O Choro Incessante do Apartamento 3B: A Verdade Que Mudou Tudo

— Outra vez, mãe? — sussurrei, encostada à porta do nosso apartamento, enquanto o choro atravessava as paredes finas do prédio antigo na Rua dos Anjos. O relógio marcava três da manhã. O meu irmão, Tiago, revirou-se na cama e puxou o cobertor até ao queixo. O som vinha do 3B, como sempre. Um lamento infantil, agudo, interminável.

A minha mãe, Dona Lurdes, suspirou fundo. — Não podemos fazer nada, Inês. Já tentámos falar com eles. — Mas a voz dela tremia. Eu sabia que ela também não dormia há semanas.

No dia seguinte, no elevador, cruzei-me com a Dona Rosa do 2A. — Aquilo não é normal, menina Inês. Uma criança não chora assim sem razão. — Olhou-me nos olhos, como se esperasse que eu fizesse alguma coisa.

Durante meses, o prédio inteiro viveu em sobressalto. O choro vinha sempre à noite, às vezes durante horas. Ninguém via a criança. Só víamos a mãe, a Sra. Carla, uma mulher magra de cabelo escuro sempre apanhado num carrapito desleixado. Passava por nós de cabeça baixa, sacos de supermercado nas mãos e olheiras profundas.

Uma tarde, criei coragem e bati à porta do 3B. O meu coração batia tão forte que temi que ela ouvisse. Ouvi passos arrastados e depois silêncio. Bati outra vez.

— Quem é? — perguntou uma voz rouca.

— Sou a Inês, do 4A… queria saber se está tudo bem… — A minha voz saiu trémula.

A porta abriu-se uma fresta. Vi apenas um olho castanho e assustado.

— Está tudo bem, obrigada — disse ela rapidamente, fechando logo de seguida.

Voltei para casa com um nó na garganta. Contei à minha mãe e ao Tiago. — Não podemos simplesmente ignorar isto! — gritei, sentindo-me impotente.

O tempo passou e o choro continuou. No café da esquina, os vizinhos murmuravam teorias: — Dizem que o marido dela foi-se embora e deixou-a sozinha com a miúda… — Ouvi o Sr. António comentar. — Aquilo não é vida para ninguém.

Uma noite de tempestade, o choro tornou-se um grito desesperado. Ouvimos barulhos estranhos, como se algo caísse ao chão. O Tiago levantou-se de um salto: — Isto não pode continuar!

A minha mãe ligou para a polícia. — Não aguento mais ouvir aquela criança sofrer! — chorou ela ao telefone.

Quando os agentes chegaram, hesitaram à porta do 3B. Bateram várias vezes. Silêncio. Depois ouviram-se passos apressados lá dentro e um soluço abafado.

— Abra a porta, por favor! Polícia! — gritou um dos agentes.

Nada.

Foi então que arrombaram a porta.

Corremos todos para o corredor. O cheiro a mofo e comida estragada invadiu-nos as narinas. Dentro do apartamento estava escuro e frio. A Sra. Carla estava sentada no chão da cozinha, abraçada a uma menina pequena de cabelo encaracolado e olhos enormes cheios de medo.

A criança tremia e tinha marcas nos braços. A casa estava desarrumada, pratos sujos empilhados na pia, brinquedos partidos pelo chão.

— Não me tirem a minha filha! — gritava a Sra. Carla enquanto os polícias tentavam acalmá-la.

A assistente social chegou pouco depois. Levou a menina nos braços enquanto a mãe era amparada por outro agente.

O prédio ficou em silêncio pela primeira vez em meses.

Na manhã seguinte, ninguém sabia o que dizer uns aos outros no elevador. O Tiago olhou para mim com lágrimas nos olhos: — Fizemos o que era certo?

Durante dias só se falava disso no bairro. Descobrimos que a Sra. Carla sofria de depressão profunda desde que o marido a abandonara. Não tinha família em Lisboa e vivia isolada, sem apoio nem recursos.

A menina, Leonor, foi entregue temporariamente a uma família de acolhimento enquanto a mãe recebia tratamento psiquiátrico.

Senti-me culpada por não ter feito mais cedo alguma coisa. E se tivéssemos batido mais vezes à porta? E se tivéssemos insistido em ajudar?

Meses depois, vi a Sra. Carla no jardim do bairro com Leonor pela mão. Pareciam diferentes: mais leves, sorridentes até.

Aproximei-me devagar.

— Olá… está tudo bem agora? — perguntei baixinho.

Ela sorriu tristemente: — Estamos a tentar… Obrigada por não terem desistido de nós.

Fiquei ali parada a vê-las afastarem-se, sentindo um alívio estranho misturado com tristeza.

Às vezes pergunto-me: quantas Carlas e Leonores existem escondidas atrás de portas fechadas? E quantas vezes viramos as costas ao sofrimento dos outros por medo ou impotência?

Será que fizemos mesmo tudo o que podíamos? E vocês… o que teriam feito no meu lugar?