O Meu Filho Quer Que Eu Limpe a Casa Dele a Troco de Dinheiro – Será Que Mereço Isto?
— Mãe, precisamos mesmo de alguém para ajudar cá em casa. E, sinceramente, preferia pagar-te a ti do que a uma estranha — disse o Tiago, sem sequer olhar-me nos olhos, enquanto mexia no telemóvel.
Senti o chão fugir-me dos pés. O meu próprio filho, aquele que embalei tantas noites, agora queria que eu limpasse a casa dele… a troco de dinheiro. Não era um pedido de ajuda, era uma proposta de trabalho. O silêncio pesou entre nós, apenas interrompido pelo som da chaleira ao fundo.
— Tiago… — tentei começar, mas a voz saiu-me trémula. — Achas mesmo que é isso que eu devo fazer? Limpar a tua casa… como se fosse uma empregada?
Ele finalmente ergueu os olhos, mas vi ali uma frieza que nunca tinha sentido antes. — Mãe, não é nada disso. Só quero ajudar-te também. Sei que as coisas não estão fáceis para ti desde que o pai morreu…
A Andreia entrou na cozinha nesse momento, com aquele ar sempre apressado e distante. — Tiago, já falaste com a tua mãe? Precisamos mesmo de alguém para manter isto em ordem. E ela tem tempo livre…
Senti-me pequena, invisível. Como se todo o meu valor se resumisse agora à minha disponibilidade e à minha capacidade de esfregar chão e dobrar roupa.
Lembrei-me de quando o Tiago era pequeno e vinha ter comigo depois da escola, com os joelhos esfolados e os olhos brilhantes de histórias para contar. Eu era o seu porto seguro. Agora, era apenas uma solução prática para um problema doméstico.
— Não sei se consigo — murmurei, tentando conter as lágrimas.
A Andreia suspirou, impaciente. — Ninguém te está a obrigar. Mas se não quiseres, vamos ter de contratar alguém. E sinceramente, preferia que fosse família.
O Tiago pousou o telemóvel e olhou-me com um misto de pena e irritação. — Pensa nisso, mãe. É só trabalho. Não tem mal nenhum.
Saí dali com o coração apertado. No caminho para casa, as memórias atropelavam-se umas às outras: os aniversários do Tiago, as noites em claro quando ele tinha febre, as discussões com o pai sobre como devíamos educá-lo… E agora isto.
Durante dias tentei evitar pensar no assunto, mas a solidão da minha casa só tornava tudo mais difícil. Desde que o António morreu, os dias arrastam-se e o dinheiro começa a faltar. A reforma mal chega para as contas e há meses que não compro nada para mim.
Uma tarde, a minha irmã Lurdes ligou-me.
— Então, Maria? Estás tão calada…
— Não sei o que fazer, Lurdes. O Tiago quer que eu vá limpar a casa dele… e pagar-me por isso.
Do outro lado ouvi um suspiro pesado.
— Olha, mana… Eu percebo que te custe. Mas às vezes temos de engolir o orgulho. Se precisares do dinheiro…
— Não é só isso! — interrompi-a. — Sinto-me humilhada. Como é que chegámos aqui?
Lurdes ficou em silêncio por uns segundos.
— Talvez seja só uma fase. Os miúdos hoje em dia são diferentes…
Mas será mesmo só isso? Ou será que falhei como mãe? Será que nunca aceitei verdadeiramente a Andreia e agora estou a pagar por isso?
No domingo seguinte fui almoçar a casa deles. A mesa estava posta com todo o cuidado — mas senti logo o ambiente tenso. A Andreia mal me cumprimentou e passou o tempo todo no telemóvel. O Tiago tentava ser simpático, mas percebia-se que estava desconfortável.
Depois do almoço, enquanto lavava a loiça (como sempre fazia), ouvi-os a discutir baixinho na sala.
— Ela podia ajudar mais — dizia a Andreia. — Não faz sentido estarmos a pagar a uma estranha quando ela está aqui.
— Não quero magoá-la — respondeu o Tiago. — Mas também não podemos continuar assim.
Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos. Se ficasse ali mais um minuto desatava a chorar.
Quando me despedi, o Tiago abraçou-me com força.
— Pensa no que te disse, mãe. Por favor.
Naquela noite não dormi nada. Olhei para as fotografias antigas na prateleira: eu e o António no nosso casamento; o Tiago bebé ao colo; as férias no Algarve… Onde foi parar aquela família?
No dia seguinte tomei uma decisão. Liguei ao Tiago.
— Filho… Aceito ajudar-vos em casa. Mas não quero dinheiro nenhum. Faço-o porque sou tua mãe e porque quero estar perto de ti.
Do outro lado ouvi um suspiro de alívio misturado com hesitação.
— Mãe… Não quero que te sintas usada.
— Não me sinto usada se for por amor — respondi, tentando soar firme.
Durante semanas fui lá duas vezes por semana: limpava, arrumava, cozinhava algumas coisas para eles congelarem. No início sentia-me desconfortável — como se estivesse sempre à espera de um comentário ou de um olhar reprovador da Andreia.
Um dia cheguei mais cedo e ouvi-os discutir na sala:
— Ela está sempre aqui! — dizia a Andreia num tom irritado. — Isto não é normal!
— É minha mãe! Ela só quer ajudar…
— Pois, mas eu não pedi nada disto! Eu queria era contratar alguém profissional!
Senti-me novamente intrusa na vida do meu próprio filho. Saí sem fazer barulho e fui chorar para o carro.
Na semana seguinte decidi confrontar a Andreia.
— Andreia, podemos falar um minuto?
Ela olhou-me com desconfiança.
— Diga.
— Sei que não gosta da minha presença aqui. Mas eu só quero ajudar o Tiago… E gostava de poder dar-me bem consigo também.
Ela encolheu os ombros.
— Eu só acho estranho… Nunca fomos próximas e agora está sempre cá em casa…
— Talvez devêssemos tentar mudar isso — disse-lhe, com sinceridade.
Ela ficou calada durante uns segundos e depois assentiu levemente.
As coisas melhoraram um pouco depois disso. Começámos a conversar mais durante as limpezas; partilhámos receitas; até rimos juntas algumas vezes. Mas nunca foi uma relação fácil ou natural.
O Tiago parecia mais feliz por ver-nos dar-nos melhor, mas eu sentia sempre aquela distância entre mim e ele — como se houvesse uma barreira invisível que nunca conseguiríamos ultrapassar.
Um dia, quando estava a limpar o quarto do bebé (sim, porque entretanto engravidaram), encontrei uma carta antiga do Tiago para mim: “Mãe, obrigado por tudo o que fazes por mim. Amo-te muito.” Sentei-me na cama e chorei como há muito não chorava.
Será que falhei como mãe? Será que devia ter lutado mais pela nossa relação? Ou será que há coisas que simplesmente não conseguimos controlar?
Hoje olho para trás e pergunto-me: até onde deve ir o amor de uma mãe? Será justo aceitar tudo em nome da família? E vocês… já sentiram algo assim?