Quando a Verdade Dói: Traição, Amizade e o Filho Que Mudou Tudo
— Não me mintas, Mariana. Por favor, diz-me a verdade — sussurrei, com a voz embargada, enquanto segurava a mão dela no quarto de hospital. O cheiro a desinfetante misturava-se com o perfume suave do bebé recém-nascido, e o silêncio entre nós era tão pesado que quase me sufocava.
Mariana desviou o olhar para o pequeno Tomás, que dormia tranquilo no berço transparente. O sol da manhã entrava pelas persianas, desenhando linhas douradas no rosto dela. Eu sentia o coração a bater tão forte que temi que ela ouvisse.
Tudo começou há nove meses, mas só agora, naquele quarto frio do Hospital de Santa Maria, é que as peças do puzzle começaram a encaixar-se. O cabelo castanho-escuro do Tomás, os olhos verdes — tão familiares. Demasiado familiares. O meu marido, Rui, tinha exatamente aqueles olhos.
Lembrei-me de todas as vezes em que Mariana vinha jantar lá a casa. Das gargalhadas partilhadas, dos segredos trocados à mesa da cozinha. E das noites em que Rui dizia que ia trabalhar até tarde. Eu confiava neles. Eram as duas pessoas mais importantes da minha vida.
— Ana… — Mariana começou, mas a voz falhou-lhe. — Não era suposto…
— Não era suposto o quê? — interrompi, sentindo as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto. — Que eu descobrisse? Que ele fosse igual ao Rui?
Ela tapou o rosto com as mãos e começou a chorar baixinho. O som dos soluços dela misturava-se com o bip dos monitores e os passos apressados das enfermeiras no corredor.
— Eu não queria magoar-te… — murmurou.
Sentei-me na cadeira ao lado da cama e olhei para o teto branco. Senti-me ridícula por não ter percebido antes. Por ter ignorado os sinais: as mensagens trocadas às escondidas, os olhares cúmplices entre eles, as desculpas esfarrapadas.
O Rui entrou no quarto nesse momento, trazendo um ramo de flores baratas e um sorriso nervoso.
— Olá… — disse ele, olhando de relance para mim e depois para Mariana.
Levantei-me de rompante.
— Rui, precisamos de falar. Agora.
Ele ficou pálido e pousou as flores na mesa. Mariana virou-se para a parede, encolhendo-se sob os lençóis.
Saímos para o corredor. O cheiro a café velho e desinfetante era enjoativo.
— Ana…
— Não digas nada — cortei-lhe. — O Tomás é teu filho, não é?
Ele hesitou por um segundo que pareceu uma eternidade. Depois baixou os olhos.
— Eu… Sim. Mas foi um erro. Eu amo-te, Ana. Foi só uma vez…
Ri-me amargamente.
— Só uma vez? Achas que isso faz diferença? Traíste-me com a minha melhor amiga! E agora há uma criança envolvida!
Ele tentou tocar-me no braço, mas afastei-me.
— Não sei se algum dia vou conseguir perdoar-vos — disse-lhe, antes de voltar para o quarto.
Mariana estava sentada na cama, abraçada ao Tomás. Os olhos dela estavam vermelhos de tanto chorar.
— Ana…
Sentei-me ao lado dela e olhei para o bebé. Era inocente em tudo isto. Mas como é que eu podia olhar para ele sem sentir raiva? Como podia continuar a ser amiga da Mariana? Como podia voltar para casa e olhar para o Rui sem me lembrar desta traição?
Os dias seguintes foram um turbilhão de emoções. Voltei para casa dos meus pais em Almada, levando apenas uma mala com algumas roupas. A minha mãe percebeu logo que algo estava errado.
— O que se passa, filha? — perguntou ela, enquanto me servia uma chávena de chá quente na cozinha.
Olhei para ela e desatei a chorar.
— O Rui traiu-me… com a Mariana. E agora ela teve um filho dele.
A minha mãe ficou em silêncio durante uns segundos, depois puxou-me para um abraço apertado.
— Vais superar isto, Ana. És mais forte do que pensas.
Mas eu não me sentia forte. Sentia-me vazia, traída por quem mais amava. Passei noites em claro a pensar no que fazer. Deveria confrontar os dois? Deveria contar tudo à família da Mariana? E o Tomás? Ele tinha culpa?
Os dias passaram devagar. O Rui ligava-me todos os dias, deixava mensagens a pedir desculpa, a implorar para falar comigo. A Mariana também me enviou uma carta longa, escrita à mão, onde pedia perdão e dizia que nunca quis magoar-me.
Mas como perdoar? Como esquecer?
Uma tarde chuvosa, decidi ir até à praia da Costa da Caparica para tentar encontrar alguma paz. Sentei-me na areia molhada e olhei para o mar cinzento. Lembrei-me dos verões felizes com o Rui e a Mariana, das promessas feitas ao pôr-do-sol.
De repente ouvi passos atrás de mim. Era o Rui.
— Ana… por favor — disse ele, ajoelhando-se ao meu lado. — Eu errei. Não consigo viver sem ti.
Olhei para ele e vi nos olhos dele o mesmo medo que sentia em mim própria.
— Como é que pudeste fazer-me isto? — perguntei-lhe baixinho.
Ele chorou pela primeira vez desde que tudo aconteceu.
— Eu não sei… Estava perdido… A nossa relação já não era como antes… E a Mariana estava sempre lá…
A raiva deu lugar à tristeza profunda. Percebi que também eu tinha ignorado os sinais de que algo não estava bem entre nós. Mas isso justificava aquela traição?
Voltei para casa dos meus pais naquela noite com mais perguntas do que respostas.
O tempo passou devagar. Fui retomando a minha vida aos poucos: voltei ao trabalho no escritório de advogados em Lisboa, comecei a sair com colegas depois do expediente e inscrevi-me num curso de fotografia aos sábados.
A Mariana continuava a tentar falar comigo. Mandava fotos do Tomás, dizia que ele perguntava por mim (como se um bebé pudesse perguntar por alguém). Um dia cruzei-me com ela no supermercado do bairro. Ela estava pálida e magra, com olheiras profundas.
— Ana… por favor… precisamos de conversar — implorou ela junto às prateleiras dos cereais.
Olhei para ela durante longos segundos antes de responder:
— Não sei se algum dia vou conseguir perdoar-te, Mariana. Mas também não quero viver presa ao passado.
Ela assentiu em silêncio e afastou-se com o carrinho de compras e o pequeno Tomás ao colo.
Os meses passaram e fui aprendendo a viver com aquela dor surda no peito. O Rui acabou por sair de casa definitivamente e alugou um apartamento pequeno em Benfica. A Mariana mudou-se para casa dos pais em Setúbal e começou a trabalhar numa loja de roupa infantil.
No Natal desse ano recebi um postal da Mariana com uma foto do Tomás vestido de Pai Natal. Olhei para aquela imagem durante muito tempo antes de guardá-la numa gaveta fechada à chave.
Hoje olho para trás e vejo como tudo mudou num instante: um olhar bastou para destruir anos de amizade e amor. Mas também percebo que sobrevivi à tempestade — mesmo quando achei que não seria capaz.
Às vezes pergunto-me: será possível perdoar uma traição tão profunda? Ou será que algumas feridas nunca saram completamente? E vocês… já passaram por algo assim?