na casa dela. Primeiro eram só os fins de semana, depois começou a dormir lá durante a semana também. Quando dei por mim, estava sozinha na nossa cama quase todas as noites.
As discussões tornaram-se rotina. Eu sentia-me cada vez mais invisível.
— Mariana, tu sabes que a minha mãe não tem mais ninguém! — dizia ele sempre que eu tentava explicar como me sentia.
— E eu? Eu sou tua mulher! Não mereço também um bocadinho do teu tempo?
Ele suspirava, cansado, como se eu fosse uma criança birrenta. E eu odiava sentir-me assim — pequena, desimportante.
A Dona Lurdes nunca gostou muito de mim. Sempre achei que ela me via como alguém que lhe roubou o filho. Quando íamos lá jantar ao domingo, ela fazia questão de lembrar como o Ricardo era um menino exemplar antes de casar comigo. Uma vez ouvi-a dizer à vizinha:
— Agora está sempre cansado… Não sei o que aquela rapariga lhe faz.
Fingi não ouvir, mas aquilo ficou-me atravessado na garganta durante semanas.
O ponto de rutura chegou numa noite fria de janeiro. Tinha tido um dia horrível no trabalho — o patrão gritou comigo por causa de um erro que nem foi meu — e só queria chegar a casa e sentir um abraço. Mas quando abri a porta, encontrei a casa vazia e escura. Liguei ao Ricardo:
— Onde estás?
— Estou na minha mãe. Ela não se está a sentir bem…
— E eu? Eu também não estou bem!
Ele ficou em silêncio. Depois disse apenas:
— Amanhã falamos.
Desliguei e chorei até adormecer no sofá.
No dia seguinte, tentei falar com ele calmamente. Disse-lhe que me sentia sozinha, que precisava dele ao meu lado. Ele ouviu-me em silêncio, mas no fim disse:
— Mariana, não posso abandonar a minha mãe agora. Ela só tem a mim.
— E eu? Quem é que eu tenho?
Ele não respondeu.
Os dias passaram e fui-me habituando à solidão. Comecei a sair mais com as minhas amigas — a Ana e a Sofia — que sempre me apoiaram. Uma noite fomos jantar ao Bairro Alto e acabei por desabafar tudo:
— Sinto que estou a perder o Ricardo…
A Ana olhou-me nos olhos:
— E tu? Não te estás a perder a ti própria?
Aquela pergunta ficou-me na cabeça durante dias.
Entretanto, as coisas em casa pioraram. A Dona Lurdes começou a ligar-me diretamente:
— Mariana, o Ricardo vai jantar cá hoje outra vez. Não te importas, pois não?
A voz dela era doce mas cheia de veneno.
Comecei a sentir-me uma intrusa na minha própria vida. O Ricardo já nem fazia esforço para esconder que preferia estar com a mãe. Uma noite cheguei a casa e encontrei as roupas dele arrumadas em sacos no corredor.
— O que é isto?
Ele apareceu à porta do quarto, com ar envergonhado.
— Vou ficar uns tempos com a minha mãe… Até ela melhorar.
Senti o chão fugir-me dos pés.
— E nós? O nosso casamento?
Ele encolheu os ombros:
— Preciso de tempo.
Durante semanas vivi num limbo estranho — nem casada, nem solteira. Os meus pais tentaram apoiar-me, mas também não sabiam bem o que dizer. O meu pai sugeriu que fosse falar com um padre da paróquia:
— Às vezes ajuda desabafar com alguém de fora…
Fui à igreja numa tarde chuvosa e sentei-me no banco do fundo. O padre Manuel ouviu-me em silêncio e depois disse:
— Mariana, às vezes amar alguém significa deixá-lo ir… para perceber se quer voltar.
Saí dali ainda mais confusa.
Os meses passaram e fui aprendendo a viver sozinha. Comecei a fazer yoga, inscrevi-me num curso de fotografia e até fiz uma viagem sozinha ao Gerês. Descobri coisas sobre mim que nunca imaginei — como gosto de estar em silêncio na natureza, como sou capaz de conduzir horas sozinha sem medo.
O Ricardo continuava na casa da mãe. De vez em quando mandava mensagens:
— Está tudo bem contigo?
Respondi sempre educadamente, mas nunca mais insisti para ele voltar.
Um dia encontrei-o por acaso no supermercado. Estava mais magro e tinha olheiras fundas.
— Mariana…
Ficámos ali parados uns segundos, sem saber o que dizer.
— A minha mãe está pior… — disse ele finalmente.
Assenti com a cabeça.
— Espero que consigas encontrar paz — respondi apenas.
Quando cheguei a casa chorei tudo outra vez. Mas dessa vez foi diferente — não era tristeza por ele ter escolhido outra pessoa. Era tristeza por mim própria, por tudo o que aguentei calada durante tanto tempo.
Hoje olho para trás e vejo uma mulher diferente no espelho. Mais forte, mais independente. Ainda dói pensar no Ricardo e na família que sonhámos construir juntos. Mas aprendi que não posso ser feliz à custa da minha própria felicidade.
Às vezes pergunto-me: quantas mulheres vivem presas entre as expectativas da família e os seus próprios sonhos? Quantas vezes sacrificamos quem somos para agradar aos outros? Será que vale mesmo a pena?