“Dá-me as chaves, por favor, Teresa”: Como a minha sogra ultrapassou todos os limites e eu tive de a pôr fora de casa
— Teresa, por favor, não mexas nas minhas gavetas! — gritei, já sem conseguir conter o desespero, quando a vi novamente na nossa cozinha, a remexer nos talheres como se fosse dona da casa.
Ela virou-se para mim com aquele sorriso condescendente que sempre me tirou do sério. — Oh, Mariana, só estou a tentar ajudar. O Miguel gosta das coisas organizadas, sabes bem.
A minha respiração acelerou. O Miguel, meu marido, estava no trabalho. Mais uma vez, eu ficava sozinha a lidar com a mãe dele e as suas “boas intenções”. Desde que nos mudámos para este apartamento em Almada, há pouco mais de um ano, Teresa arranjou maneira de ter uma cópia das chaves. No início achei prático — afinal, ela podia regar as plantas ou alimentar o nosso gato quando íamos de férias. Mas rapidamente percebi que ela usava as chaves para muito mais do que isso.
Começou com pequenas visitas surpresa. Depois passou a aparecer quase todos os dias, sempre com uma desculpa: trazer pão fresco, ver se precisávamos de alguma coisa, ou simplesmente “passar o tempo”. Mas o pior era quando mexia nas minhas coisas. Uma vez encontrei o meu diário aberto em cima da cama. Noutra ocasião, reorganizou todo o meu armário porque “não fazia sentido nenhum como estava”.
Contei tudo ao Miguel numa noite em que cheguei ao limite. Ele suspirou e tentou acalmar-me:
— Mariana, ela só quer ajudar. Sabes como é a minha mãe…
— Não é normal! — rebati. — Isto não é ajudar, é invasão! Eu já não me sinto em casa!
Ele ficou calado, olhando para o chão. O silêncio dele doeu mais do que qualquer palavra.
Os dias passaram e Teresa continuava a aparecer. Comecei a sentir-me uma estranha na minha própria casa. Chegava do trabalho e nunca sabia se ia encontrar a sogra sentada no sofá, a ver televisão ou a dobrar a nossa roupa.
A tensão entre mim e o Miguel aumentava. Discutíamos por tudo e por nada. Ele tentava justificar a mãe; eu sentia-me cada vez mais sozinha e incompreendida.
Uma tarde de sábado, depois de mais uma discussão acesa, decidi ir dar um passeio à beira Tejo para clarear as ideias. Sentei-me num banco e chorei baixinho. Lembrei-me da minha mãe, que morreu quando eu tinha 17 anos. Ela sempre dizia: “Filha, nunca deixes ninguém passar por cima dos teus limites.” Senti falta dela como nunca.
No dia seguinte, acordei decidida. Quando Teresa apareceu — sem avisar, claro — fui direta ao assunto:
— Teresa, precisamos de conversar.
Ela olhou-me com surpresa e um certo desdém.
— Sobre o quê?
— Sobre as chaves da nossa casa. Quero que mas devolvas.
O rosto dela endureceu.
— Mariana, estás a exagerar. Eu só quero o melhor para vocês.
— Eu sei — tentei manter a calma — mas isto não está a funcionar. Preciso do meu espaço. Preciso sentir que esta casa é minha e do Miguel.
Ela bufou e cruzou os braços.
— O Miguel sabe disto?
— Vou falar com ele hoje à noite. Mas esta decisão é minha também.
Ela hesitou, mas acabou por tirar as chaves da mala e pousá-las na mesa da cozinha com um gesto teatral.
Quando contei ao Miguel o que tinha feito, ele ficou furioso.
— Não tinhas o direito! — gritou. — É a minha mãe!
— E eu sou tua mulher! — respondi, com lágrimas nos olhos. — Não aguento mais viver assim!
Ele saiu de casa naquela noite e foi dormir ao sofá da mãe.
Foram dias de silêncio pesado. Eu ia trabalhar mecanicamente, voltava para casa vazia e sentia-me culpada por tudo. Será que exagerei? Será que devia ter aguentado mais?
Uma noite, Miguel voltou. Sentou-se ao meu lado na cama sem dizer nada durante minutos eternos.
— Mariana… — começou ele, com voz embargada — desculpa. Eu devia ter-te defendido desde o início. A minha mãe sempre foi assim… controladora. Mas tu és a minha família agora.
Chorei de alívio e tristeza ao mesmo tempo. Sabia que nada ia voltar a ser igual entre mim e Teresa, mas pelo menos recuperei o meu espaço e o meu casamento.
Hoje ainda sinto um aperto no peito quando penso em tudo o que aconteceu. Teresa raramente nos visita agora; quando vem, bate à porta como qualquer visita deve fazer. O Miguel e eu estamos mais unidos do que nunca, mas há feridas que demoram a sarar.
Às vezes pergunto-me: será que fiz bem? Até onde devemos ir para proteger os nossos limites sem destruir laços familiares? E vocês… já passaram por algo assim? Como reagiriam no meu lugar?