Vi o meu cunhado com outra mulher e calei-me para proteger a minha irmã grávida – hoje todos me culpam pela tragédia
— Mariana, tens a certeza que não queres comer nada? — A voz da minha mãe ecoava pela cozinha, mas eu mal conseguia engolir a saliva. O cheiro do café misturava-se com o perfume doce das torradas, mas tudo me enjoava. Não era fome, era ansiedade. Desde aquela tarde maldita, tudo em mim era ansiedade.
A imagem do meu cunhado, Rui, de mãos dadas com aquela mulher loira à porta do café do bairro, não me saía da cabeça. Vi-os rirem, trocarem olhares cúmplices, e depois um beijo rápido, quase furtivo. Fiquei paralisada atrás do vidro da pastelaria, com o saco das compras a escorregar-me dos dedos. O mundo parou ali, naquele instante.
— Mariana, estás bem? — insistiu a minha mãe, pousando a mão no meu ombro.
Assenti em silêncio. Não podia contar-lhe. Não podia contar a ninguém. A minha irmã, Sofia, estava grávida de sete meses. O bebé era tão desejado, tão esperado… E ela confiava tanto no Rui. Como é que eu podia ser eu a destruir-lhe o mundo?
Naquela noite, deitei-me sem dormir. Oiço ainda os risos abafados da Sofia no quarto ao lado, enquanto falava com o Rui ao telefone:
— Amor, traz-me gelado de morango amanhã! — pediu ela, rindo.
Senti uma dor aguda no peito. O Rui respondeu-lhe com ternura, como se nada tivesse acontecido. Como se não tivesse acabado de trair a minha irmã com outra mulher.
Durante dias vivi num limbo. Evitava olhar para o Rui quando ele vinha cá a casa. Ele sorria-me como sempre, perguntava pelo meu trabalho na escola primária, fingia ser o cunhado perfeito. Eu respondia com monossílabos e fugia para o meu quarto assim que podia.
A Sofia começou a notar o meu distanciamento.
— Mariana, o que se passa contigo? — perguntou-me certa tarde, enquanto dobrávamos as roupinhas do bebé.
— Nada… só cansaço — menti.
Ela olhou-me nos olhos, preocupada.
— Se precisares de falar… sabes que podes confiar em mim.
Quase lhe contei tudo naquele momento. Mas calei-me. Não queria ser eu a destruir-lhe a felicidade. Não queria ser eu a provocar-lhe stress ou tristeza nesta fase tão delicada da gravidez.
O tempo foi passando e o segredo tornou-se um peso insuportável. Comecei a ter pesadelos: via a Sofia a chorar, via o Rui a rir-se de mim, via o bebé nascer num ambiente de dor e desconfiança. Acordava suada, com o coração aos saltos.
Um dia, tudo desabou.
Era sábado à noite e estávamos todos reunidos para jantar em casa dos meus pais. A Sofia estava radiante, mostrava as últimas ecografias e falava dos planos para o quarto do bebé. O Rui parecia nervoso, mexia no telemóvel constantemente.
De repente, o telefone da Sofia vibrou. Ela atendeu e ficou pálida.
— Quem é esta? — perguntou ela ao Rui, mostrando-lhe uma mensagem anónima com uma foto dele com a mulher loira.
O silêncio caiu sobre a mesa como uma bomba. O Rui tentou negar, mas as provas eram evidentes. A Sofia começou a chorar descontroladamente. A minha mãe gritou com o Rui, o meu pai levantou-se furioso.
Eu fiquei imóvel na cadeira, sem conseguir respirar. Sabia que aquela foto tinha sido enviada por alguém do bairro — talvez alguém que também os tivesse visto juntos. Mas ninguém sabia que eu já sabia de tudo há semanas.
A Sofia olhou para mim com olhos vermelhos de raiva e dor:
— Tu sabias disto? — perguntou-me num sussurro quase inaudível.
Não consegui mentir. Baixei os olhos e assenti.
— Como pudeste? — gritou ela. — Como pudeste calar-te? Eu confiava em ti!
A minha mãe começou a chorar também. O meu pai saiu de casa sem dizer palavra. O Rui tentou explicar-se, mas ninguém queria ouvir.
A partir desse dia, tudo mudou. A Sofia deixou de falar comigo. Mudou-se para casa dos pais dele durante umas semanas e recusava-se a atender as minhas chamadas ou responder às minhas mensagens. A minha mãe culpava-me por não ter contado nada; dizia que talvez tudo pudesse ter sido evitado se eu tivesse falado mais cedo.
O bebé nasceu prematuro, depois de uma gravidez cheia de stress e lágrimas. Chama-se Matias e é lindo — mas eu só o vi uma vez ao longe, na maternidade. A Sofia não me deixou aproximar-me mais.
Os meses passaram e a distância entre nós tornou-se um abismo. Sinto falta da minha irmã todos os dias. Sinto falta das nossas conversas à noite, dos risos cúmplices, dos sonhos partilhados desde crianças no nosso quarto cor-de-rosa em Almada.
Pergunto-me vezes sem conta se fiz bem em calar-me. Se teria sido melhor contar-lhe logo tudo — mesmo sabendo que lhe ia partir o coração numa altura tão frágil. Ou se fiz bem em tentar protegê-la do sofrimento até ao último momento possível.
Hoje sou uma estranha na minha própria família. Os meus pais olham para mim com tristeza e desilusão. O Rui desapareceu das nossas vidas — ninguém sabe dele nem quer saber. A Sofia ergueu um muro à sua volta e só vive para o Matias.
Às vezes passo pelo parque onde costumávamos brincar em pequenas e vejo mães com bebés ao colo. Imagino como seria se tudo tivesse sido diferente… Se eu tivesse tido coragem de falar ou se nunca tivesse visto nada.
Será que algum dia vou conseguir perdoar-me? Será que há decisões certas quando tudo parece errado? E vocês… teriam feito diferente?