Amor Que Nunca Existiu: A Minha Vida Num Casamento Sem Alma

— Maria, não podes continuar assim. — A voz da minha mãe ecoava pela cozinha, misturada com o cheiro do café acabado de fazer. — Já tens trinta e dois anos, filha. Toda a gente à tua volta já casou, já tem filhos… Não queres ser feliz?

Feliz. A palavra soava-me estranha, quase como uma piada amarga. Olhei para as minhas mãos, pousadas na mesa de madeira gasta, e tentei não chorar. Não era a primeira vez que tínhamos esta conversa. Desde que o meu pai morreu, a minha mãe tornou-se ainda mais insistente. Queria ver-me “bem encaminhada”, como ela dizia. Mas o que era isso, afinal? Casar com alguém só porque sim? Só porque o tempo passa e as pessoas falam?

Foi assim que conheci o António. Ele era amigo do meu primo João, trabalhador, simpático, daqueles homens que nunca levantam a voz e que sabem consertar tudo em casa. A minha mãe adorou-o logo no primeiro jantar. Eu… eu não senti nada. Nem frio, nem calor. Mas deixei-me ir. Era mais fácil dizer sim do que enfrentar mais discussões, mais olhares de pena nas festas de família.

— O António é um bom rapaz, Maria. — repetia a minha mãe, como se isso fosse suficiente para garantir uma vida inteira de felicidade.

O pedido de casamento foi simples, quase mecânico. Estávamos sentados no banco do jardim municipal, ele tirou uma caixinha do bolso e perguntou:

— Queres casar comigo?

Olhei para ele e vi nos seus olhos uma esperança tímida, quase infantil. Não tive coragem de dizer não. Disse sim. E naquele momento, senti um vazio tão grande dentro de mim que pensei que ia desmaiar.

O casamento foi bonito, dizem. As fotografias mostram-me a sorrir ao lado do António, rodeada de primos e tias que mal conheço. Mas por dentro… por dentro eu gritava. Na noite de núpcias, deitei-me ao lado dele e chorei baixinho, virada para a parede.

Os anos passaram devagar. O António era bom marido — nunca me faltou nada em casa, nunca me levantou a mão, nunca me traiu. Mas também nunca me fez sentir viva. As nossas conversas eram sobre contas da luz, promoções no supermercado e o tempo lá fora. Nunca falámos de sonhos ou medos. Nunca houve paixão.

A minha mãe vinha cá todos os domingos para almoçar connosco.

— Tens tudo o que sempre quiseste, Maria! — dizia ela enquanto enchia o meu prato de arroz de pato.

Eu sorria e fingia concordar. Mas à noite, quando o António adormecia no sofá a ver futebol, eu sentava-me na varanda e olhava para as luzes da cidade, perguntando-me onde teria errado.

Um dia, reencontrei a Inês, uma amiga dos tempos da faculdade. Ela tinha-se divorciado há dois anos e vivia sozinha com o filho pequeno.

— Não tens medo de estar sozinha? — perguntei-lhe num café.

Ela sorriu.

— Tive medo durante muito tempo. Mas agora percebo que prefiro estar sozinha do que viver uma mentira.

As palavras dela ficaram a ecoar na minha cabeça durante semanas. Comecei a reparar em pequenos detalhes: o modo como o António nunca me olhava nos olhos quando falávamos; como evitava qualquer demonstração de carinho em público; como parecia confortável naquela rotina sem cor.

Uma noite, depois de mais um jantar silencioso, tentei falar com ele.

— António… achas que somos felizes?

Ele olhou para mim surpreendido.

— Claro que sim! Temos casa, trabalho, saúde… O que é que falta?

Falta tudo, pensei eu. Falta amor. Falta vida.

Mas não disse nada. Fiquei calada porque tinha medo da resposta dele — ou pior ainda, do silêncio.

As discussões começaram a surgir por coisas pequenas: a loiça por lavar, as compras esquecidas, o telemóvel deixado em cima da mesa durante o jantar. Nada disso era importante, mas servia para mascarar o verdadeiro problema: estávamos juntos por hábito, não por escolha.

A pressão da família aumentava sempre nas festas: os meus tios perguntavam quando vinha o primeiro filho; as minhas primas mostravam fotos dos bebés nos telemóveis; a minha mãe suspirava alto sempre que via uma criança na rua.

— Vocês têm de pensar no futuro! — dizia ela com aquele tom autoritário que me fazia sentir uma criança outra vez.

Mas eu não queria trazer uma criança para este vazio. Não queria condenar outro ser humano à mesma solidão disfarçada de normalidade.

Comecei a sair mais com a Inês. Ela apresentava-me amigos novos, pessoas diferentes, cheias de histórias para contar. Sentia-me viva nesses momentos — mas quando voltava para casa era como se vestisse uma máscara pesada demais para aguentar.

Uma noite, depois de um jantar com amigos da Inês, cheguei a casa tarde e encontrei o António sentado à mesa da cozinha.

— Onde estiveste? — perguntou ele num tom frio.

— Saí com amigos — respondi sem olhar para ele.

— Amigos ou amigas?

Senti o peso da desconfiança na voz dele. Pela primeira vez em anos, vi raiva nos seus olhos.

— António… isto não está a funcionar — disse-lhe finalmente.

Ele levantou-se bruscamente e bateu com a mão na mesa.

— Então queres acabar tudo? Depois destes anos todos?

Senti as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto.

— Quero ser feliz…

Ele ficou calado durante muito tempo. Depois saiu da cozinha e deixou-me ali sozinha com os meus pensamentos.

Nos dias seguintes mal falámos um com o outro. A casa parecia ainda mais fria e vazia do que antes. A minha mãe ligava todos os dias:

— O que é que se passa convosco? Não me digas que vais estragar tudo agora!

Estragar tudo? Ou finalmente começar a viver?

O divórcio foi silencioso e rápido. O António aceitou sem grandes discussões — talvez também ele sentisse o mesmo vazio há anos e nunca tivesse tido coragem de admitir.

A minha mãe chorou durante semanas. Os vizinhos cochichavam quando eu passava na rua; as tias diziam que era uma vergonha; os amigos afastaram-se aos poucos.

Mas eu… eu comecei finalmente a respirar. A casa pequena onde fiquei parecia enorme só para mim — mas pela primeira vez em muitos anos não sentia medo do silêncio.

Hoje olho para trás e pergunto-me: teria sido diferente se tivesse tido coragem de dizer não naquele banco do jardim? Quantas mulheres vivem vidas que não escolheram só para agradar aos outros? Será melhor viver só ou viver uma mentira?

E vocês? O que fariam no meu lugar?